“Vocês já foram mais legais comigo”, brincou Jeff Bezos no começo deste mês, durante palestra em um evento do site nova-iorquino Business Insider. Acostumado a ser tratado como um gênio e a ter seus feitos contados em prosa e verso, o fundador da Amazon passou duas horas de apresentação tentando convencer o público de que a “Amazon, vai bem, obrigado”, a despeito do prejuízo de US$ 473 milhões registrado no terceiro trimestre de 2014, o maior dos últimos 14 anos, e ver algumas de suas principais apostas falharem. “Nascemos para experimentar, já causei bilhões de dólares de prejuízo e vou continuar causando”, disse o lendário CEO da maior loja virtual do planeta.

“Meus sucessos compensam meus erros.” Perder dinheiro ou divulgar lucros irrisórios sempre foi uma característica da Amazon e uma estratégia de Bezos para expandi-la. Crescer, crescer e crescer a qualquer custo sempre foi o verbo mais conjugado na empresa, que gosta de ser conhecida como “implacável”, pela sua agressividade na negociação com os fornecedores. Mas os investidores começam a dar sinais de que estão perdendo a paciência com o estilo de gestão de Bezos, que colecionou, além das perdas, alguns fracassos nos últimos tempos.

O smartphone Fire Phone e o dispositivo de streaming de conteúdo para televisores Fire TV, ambos lançados neste ano, não decolaram, conforme admitiu o próprio Bezos, no evento da Business Insider. Mas nada foi mais incômodo para Bezos do que o surgimento de um concorrente formidável, o chinês Alibaba, do empresário Jack Ma, que fez uma histórica abertura de capital na Bolsa de Nova York, quando captou US$ 25 bilhões, em setembro deste ano. “Com o estrondoso IPO e a solidez de seus resultados, o Alibaba acabou chamando a atenção para a Amazon”, afirma Rob Enderle, analista-chefe da consultoria americana Enderle.

“Vimos muitas comparações dos resultados das duas empresas.” Bezos diz não estar preocupado com seus números de balanço no vermelho. Segundo ele, muitos de seus negócios dão resultados positivos. A questão é que esse dinheiro é redirecionado para buscar “oportunidades”, como Bezos gosta de se referir a seus novos negócios. “Hoje, muito do meu trabalho na Amazon é convencer as pessoas a continuar apostando”, disse ele. “Não deixo que ninguém tenha medo de falhar.” Bezos, evidentemente, está atento às tendências do mercado. Se investe em negócios inovadores, que sugam o caixa da empresa-mãe e trazem pouco retorno imediato, o empresário não subestima a importância das operações lucrativas.

É o caso da área de marketplace. Atualmente, 40% dos produtos comercializados na Amazon são de terceiros, em modelo similar ao da Alibaba e copiado, embora não exclusivamente, por varejistas virtuais brasileiros, como a Netshoes e a B2W. “O formato de martketplace é muito popular na Ásia, onde representa 90% das vendas”, afirma Leandro Soares, diretor de marketplace do MercadoLivre. “No Brasil e nos Estados Unidos, esse número está ganhando corpo.” É verdade que a Amazon, hoje, é muito mais do que uma loja de comércio eletrônico. A empresa atua em computação na nuvem, smartphones, tablets, conteúdo na rede, streaming em televisores e em muitas outras áreas. “A Amazon é uma empresa inovadora”, afirma Ricardo Michelazzo, CEO da consultoria GS&ECOMM.

“Ela faz avanços necessários que pedem coragem, um pouco do que falta para as nossas empresas.” Bezos concorda. Ainda em sua palestra, ele disse que algumas companhias, como a sua, escolhem ser ousadas como um show de rock, outras mais regradas como uma apresentação de balé. Com os resultados negativos, rumores do mercado chegaram até a apontar para sua substituição. Bezos confirmou que existe um plano de sucessão para seu posto. O executivo até já estaria escolhido. Contudo, caso esse virtual sucessor queira ousar menos e buscar mais resultados, o atual CEO da Amazon faz um alerta: “Transformar um show de rock em uma apresentação de balé não é missão fácil”, afirma.