16/05/2014 - 20:00
Quando chegar ao Porto de Santos na manhã da quarta-feira 21, com 15 mil toneladas de óleo diesel, o navio Challenge Pegasus, com bandeira de Cingapura, contribuirá para o aumento do déficit da balança comercial brasileira. No ano passado, o resultado das transações ficou positivo em US$ 2,56 bilhões, graças ao impacto contábil da “exportação” de plataformas de petróleo da Petrobras que nunca saíram do País. Neste ano, a fragilidade da política de comércio exterior do governo está ainda mais evidente. Até as primeiras duas semanas de maio, o saldo negativo dos portos brasileiros já chegava a US$ 5,34 bilhões. As importações de US$ 80,9 bilhões superavam as exportações de US$ 75,5 bilhões em mais de 7%.
Essa conta, ao que tudo indica, pode piorar ainda mais, expondo o grande déficit que se esconde sob a linha d’água dos petroleiros que chegam aos portos brasileiros. Com o mercado externo ainda fraco e a falta de disposição do governo Dilma para abrir novas frentes de comércio para as empresas brasileiras com os países mais desenvolvidos, concentrando-se no limitado comércio eixo sul-sul, o saldo comercial deste ano depende basicamente do ritmo da importação de combustíveis. “A conta-petróleo é que vai definir o tamanho do nosso superávit”, afirma o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Mauro Borges.
Ele espera que o saldo negativo nesse segmento, que somou US$ 20 bilhões em 2013, seja menor neste ano, contribuindo para um resultado mais favorável na balança como um todo. Até abril, o déficit na conta de petróleo e derivados soma US$ 6 bilhões, mais do que o saldo total, de US$ 5,5 bilhões negativos. Ninguém, nem no mercado nem no governo, tem certeza sobre o que vai acontecer nos próximos meses. Na avaliação do governo, a balança comercial é estruturalmente positiva e o resultado ruim da conta de combustíveis é apenas um percalço, superável com os investimentos que estão sendo feitos pela Petrobras.
Na segunda-feira 12, a presidente da empresa, Graça Foster, confirmou a previsão de aumento da produção em 7,5% neste ano, mas reconheceu que o cronograma de entrega de plataformas está com atraso de cinco meses. De fato, os dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP) mostram que a extração brasileira do produto ficou praticamente estável em janeiro, mas cresceu nos meses seguintes e já acumula uma alta de 5,8% no trimestre. O problema é que, nos últimos anos, enquanto a produção de petróleo ficou estável, o consumo de combustível refinado cresceu a um ritmo de 5% ao ano. Mas será mesmo este o principal problema do comércio exterior?
Uma análise das exportações brasileiras mostra que aumentaram apenas os embarques de produtos básicos – 2,9% nos primeiros quatro meses em relação a 2013. No mesmo período, a exportação de produtos industrializados caiu 9,2%. Um dos fatores é a piora no mercado argentino, o terceiro país na lista das exportações brasileiras, depois de China e Estados Unidos, e importador da maior parte dos veículos e das autopeças vendidos pelo Brasil. Somente em abril, a média diária de embarques para o país vizinho diminuiu 20% em relação ao mesmo mês de 2013. Mas a falta de competitividade da indústria brasileira, com o peso e a complexidade da carga tributária, além do reduzido número de acordos comerciais com outros países, também dificulta a vida dos exportadores.
A retomada da economia dos Estados Unidos, por outro lado, está ajudando. Para o economista-chefe da corretora Planner, Ricardo Martins, as atenções estão mais concentradas na recuperação americana. Em abril, a exportação para o país – cuja economia deve crescer 2,8%, mais do que a do Brasil (1,8%) – avançou 44,5% em relação ao mesmo mês do ano passado. Economistas destacam a expansão dos itens voltados para a construção civil. Para Bruno Lavieri, da consultoria Tendências, a reação da indústria brasileira ainda é lenta devido à falta de investimentos. O cenário, porém, é incerto. Tanto que o governo não se arrisca a fazer previsões para este ano.
E o próprio setor privado ainda não conseguiu definir com clareza o que deve acontecer nos próximos meses. A Confederação Nacional da Indústria (CNI), que em dezembro esperava um superávit de US$ 9 bilhões, revisou o saldo para US$ 1,5 bilhão. Já a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que num primeiro momento revisou para cima sua projeção, na semana passada ajustou o número para US$ 3,5 bilhões. Avaliação oposta da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), que espera um déficit de US$ 3,5 bilhões neste ano. Além da exportação de um menor volume de plataformas de petróleo e da piora no comércio com a Argentina, vai contribuir negativamente para a receita das exportações a redução nos preços das commodities, como soja e minério de ferro.
A carne, outro produto importante para as exportações brasileiras, também ficou mais barata no mercado internacional. Neste caso, porém, o aumento do volume compensou parte da queda de preços. Ainda assim, são esses os produtos que evitam um desequilíbrio maior para as trocas com o Exterior. “O agronegócio do Brasil cresce e garante o saldo da balança”, diz o diretor de relações internacionais e comércio exterior da Fiesp, Thomaz Zanotto. Em 2013, o saldo da balança do agronegócio foi de US$ 82,9 bilhões. Outro alento pode vir da menor pressão das importações, por conta da tímida atividade econômica. “O mercado interno está se acomodando, e as importações podem ter uma queda maior que a prevista”, afirma o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.
De janeiro a abril, as importações de bens de capital caíram 1,1% e as de matérias-primas e bens intermediários diminuíram 0,6%, enquanto as compras de bens de consumo aumentaram 2,4% em relação a igual período de 2013. Para a indústria, a rotina tem sido lidar com as importações crescentes tanto de produtos acabados quanto de peças e componentes. Um dos exemplos desse cenário é o setor de eletroeletrônicos. “O déficit vem crescendo de forma constante a taxas de 10% a 12% ao ano”, afirma Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee).
Até fevereiro, o saldo comercial negativo do setor atingiu US$ 6,24 bilhões, 12% acima do registrado em igual período de 2013. Segundo Barbato, um dólar superior ao patamar atual (ao redor de R$ 2,20) seria necessário para dar condições melhores à exportação. “Enquanto o governo segurar a inflação com o câmbio, vamos ter sacrifício na balança”, reclama. A entidade tem feito pressões, junto ao governo, para a abertura de novos mercados, inclusive em países onde o comércio bilateral ainda é pequeno, como Argélia, Tunísia e Angola. Mas o Brasil, por incrível que pareça, continua amarrado ao Mercosul e longe de acordos bilaterais com os Estados Unidos e a União Europeia.