03/10/2014 - 20:00
O Estado de São Paulo sofre com a escassez de chuvas desde o verão do ano passado. Segundo a consultoria meteorológica Climatempo, a situação não deve melhorar a curto e médio prazo. Ainda que a primavera tenha trazido mais chuva para a região, o volume de água não será suficiente para encher os reservatórios. Muitos deles, inclusive, já estão operando no limite, como o do sistema Cantareira, principal fonte de abastecimento da capital paulista. Para piorar, tampouco há expectativa de bloqueios atmosféricos intensos sobre a América do Sul nos próximos meses.
Ou seja, a população terá de continuar economizando água. A situação crítica está provocando um efeito inusitado nos negócios da alemã Kärcher, líder global do mercado de lavadoras de alta pressão. Seu principal produto tem como grande atrativo a economia de água, o que, teoricamente, poderia aumentar a demanda em momentos como o atual. As vendas, no entanto, estão caindo entre os paulistas. O motivo é simples. Ninguém quer ser visto pelos vizinhos lavando a calçada ou o carro, mesmo com o uso de um dispositivo de pressão que reduz a vazão em até 75%, segundo a fabricante.
“É uma questão de imagem”, afirma Abilio Cepêra, presidente da Kärcher no Brasil. “Em São Paulo, com a seca, não vendo nada; já no Rio Grande do Sul, onde as chuvas estão provocando alagamentos, nunca vendi tanto.” A falta de água, certamente, não estava nos planos da empresa quando inaugurou uma nova fábrica no Brasil, em março deste ano. Com capacidade de produzir um milhão de lavadoras por ano, a unidade, localizada em Vinhedo, no interior de São Paulo, consumiu investimentos de R$ 80 milhões. Para enfrentar o mau humor de São Pedro, a Kärcher tem apostado suas fichas em outras linhas de produtos, especialmente as voltadas para o mercado profissional de limpeza.
“Estamos com um bom desempenho nesse segmento”, diz Cepêra. “Não compensa por completo a queda nas vendas de lavadoras, mas ajuda.” Neste ano, o executivo espera que o faturamento no Brasil se mantenha estável – a empresa não divulga as receitas das subsidiárias. No ano passado, o faturamento global da companhia atingiu, pela primeira vez, a marca de € 2 bilhões, com mais de 12 milhões de máquinas vendidas. Entre os aparelhos mais vendidos da categoria profissional está um sistema automático de lavagem de automóveis. Composto por enormes escovas giratórias, o equipamento é importado da Alemanha, mas há planos de começar a ser produzido por aqui.
A lógica que impulsiona o segmento é semelhante à que provoca a desaceleração no mercado de lavadoras: as pessoas não querem ser vistas lavando os carros em casa, por isso procuram serviços terceirizados. “Ninguém quer rodar com o carro sujo”, diz Cepêra. “Como não dá para lavar em casa, a opção é levar ao posto.” No mercado de serviços profissionais de limpeza, a Kärcher vem ganhando espaço com máquinas que não utilizam água, ou consomem muito pouco. É o caso das varredoras de ruas, limpadoras de piso e até equipamentos que usam jatos de um tipo de sílica, voltados para a limpeza de peças e componentes na indústria.
Segundo dados da Abralimp, que representa as empresas do setor, o mercado profissional de limpeza movimenta, por ano, cerca de R$ 20 bilhões. O segmento de máquinas é um dos que mais crescem, na esteira do aumento do custo da mão de obra e da necessidade de aumentar a produtividade. No mercado residencial, se por um lado a cautela no uso das lavadoras em público prejudica o negócio da Kärcher, por outro, a demanda por equipamentos que auxiliem nas tarefas domésticas está impulsionando a venda de lavadoras a vapor, aspiradores de pó e água, limpadores de janela e similares.
“Os consumidores não querem mais só panos e flanelas”, afirma Heitor Mazziero, diretor setorial de equipamentos da Abralimp. Isso significa que, para não se ver em um aguaceiro, a Kärcher terá de mergulhar de cabeça nessa onda de automação da limpeza doméstica. Nesse sentido, ela já tem feito a lição de casa. Entre os produtos lançados recentemente estão um rodo de janela que não deixa respingos, um aspirador que purifica o ar, além de acessórios para lavadoras de alta pressão, que podem amenizar a imagem trazida pelo uso da mangueira, como uma escova rotativa para limpar pisos. Afinal, não dá para fazer chover.