08/06/2011 - 21:00
O empresário e político John Brown lembra-se com respeito da influência do fundador do Kentucky Fried Chicken, o coronel Harland Sanders. “Cada vez que ele aparecia na televisão, as vendas disparavam”, diz o empresário e ex-governador do Kentucky, que comprou o negócio de Sanders em 1964 por US$ 2 milhões, mas manteve o criador da receita de frango frito como relações-públicas da marca.
O retrato estilizado de Sanders até hoje é o logotipo do KFC em todo mundo. Se o coronel, título honorífico concedido pelo Estado do Kentucky, ainda estivesse vivo, seu esforço para aumentar as vendas da marca só surtiria efeito se fosse feito numa das cadeias estatais de TV da China.
A dona de alguns dos maiores ícones da cultura americana está rapidamente virando mais uma companhia chinesa do que ocidental. No fim do ano passado, a Yum! Brands, holding controladora do KFC, obteve pela primeira vez receita superior em seus 3.700 restaurantes na China (a Pizza Hut também é outra marca forte no país) do que em todos os 19 mil pontos de venda de suas diversas cadeias de restaurantes nos Estados Unidos, que incluem ainda a rede de fast-food mexicana Taco Bell.
Cerca de US$ 755 milhões do lucro total de US$ 1,6 bilhão vieram do país asiático. Analistas acreditam que a KFC deve obter dois terços de sua receita no gigante asiático dentro de cinco anos. Na China, o grupo abre um restaurante a cada 18 horas. O entusiasmo pelo Império do Meio é tão grande que a companhia colocou à venda duas cadeias americanas, a Long John Silver’s e a A&W para aumentar o foco na Ásia.
Ao anunciar os resultados de 2010, o CEO da Yum! Brands, David Novak, disse que o ponto alto do ano foi “a performance fantástica na China, onde o lucro aumentou 26% ”. O ex-governador Brown segue a mesma toada. “Sinto orgulho de ver a expansão internacional do KFC, porque o modelo continua o mesmo”, disse Brown à DINHEIRO. Foi o ex-governador do Kentucky quem transformou o negócio caseiro do coronel Sanders numa grande cadeia de fast-food, abrindo seu capital na Bolsa de Nova York.
Quando Brown comprou a companhia por US$ 2 milhões, o coronel Sanders vendia o frango preparado com sua receita secreta a restaurantes que o colocavam no cardápio. Quando vendeu sua participação, em 1971, por nada menos do que US$ 284 milhões, já estava montada uma rede de 850 lojas. Mas Brown tem apenas uma parcela de razão: para dar o último salto na China, o KFC passou por uma drástica revolução cultural. Embora as lojas no país asiático se pareçam fisicamente com o restante da rede em todo mundo, a estratégia é bem diferente.
John Brown: investidor que foi dono do KFC na década de 60 orgulha-se do novo perfil da cadeia
A infraestrutura necessária para construir a maior rede de restaurantes da China incluiu uma cadeia de distribuição que só “perde para o Exército Vermelho”, de acordo com o professor Damien Mc Loughlin, diretor do Departamento de Administração da University College Dublin, na Irlanda, que estudou o caso da Yum! na China. Como não havia redes terceirizadas na China na decada de 90, o KFC construiu armazéns próprios e comprou frotas de caminhões.
Apesar do desembolso inicial elevado, a infraestrutura garantiu a abertura de lojas em cidades menores, uma vantagem em relação aos competidores estrangeiros. O trabalho com os fornecedores para garantir a qualidade da matéria-prima também foi expressivo. “O KFC colocou a cadeia de distribuição e dos fornecedores no centro de sua estratégia para garantir a segurança alimentar e com isso ganhou pontos com os consumidores”, diz McLoughlin.
Damien Mcloughlin: congee no cardápio foi o segredo do sucesso, diz o professsor da University College de Dublin
Mas o ponto determinante para o sucesso da empreitada foi o fato de o KFC ter se transformado numa cadeia chinesa com roupagem ocidental. “O grande segredo foi o congee”, diz Mc Lohghlin. Congee é um café da manhã típico chinês, uma espécie de sopa com um macarrão baseado em arroz, que pode conter diversos tipos de carne. O prato é apenas uma metáfora da mudança radical dos menus do KFC na China, que têm mais de 50 itens com produtos locais, enquanto nos Estados Unidos seus cardápios, com cerca de 30 itens, têm como carro-chefe os tradicionais pratos de frango frito.
Entre os itens só encontrados na China, estão diversas receitas de frango e pato com molhos apimentados, palitos de massa frita e bebidas à base de soja. A estratégia vencedora é creditada também à gestão local. O grande responsável pelo crescimento é o taiwanês Sam Su, 58 anos, que ascendeu a vice-presidente do conselho. A imagem dos restaurantes da Yum! na China é bem diferente da que os clientes ocidentais estão acostumados nas redes de fast-food.
As marcas são envoltas em glamour, em parte pelo gosto dos chineses por novidades, mas também por uma estratégia do próprio grupo. O KFC é visto como um restaurante para almoços de grupos de trabalhadores ou para famílias. A Pizza Hut é um restaurante chique, no qual os chineses levam prospectivas namoradas para jantar quando querem impressioná-las, e as redondas são apenas acessórios no cardápio, que tem até escargot.
O exemplo da aculturação da Yum! na China contrasta com a estratégia da companhia no Brasil. Depois de muito insistir num modelo de fidelidade às receitas originais, só recentemente a Pizza Hut anunciou mudanças em seus cardápios para concorrer com restaurantes por quilo e padarias brasileiras.
Enviada especial a Lexington, Kentucky