26/02/2016 - 20:00
Não é segredo para ninguém que Patinhas é o personagem mais rico do universo da ficção, com uma fortuna estimada em US$ 65 bilhões, assim como João Santana é o marqueteiro mais endinheirado da política brasileira. A semelhança entre eles vai além. Na adolescência, Santana era chamado de Patinhas. Nascido no sertão de Canudos, a cerca de 250 quilômetros de Salvador, mudou-se para a cidade grande para estudar. O apelido pegou quando ele assumiu a tesouraria do grêmio estudantil do colégio Marista Vieira, na capital da Bahia.
Assim como o pato pão-duro, Santana cuidava com extremo zelo do caixa da organização dos alunos. O Patinhas original, como mostra a história criada por Walt Disney, formou sua riqueza ao dizimar uma aldeia africana, com a colaboração de um exército de “cortadores de garganta”, para explorar jazidas de diamante. Já o patrimônio do Patinhas brasileiro vem de seu trabalho como marqueteiro do Partido dos Trabalhadores (PT) e de eleições de caudilhos e ditadores na América Latina e na África.
Entre 2002 e 2014, o PT pagou R$ 229 milhões pelas ideias de Santana, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele justifica o alto valor cobrado com os resultados alcançados. Dos 10 candidatos petistas orientados por ele, quatro não se elegeram: Vander Loubet e Gilberto Maggioni, em 2004, para as prefeituras de Campo Grande (MS) e Ribeirão Preto (SP), respectivamente; e Marta Suplicy e Gleisi Hoffmann para os mesmos cargos em São Paulo e Curitiba, respectivamente, em 2008.
Suas principais vitórias aconteceram nas três últimas eleições presidenciais. Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, e Dilma Rousseff, em 2010 e em 2014. Os triunfos e a estratégia de Santana chamaram a atenção de controversos nomes da política latino-americana. Em 2011, transformou a figura de nacionalista militar do peruano Ollanta Humana em um moderado homem de negócios. O venezuelano Hugo Chávez conseguiu se reeleger pela quarta vez, em 2012, com um maciço uso de recursos públicos e o monopólio dos meios de comunicação estatais.
No mesmo ano, foi até a África para garantir a permanência do ditador angolano José Eduardo dos Santos, desde 1979 na presidência do país. Essa campanha teria rendido a Santana US$ 65 milhões. “Nós ajudamos pessoas a gostarem de políticos sem remorsos”, disse ele em entrevista ao The New York Times. Na semana passada, João Santana teve de abandonar o comando da campanha para reeleger o presidente da República Dominicana, Danilo Medina, e retornar ao Brasil para se apresentar à Polícia Federal (PF). Ele era o principal alvo da Operação Acarajé, a 23ª fase da Lava Jato.
As investigações encontraram pagamentos feitos com dinheiro desviado da Petrobras ao marqueteiro, na offshore Shellbill Finance. Ele e a esposa, Mônica Moura, sua sócia na empresa de marketing político, assumiram que a conta foi omitida da Receita Federal e usada para receber US$ 7,5 milhões (cerca de R$ 30 milhões) no exterior. A PF ligou ao negócio pagamentos realizados pela Odebrecht (US$ 3 milhões), através da offshore Klienfeld, e pelo lobista Zwi Skornicki (US$ 4,5 milhões), apontado como um dos operadores da propina do Petrolão. Eles estão presos em Curitiba. Os investigadores da PF encontraram um bilhete, escrito de próprio punho, de Mônica para Skornicki com orientações de como enviar o pagamento para o exterior.
“Apaguei, por motivos óbvios, o nome da empresa. Não tenho a cópia eletrônica, por segurança”, escreveu a sétima esposa de Santana, que antes de se unir à Mônica, em 2001, era chamado por amigos próximos de João VI. A defesa do casal afirma que “eles são empresários de renome do marketing político brasileiro e internacional, e, se cometeram algum pecado, foi o de receber recursos lícitos, fruto de trabalho honesto, em conta não declarada no exterior, crime que, nem mesmo neste egrégio Juízo, costuma sujeitar o réu ao cumprimento de prisão antecipada”, afirma o advogado Fábio Tofic, em petição protocolada pedindo a revogação da prisão temporária deles.
A Receita Federal questiona a evolução patrimonial do Patinhas brasileiro, que aumentou de R$ 600 mil, em 2004, para R$ 40,3 milhões, em 2013. O problema foi identificado na multiplicação ocorrida a partir de 2010. Segundo relatório da Receita, há incompatibilidades e divergências nas declarações de renda do marqueteiro e o crescimento dos bens não tem valores correspondentes nas contas bancárias. Em 2012, por exemplo, Santana não apresentou nenhuma movimentação financeira, mas declarou rendimentos de R$ 7,8 milhões.
