A corrida migratória ao Oeste americano no século 19 foi batizada de febre do ouro, pois a maioria dos participantes buscava fazer fortuna com o precioso metal. Nessa mesma região, que hoje abriga o Vale do Silício, lar das principais empresas de tecnologia do mundo, há uma nova onda. Só que sua cor não é dourada, mas sim verde. Trata-se da cor da maconha, que legalizada para fins terapêuticos e uso recreativo em alguns Estados americanos está recebendo uma onda de investimentos, em especial de empreendedores da área de tecnologia.

Estimativas dão conta de que o mercado da maconha deve gerar mais de US$ 35 bilhões nos EUA, em 2020, segundo a consultoria Greenwave Advisors, projetando uma legalização federal da erva oficial do reggae. Alguém falou em bilhões de dólares? Logo, há um aplicativo para celular tentando conquistar uma fatia desse ouro verde. O CrunchBase, uma das maiores plataformas de dados sobre startups dos EUA, registra 33 empresas iniciantes de tecnologia relacionadas ao tema. Mais: no ano passado, 30 investimentos de risco em empresas que apostam na cannabis em suas diferentes variedades somaram US$ 165 milhões.

Quem liderou os aportes foi Peter Thiel, um dos fundadores do PayPal, maior empresa de pagamentos online do planeta, que hoje pertence ao eBay. Através do Founders Fund, que administra recursos de US$ 2 bilhões e detém fatias do Facebook, SpaceX, Airbnb e Lyft, Thiel colocou US$ 75 milhões em empresas de tecnologia ligadas à antigamente chamada “erva maldita”. O dinheiro de Thiel foi parar na holding Privateer, dona de três empresas relacionadas com a marijuana: Leafly, criadora de um aplicativo com informações sobre o assunto, Tilray, e-commerce canadense de cannabis, e Marley Naturals, que licenciou os direitos sobre o nome do famoso cantor de reggae Bob Marley para comercializar o chamado cigarrinho do artista a partir do segundo semestre de 2015.

“A Privateer surgiu como um líder do mercado da cannabis legal”, afirmou o sócio da Founders Fund, Geoff Lewis, em um texto divulgado após o aporte. “Acreditamos que se tornará uma grande indústria na próxima década.” Thiel não é o único nome famoso do mundo da tecnologia a investir nessa área. Tom Bollich, cofundador e ex-diretor de tecnologia da Zynga, desenvolvedora do popular game de Facebook Farmville, é agora CEO da Surna, uma empresa do Colorado que vende sistemas de refrigeração e outros equipamentos para o plantio de maconha. “Há muita coisa faltando ser feita nesse segmento”, disse Bollich ao site especializado CannaInsider.

Segundo ele, essa indústria muda a cada seis meses. “É um sentimento parecido ao de quando eu estava na Zynga”, afirmou. “Ninguém entende o que está acontecendo, mas todos sentem que algo está acontecendo.” Além dos medalhões do Vale do Silício, há muita gente nova tentando ganhar a vida nesse novo Oeste selvagem. Entre os recém-chegados figuram os brasileiros João Paulo Costa e Henrique Torelli, que desenvolveram o aplicativo Who is Happy, considerado o Foursquare da maconha. O usuário é incentivado a fazer um check-in para mostrar aos amigos que “está feliz”. Por enquanto, dinheiro não é problema.

“Uma rede social precisa primeiro focar a aquisição e retenção de usuários”, diz Costa, repetindo uma cantilena dos empreendedores de internet. “O formato comercial é um segundo passo.” O plano da dupla é buscar investimento no núcleo da febre verde, o Vale do Silício, em março deste ano. As empresas do mundo dos bits e bytes também influenciam o comércio físico da maconha. A Euflora, franquia com três lojas no Colorado, primeiro Estado americano a legalizar a cadeia de produção e o uso recreativo de maconha, apostou em um visual inspirado na Apple Store. As lojas têm potes transparentes expostos ao lado de tablets em mesas amplas.

As telas dos aparelhos exibem informações sobre a erva, como o nível da substância THC e seus efeitos, entre outras. Os atendentes caminham pelo espaço respondendo a questões levantadas pelos clientes. A matriz está localizada na 6th Street Mall, em Denver, a capital do Estado, equivalente à avenida Paulista de São Paulo ou à 5th Avenida de Nova York. “Estamos atendendo pessoas de todo o mundo”, afirmou Jamie Perino, criadora e CEO da Euflora, à rede de televisão CBS. “É comum ver pessoas vindo direto do aeroporto para cá carregando as malas.” É bom Jamie ficar atenta, pois Jamen Shively, que trabalhou na área de estratégias industriais da Microsoft entre 2003 e 2009, anunciou que está em fase de captação para criar a “Starbucks da maconha”.