Criada em 1907, a fabricante japonesa de bebidas Kirin detinha uma marca impressionante no mundo dos negócios: nenhum ano de prejuízo desde 1949, quando abriu seu capital na bolsa de valores de Tóquio. Em 2011, a companhia desembarcou no Brasil ao comprar a paulista Schincariol. Agora, quatro anos depois, ela se viu obrigada a realizar uma baixa contábil de R$ 3,8 bilhões, referente ao ágio pago na aquisição da cervejaria de Itu, que ela esperava recuperar, e equivalente a toda receita do ano passado.

Foi o suficiente para levar sua matriz a registrar perdas de 56 bilhões de ienes (US$ 462 milhões), encerrando um período de mais de meio século com o azul predominando na última linha do balanço anual. “A empresa está se adequando às condições econômicas do País e, para isso, revisitou as estratégias, custos e foco de suas marcas”, afirmou, em nota, a Brasil Kirin, subsidiária brasileira da Kirin. “Reiteramos nossa confiança no potencial de expansão do mercado brasileiro.” O fato é que a cervejaria vem perdendo mercado no País há pelo menos três anos.

Reverter esse quadro será uma tarefa difícil para os executivos da fabricante, que é comandada mundialmente pelo CEO Yoshinori Isozaki. Desde o ano passado, a Brasil Kirin está reestruturando suas operações. No primeiro semestre deste ano, foram demitidos 250 funcionários. Outras ações de corte de custos foram adotadas, como a terceirização da área de tecnologia. Novos produtos chegaram ao mercado, em especial no segmento premium, como as cervejas Kirin Ichiban e Devassa One, apresentada em uma embalagem de edição limitada.

O esforço foi insuficiente para reverter a perda de espaço para os concorrentes. Segundo dados da consultoria Euromonitor, de 2012 a 2014, a participação de mercado da Brasil Kirin caiu de 15% para 13,3%. Ela ainda é a segunda maior do mercado cervejeiro nacional, com uma produção de 3 bilhões de litros de bebidas por ano, incluindo sucos e refrigerantes. Mas a Petrópolis está na sua cola, com 11,5% de participação. “O cenário macroeconômico impactou diretamente o setor de bebidas brasileiro e a Brasil Kirin foi a mais afetada de todas as empresas”, afirma Spiros Malandrakis, analista de bebidas alcoólicas da Euromonitor.

“Não vejo, no entanto, a compra da Schincariol em como um erro da Kirin, pois ainda existe um grande potencial de crescimento no médio e no longo prazo.” Uma das forças da companhia japonesa está, justamente, no segmento de cervejas artesanais e premium. A Schincariol, ainda sob o controle da família que dá nome à cervejaria, foi a primeira a apostar nesse segmento com a compra da Baden Baden, em 2007. Um ano depois, ela adquiriu a Eisenbahn, que produz cervejas de trigo.

Atualmente, a Brasil Kirin possui 13 fábricas no País. “Como as cervejas premium têm crescido de forma mais acelerada do que as convencionais, a Brasil Kirin pode se aproveitar disso com as suas marcas”, diz Malandrakis. A cerveja é, atualmente, a bebida preferida dos brasileiros. Segundo dados da consultoria britânica Mintel, 55% dos consumidores entrevistados afirmam ter consumido a bebida nos seis meses anteriores à abril, quando foi realizada a pesquisa. A expectativa é que o mercado cervejeiro encerre 2015 com um faturamento superior a R$ 71 bilhões, chegando a movimentar R$ 119 bilhões até 2020, de acordo com a Mintel.

A questão para a Kirin é que suas concorrentes também estão empenhadas a seguir o mesmo caminho e conquistar o consumidor de paladar mais apurado. Até mesmo a Ambev, dona de 63,9% do mercado, se viu obrigada a entrar nesse jogo. Recentemente, ela adquiriu a microcervejaria Colorado, de Ribeirão Preto (SP). A Heineken, por sua vez, relançou a tradicional Xingu, com nova embalagem e em três versões diferentes. O cenário deve fazer os japoneses abrirem a carteira.

“É estimado um aumento de custos, em parte porque a Brasil Kirin está conduzindo sua estratégia de preços e atividade de vendas em resposta à tendência de consumo e de seus competidores”, afirmou a companhia, em comunicado aos seus acionistas. Em um mercado altamente concentrado em torno de uma única fabricante, e no qual a marca é o principal fator de escolha dos consumidores, de acordo com pesquisa da Mintel, investir, apesar das perdas, pode ser a única cura para a ressaca brasileira da Kirin.