No ano seguinte, Patinhas afirma ter recebido R$ 35,4 milhões em lucros e dividendos de sua empresa, que não declarou nenhum pagamento aos sócios. O Fisco questiona, também, o veículo Range Rover, no valor de R$ 365 mil, declarado por Mônica. O pagamento à vista não corresponde com os registros de saída de suas contas bancárias. O veículo foi adquirido na concessionária paulista Autostar, a mesma que vendeu o utilitário para o lobista Fernando Baiano presentear o ex-diretor da área internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, e para o doleiro Alberto Yousseff agraciar o ex-diretor de abastecimento da empresa, Paulo Roberto Costa.
Nas três vendas, as notas fiscais mostram que os carros foram adquiridos com dinheiro em espécie. O juiz federal Sérgio Moro ordenou o bloqueio de R$ 100 milhões de Santana e de sua mulher e das duas empresas do casal, a Santana & Associados Marketing e Propaganda e a Pólis Propaganda & Marketing. Transitando com frequência entre a publicidade e o jornalismo, Santana decidiu pelo marketing político após ter contribuído com o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello.
Chefe da sucursal da revista ISTOÉ, em Brasília, ele assinou, em 1992, com Mino Pedrosa e Augusto Fonseca a reportagem de capa “Eriberto, testemunha-chave”, na qual o motorista descreve todo o esquema de corrupção que envolvia o governo. Deixou o jornalismo no ano seguinte para se unir ao publicitário Duda Mendonça. A parceria entre eles terminou em 2001, em meio à campanha de Lula à presidência. Santana se encasquetou com a pavonice de Duda e deixou a sociedade. Naquele momento, ele tinha 9% da agência de publicidade.
Duda tentou de tudo para Patinhas mudar de ideia: ofereceu mais 11% e disse que bonificaria com US$ 10 mil quem o convencesse a voltar ao negócio. Com o apoio de Mônica, criou a Pólis e arrebanhou parte dos clientes do antigo sócio, que assumiu à CPI dos Correios, em 2005, na investigação sobre o Mensalão, que recebeu R$ 10,5 milhões, proveniente de caixa 2 como parte do pagamento pela campanha do PT numa conta do exterior. João Santana não se importa de eleger políticos horríveis e inescrupulosos. Seu objetivo é a vitória.
Seus concorrentes dizem que ele é capaz de mapear a fraqueza dos adversários com muita precisão. Para isso, Santana acredita que os meios justificam os fins. “João Santana é muito competente, isso é um fato”, diz um consultor que já o enfrentou em diversas eleições, mas pediu anonimato. “Mas ele exagera muito na dose.” Em 2005, foi chamado às pressas para reanimar o então presidente Lula, abatido pela crise política e pelo Mensalão. Santana propôs incluir as conquistas sociais em campanhas políticas regionais e reforçar os ideais de privatização do governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB).
A estratégia fez com que o tucano tivesse menos votos no segundo turno, 37,5 milhões ante 39,9 milhões no primeiro turno. “Todos os consultores políticos querem vencer as eleições, independentemente dos custos”, diz Taylor Boas, cientista político da Universidade de Boston especialista em campanhas eleitorais na América Latina, à DINHEIRO. “Por isso, João Santana não é fundamentalmente diferente dos outros, como Duda Mendonça.” A reeleição de Dilma Rousseff mostrou como João Santana consegue montar campanhas falaciosas, com distorção dos fatos e ataques aos adversários.
As frases criadas por ele e repetidas por Dilma não condiziam com a realidade do Brasil e provocaram um custo enorme para o País, que enfrenta a pior recessão econômica de sua história e uma grave crise política. Na campanha, por exemplo, ela negou qualquer intenção de aumentar os juros e acusou os adversários de serem amigos dos bancos. Três dias após a eleição, o Comitê de Política Monetária (Copom) subiu a taxa Selic. O Patinhas criou o boneco “Pessimildo”, um cidadão ranzinza que reclamava de tudo e, se algo estava bom, pioraria, para atacar Aécio Neves (PSDB).
