Na noite da quarta-feira 18, ao anunciar a redução da taxa Selic para 9% ao ano, o Banco Central livrou o Brasil de um indesejado galardão: o País deixou de ter a mais alta taxa de juros do mundo. Não que a posição de segundo lugar, atrás da Rússia, seja suficiente para barrar a enxurrada de dólares que ainda busca a boa remuneração dos títulos públicos brasileiros. Mas o Comitê de Política Monetária (Copom), liderado pelo presidente do BC, Alexandre Tombini, conseguiu um feito digno de comemoração: descontada a inflação esperada para os próximos 12 meses, a taxa real paga pelo governo caiu para 3% ao ano, como mostra o quadro ao final da reportagem. Nunca antes, desde o início do Plano Real, o País teve uma taxa de juros tão baixa.

 

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A novidade vem em boa hora. A redução dos juros é fundamental para aquecer a economia, que não tem apresentado uma reação expressiva aos incentivos localizados. A boa notícia é que a inflação já não preocupa tanto. O IPCA, índice monitorado pelo Banco Central, acumula alta de 5,24% em 12 meses até março, mais próximo do centro da meta, de 4,5%. Mas se o juro básico é o menor em décadas, as taxas cobradas pelos bancos ainda caem num ritmo lento demais. Depois da tentativa mal-sucedida de jogar para as costas do governo toda a responsabilidade pelo spread – de 28,4%, os bancos privados cederam à pressão e começaram a se movimentar, mesmo que de forma relutante. Mostraram que a presidenta Dilma Rousseff tinha razão em dizer que os juros dos bancos privados são “inadmissíveis”. 

 

Antes mesmo da redução da Selic, os dois maiores bancos privados do País, o Itaú Unibanco e o Bradesco, anunciaram reduções nas taxas para seus clientes. Antecipando-se a eles, dois bancos estrangeiros, o britânico HSBC e o espanhol Santander, haviam sido os primeiros a seguir as pegadas do Banco do Brasil e da Caixa, cortando o custo de algumas linhas. O Santander mudou suas taxas na terça-feira 17, um dia antes da reunião do Copom. “Já vínhamos trabalhando com novos produtos, e coincidiu com a redução da Selic”, diz o vice-presidente comercial do Santander, Pedro Coutinho. Mas ele não se compromete ainda com mais reduções a partir de agora. “O próprio cliente vai ditando o ritmo, afirma Coutinho. “Não é só o preço, é preciso comparar também o serviço.” 

 

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O governo ataca: só depois de muita pressão

os maiores bancos se mexeram.

 

A reação dos bancos privados foi um primeiro passo, ainda que tímido, no caminho desejado pela presidenta Dilma, pela equipe econômica e por quem produz e consome no País. Claramente, houve influência dos bons resultados obtidos pelos bancos públicos após a iniciativa de redução de custos, na primeira semana de abril. No Banco do Brasil, a concessão de crédito saltou 45% nos primeiros cinco dias de vigência das novas taxas, com a liberação de R$ 1,3 bilhão. A linha para crédito ao consumidor triplicou. “O resultado foi excelente”, afirma o vice-presidente de Varejo do BB, Alexandre Abreu. O banco aprofundou o movimento logo após a decisão do Copom, na quinta-feira 19. A taxa do crédito consignado para aposentados, que havia sido reduzida para 0,85%, caiu para 0,79% ao mês. A taxa mínima de desconto de títulos caiu de 1,26% para 1,04%. A Caixa também comemora crescimento de 17% do volume de crédito para pessoas físicas e 9% para empresas nos primeiros dias após o anúncio das novas taxas. 

 

“Cortamos a nossa margem líquida e dividimos o lucro com o cliente”, afirma o vice-presidente de pessoas físicas e serviços bancários da Caixa, Fábio Lenza. O movimento é positivo, mas o caminho a percorrer até que as empresas e os consumidores brasileiros tenham acesso a juros civilizados é longo . “Ainda há muito espaço para cortar”, diz o assessor econômico da Serasa Experian, Carlos Henrique de Almeida. “As taxas ainda são muito altas.” O problema são as dívidas em atraso dos consumidores, que tiveram um repique no mês passado. A Serasa constatou uma alta de 4,9% na inadimplência em março, em relação ao mês anterior. Dados do B C já haviam mostrado em fevereiro que o índice de dívidas em atraso chegou a 7,6% para pessoa física (bem acima dos 5,8% de fevereiro do ano passado) e 5,8% para empresas (ante 4,7%).  

 

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Roberto Setubal: aquecimento da economia no segundo semestre permite reduzir taxas.

 

Mesmo assim, os bancos privados preferiram seguir a manada e o exemplo dos concorrentes.“Com a redução dos spreads, damos mais uma contribuição para o processo de transformação e desenvolvimento nacional”, afirmou o presidente do Itaú Unibanco, Roberto Setubal. A redução de juros foi possível, segundo ele, em função da perspectiva de aquecimento da economia no segundo semestre, e com o uso de sistemas que precificam melhor o risco de crédito de cada cliente. É fato, entretanto, que os bancos estão reduzindo taxas nas linhas em que têm mais garantias, como o empréstimo consignado, que é descontado em folha de pagamento, além do financiamento de veículos, cheque especial e crédito rotativo do cartão de crédito apenas de clientes que recebem os salários pelo banco. 

 

A dúvida agora é se o equilíbrio entre inflação e crescimento econômico dará condições ao BC para continuar cortando os juros básicos. O Índice Mensal de Atividade do BC, o IBC-Br, recuou 0,23% em fevereiro em relação ao mês anterior. Nos últimos 12 meses, o indicador subiu apenas 2%. Mas os analistas acreditam em aceleração do crescimento no segundo semestre, quando a redução de impostos, com a desoneração da folha promovida pelo plano Brasil Maior, e o estímulo ao crédito, com os juros baixos, começarem a produzir efeito. O economista Homero Guizzo, da LCA Consultores, acredita que pela trajetória da inflação há espaço para novas reduções. “Mas acho que o BC vai esperar o resultado das medidas já anunciadas e tentar atacar a queda da demanda com outros instrumentos”, diz Guizzo. 

 

O economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros, concorda com seu colega da LCA. Para Barros, a Selic pode cair para 8,5%, inaugurando um novo patamar mínimo, que se manteria até o fim do ano. O varejo está ansioso para receber esse estímulo e alavancar suas vendas. “Se o custo do dinheiro é mais baixo para o varejista, sem dúvida ele vai repassar imediatamente para a ponta, reduzindo juros aos clientes”, afirmou o presidente da Confederação Nacional dos Diretores Lojistas (CNDL), Roque Pellizzaro Júnior. O Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), entidade que reúne 35 grandes grupos do comércio, como Pão de Açúcar, Lojas Renner, Magazine Luiza e Walmart, quer mais. “As empresas precisam captar recursos mais baratos”, diz o presidente do IDV, Fernando de Castro. A redução do juro real ao menor nível da história é um grande avanço. Agora, ele precisa chegar à economia real.

 

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Colaborou: Cristiano Zaia