Foi como a queda do muro de Berlim – só que em Brasília. Ao reduzir a taxa básica de juros (Selic) para 8,5% ao ano, na quarta-feira 30, o Banco Central derrubou o custo do dinheiro no Brasil ao patamar mais baixo da história. Foi uma vitória pessoal da presidenta Dilma Rousseff, que encontrou no presidente do BC, Alexandre Tombini, o aliado ideal na cruzada contra os juros altos, uma das maiores barreiras ao crescimento do País nos últimos 30 anos. Essa guerra continua – na ponta final do crédito aos consumidores e às empresas, as taxas ainda são muito elevadas –, mas desde já os brasileiros podem celebrar as novas perspectivas. Trata-se da sétima queda da Selic desde agosto do ano passado, e já traz resultados concretos para o mundo dos negócios. 

 

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“Quando o custo do dinheiro cai, nossa curva de investimento cresce”, diz Eduardo Parente, presidente da empresa de logística MRS. A prova: a empresa acaba de captar R$ 1,58 bilhão com a emissão de debêntures, títulos de dívida que pagam juros a investidores. Os recursos, que serão utilizados para ampliar a capacidade de transporte da companhia, foram captados entre os bancos brasileiros e não junto ao BNDES, a quem normalmente a MRS recorre para obter dinheiro a taxas subsidiadas. “Juros menores fazem uma estúpida diferença.” As dezenas de anúncios de investimento, feitas durante os dias 22 e 26 de maio por empresas de diversos setores, revelam que Parente não está sozinho. 

 

De acordo com o relatório do departamento de estudos econômicos do Bradesco, companhias como Sony, GE, Oi e Vivo fazem planos de expansão no País que somam, pelo menos, R$ 60 bilhões para o período de 2012 a 2016 (veja quadro na ao final da reportagem). Isso sem contar os negócios de fusões e aquisições anunciados na semana passada (leia reportagem de capa aqui). Como sempre, o imenso mercado consumidor, turbinado pelo aumento da renda, é o fator que justifica as decisões tomadas. A queda de juro torna-se uma nova e poderosa variável nessa avaliação. Durante décadas, os empresários bateram na tecla dos juros altos para justificar a perda de competitividade, a falta de investimentos e até demissões. 

 

Agora, aproveitando a conjuntura internacional e alguns ajustes fundamentais, como a nova regra da poupança, o cenário fica mais convidativo. Alguns analistas enfatizam que a economia brasileira já iniciou uma nova arrancada, cujos efeitos serão sentidos a partir do próximo mês. No primeiro trimestre do ano, o crescimento foi magro: 0,8%, em relação ao mesmo período de 2012, segundo divulgou o IBGE na sexta-feira 1º. Melhor olhar para a frente. “O Brasil vai voltar a crescer relativamente rápido no segundo semestre e no ano que vem”, diz Bernardo Wjuniski, da consultoria americana Medley Global Advisors. “O empresário que se preparar bem pode ter uma boa oportunidade.” 

 

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Besaliel Botelho, presidente da Bosch: “Os investimentos estão mantidos,

pois o foco é o longo prazo”.

 

O ministro Guido Mantega garantiu, na sexta-feira 1o, que essa virada já está em curso. “As vendas de veículos, por exemplo, cresceram 12,08% em maio, sobre abril”, garantiu. Chamou a atenção, em meio a números negativos como a produção industrial (queda de 2,8% até abril), o fato de que a manufatura de bens de capital cresceu em abril pelo terceiro mês, depois de um tombo de 16% no mês de janeiro. “Após um início de ano com voo de galinha, estamos confiantes numa reação no segundo semestre”, disse à DINHEIRO Besaliel Botelho, presidente da Bosch na América Latina. “Os investimentos estão mantidos, pois o foco é o longo prazo.” 

 

Se os juros deixam de ser um bode na sala, o aperfeiçoamento do sistema tributário é outro abacaxi que pode começar a ser descascado. Depois de extinguir a guerra dos portos com a unificação das alíquotas interestaduais, novas medidas começam a ser costuradas. É o caso da proposta de unificação dos impostos PIS e Cofins, que incidem sobre o faturamento. “Não faz sentido ter dois impostos, pois a base de cálculo é a mesma”, diz Paulo Francini, economista da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Segundo Nelson Barbosa, secretário-executivo do Ministério da Fazenda, o assunto está no radar, embora seja espinhoso. 

 

“É um processo complexo e demorado, porque implica a revisão de regimes especiais em vigor para setores diferentes”, disse Barbosa, na quarta-feira 30. Os empresários, entretanto, não escondem o receio de que a união dos dois tributos tenha um efeito colateral indesejado: o aumento da carga, com um porcentual maior do que se os dois impostos estivessem separados. “No passado, essas alterações tributárias acabaram embutindo aumento”, afirma Francini. Mas o governo garante que não há chances de que isso ocorra. “A Dilma não vai aumentar a carga tributária”, diz o industrial Jorge Gerdau, que tem atuado em Brasília para melhorar a eficiência do setor público (veja entrevista aqui). 

 

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Eduardo Parente, presidente da MRS: “quando o custo do dinheiro cai,

nossa curva de investimento cresce”.

 

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já sinalizou novas desonerações para setores como o de saneamento básico, que podem deixar de recolher PIS e Cofins, equivalentes a 9,5% do faturamento. “Isso acelera investimentos”, diz Giuliano Dragone, presidente do Sindicato das Concessionárias Privadas de Água e Esgoto (Sindcon). Dar condições ao setor privado de aumentar investimentos torna-se mais necessário à medida que o próprio governo sofre as consequências da desaceleração econômica com queda no ritmo de arrecadação.Ainda assim, há espaço para o Executivo conceder incentivos para movimentar a economia, seja pelo consumo, seja pelo investimento. Isso porque o governo conseguiu, no primeiro quadrimestre, atingir 47% da meta do superávit primário – a economia feita para pagamento de juros –, estipulada em R$ 139,8 bilhões. 

 

“Podemos fazer política de incentivo à economia e manter o (superávit) primário”, disse o secretário do Tesouro, Arno Augustin, na quarta-feira 30. Um ambiente mais equilibrado é fundamental para que o Brasil avance. É uma demanda urgente, como mostra a edição de 2012 do Índice de Competi­tividade Mundial, divulgada pelo International Institute for Management Development (IMD), da Suíça, na quinta-feira 31. O estudo mostra que o Brasil caiu mais uma vez de posição, ficando em 46º lugar dentre 59 países analisados (em 2010, o país era o 38º colocado). Além de problemas na infraestrutura, o País é reprovado pelo IMD em itens como produtividade, marco regulatório e educação. Depois dos juros estratosféricos, eis os próximos muros que precisam ser derrubados pelo governo no médio prazo. 

 

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