O cineasta Fernando Meirelles, que trabalhava com Marina Silva (PSB/Rede), comparou Santana ao ministro da propaganda de Adolf Hitler, Joseph Goebbels, para quem uma mentira repetida mil vezes se tornava verdade. Para anular o processo por danos morais movido pelo marqueteiro de Dilma, Meirelles teve de se retratar na Justiça garantindo que “não teve a intenção de associá-lo ao nazismo”. DINHEIRO conversou com integrantes das equipes que trabalharam nas campanhas de Aécio e Marina. Ambos concordam que Patinhas jogou sujo. Cada lado enumera alguns fatos daquele processo eleitoral.
Os aecistas destacam as intervenções do marqueteiro nos intervalos dos debates. As orientações de Santana eram comparadas às de técnicos no corner dos ringues de boxe, sempre cobrando mais agressividade e combatividade. Os assistentes de Marina enfatizam os carros de som espalhados pelas cidades do Nordeste, ainda no primeiro turno. Para desconstruir a imagem da candidata, diziam que ela era ligada a banqueiros, acabaria com o Bolsa Família e tiraria a comida do prato dos brasileiros. A campanha era reforçada na tevê. “O mais grave era a estrutura e o investimento para propagar as mentiras”, diz uma fonte.
MARKETING POLÍTICO O trabalho de João Santana na última eleição esquentou o debate sobre o papel dos marqueteiros, que esvaziaram as propostas dos programas eleitorais. Assim como as empresas passaram a influenciar decisivamente nos resultados, atrelando candidatos aos seus interesses. Esses fatores, somado às denúncias da Lava Jato, fizeram os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) julgarem as doações para campanhas realizadas por pessoas jurídicas como inconstitucionais.
As novas regras passam a valer nas eleições municipais deste ano. “No Brasil, a população não tem o costume de doar dinheiro para campanhas políticas, por isso essas regras precisam mudar”, diz Leandro Grôppo, sócio-diretor da consultoria Strattegy, que fechou contrato com dez aspirantes a cargos públicos em 2016. Há, claro, mais críticas do que elogios ao novo sistema de financiamento de campanha. DINHEIRO apurou com cinco empresas especializadas em marketing político e descobriu que o custo dos contratos foi reduzido em 40%, inclusive com renegociações de antigos acordos.
O publicitário que coordenou a campanha de Aécio em 2014, por exemplo, acredita que as ilegalidades podem aumentar. “Sempre que se proíbe algo, como drogas e bebidas, o efeito é contrário”, afirma Paulo Vasconcelos. “Creio que o novo modelo vai aumentar, e muito, os casos de caixa 2.” Para baratear o custo das campanhas, o Congresso Nacional aprovou outras mudanças para as eleições, com aplicação imediata no pleito deste ano. A duração das propagandas foi reduzida de 90 dias para 45 dias, assim como o tempo de exposição na televisão caiu de 45 dias para 35 dias.
“Estamos entrando em uma nova era do marketing político”, diz José Luiz Meinberg, professor da Fundação Getúlio Vargas. “Vamos sair de um modelo baseado no dinheiro e na construção de candidatos para outro que dará mais valor às estratégias.” Com menos tempo de exposição e fonte de receitas reduzidas, as mídias sociais passaram a ser a plataforma de comunicação queridinha dos marqueteiros. Mais baratas do que os meios tradicionais, como televisão e rádio, e com interação instantânea, os profissionais apostam na viralização por parte das militâncias dos candidatos.
“Os grupos de Whatsapp têm um potencial destrutivo muito grande, pois quem participa de um vai mandar para os outros”, afirma o publicitário Carlos Rayel, ex-secretário da comunicação de São Paulo e do Mato Grosso, que trabalha com marketing político há 30 anos. Mas não é possível fazer uma campanha propositiva? “Você já viu alguém compartilhando com conhecidos algo positivo sobre política?”, responde Rayel. Desde a volta das eleições diretas no Brasil, em 1989, os marqueteiros políticos, alcunha que a maioria deles reprova, tiveram papel fundamental nas eleições. O paranaense Chico Santa Rita foi o responsável pela eleição de Fernando Collor e pelo fatídico caso de Miriam Cordeiro, a ex-namorada de Lula que o acusava de ter pedido para ela abortar uma gravidez indesejada.
“A vida de um homem público é pública”, diz ele. “E até agora ninguém desmentiu aquela informação.” Santa Rita iniciou uma prática que foi se aperfeiçoando, sem encontrar limites. “O problema é a importância que os marqueteiros passaram a ter dentro dos governos”, diz Emmanuel Publio Dias, professor da ESPM-SP e que já coordenou campanhas de políticos como Jorge Bornhausen (PSD). “O marketing é um instrumento para se fazer política, mas ele acabou se tornando a política.” O Patinhas brasileiro está aí para provar que essa tese, infelizmente, virou realidade.