16/12/2016 - 20:00
Apesar do aspecto de senhorinha que passa as tardes fazendo bolos para os netos, a economista Janet Yellen, presidente do Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano) tem tudo para tornar-se o pior pesadelo de Donald Trump, o presidente eleito dos Estados Unidos. Na reunião da quarta-feira 14, o Federal Open Market Commitee (Fomc), equivalente ao Copom, anunciou algo que todo o mercado vinha esperando, uma elevação dos juros referenciais dos Estados Unidos.
Por unanimidade, o Fomc decidiu que os “Fed funds”, a taxa Selic dos gringos, subirá do intervalo de 0,25% a 0,5% por ano para 0,5% a 0,75% ao ano. Apesar de antecipada, a decisão causou solavancos no mercado. O índice de ações S&P 500 encerrou o pregão em queda de 0,8% e os juros dos títulos de dez anos do governo americano estavam sendo negociados a 2,60% ao ano. No Brasil, o Índice Bovespa fechou em queda de 1,8% e o dólar comercial encerrou os negócios perto da máxima do dia, a R$ 3,3455, alta de 0,55% ante a véspera.
O que provocou essa oscilação foi o fato de Yellen, na linguagem sutil dos banqueiros centrais, ter mandado dois recados duros e anormalmente claros para Trump. O primeiro foi que, não, o Fomc não confia no próximo presidente. Na entrevista coletiva após a decisão, Yellen não deixou dúvidas ao responder sobre quais seus prognósticos para o novo governo. “Eu resumiria dizendo que todos os participantes do Fomc reconhecem que há uma incerteza considerável sobre como as políticas econômicas podem mudar, e qual será o efeito dessas mudanças sobre a economia.”
Na prática, Yellen já advertiu que os juros por lá podem subir acima do esperado. Em vez das duas elevações já previstas para 2017, as taxas podem subir três vezes, encerrando 2017 entre 1,5% e 2%. O segundo recado acerta em cheio as promessas de campanha de Trump, que garantiu sua eleição ao conquistar os votos do eleitorado de baixa renda, o mais afetado pelo desemprego. Trump prometeu baixar impostos para criar empregos. Ao ser questionada sobre os prognósticos para a economia, Yellen não fez rodeios para dizer que discorda.
“Pode haver alguma folga adicional no mercado de trabalho, mas essa folga vem diminuindo”, disse ela. “Eu diria que a política fiscal não é obviamente necessária para estimular nossa volta ao pleno emprego.” Como Yellen tem mais dois anos de mandato, e sua primeira declaração após a confirmação da vitória de Trump foi que vai exercer seu mandato até o fim, há poucas dúvidas de que ela vá cumprir o que prometeu. Para entender a relevância dessa declaração, é preciso recordar uma diferença básica entre o Fed e o BC brasileiro.
Aqui, Ilan Goldfajn e seus diretores têm, além da supervisão bancária, uma única tarefa, que é a de fazer a inflação convergir para a meta. Nos Estados Unidos, o Fed tem dois trabalhos. Além de manter a inflação estável, está no mandato do Fed que o desemprego permaneça no menor nível possível, desde que não eleve a inflação. Assim, faz parte da agenda de Yellen usar a política monetária não só para baixar os preços, mas também para estimular a economia.
Uma declaração desse tipo equivale a dizer que a principal promessa de Trump, de fazer a economia americana crescer e gerar empregos por meio da redução de impostos, é desnecessária nesse momento. Yellen, claro, foi cautelosa. “Não vou oferecer ao futuro presidente nenhum conselho sobre como se comportar na política, mas acredito profundamente na independência do Fed”, disse. Tradução: Trump, baixa esse topete. Os mercados, claro, não gostaram da indefinição, pois Trump poderá ter de mudar de tom uma vez que se acomode no Salão Oval da Casa Branca.
“Não seria surpreendente se ele inaugurasse seu mandato de forma bem mais cuidadosa do que o mercado espera, uma vez que o Fed mostrou os dentes”, avalia André Leite, economista da Tag Investimentos, em relatório a que DINHEIRO teve acesso. Por aqui, as consequências serão ruins. Segundo Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da Nova Futura Corretora, os prognósticos de elevação dos juros nos Estados Unidos poderão drenar capital dos mercados emergentes. Na prática, o real poderá perder valor diante da moeda americana, encarecendo as importações e elevando os preços, o que tornaria mais difícil a queda acentuada dos juros.