Na metáfora do futebol em época de Copa do Mundo, o ano de 2022 está nos minutos finais do segundo tempo da prorrogação e até o fechamento dessa edição, nenhuma oferta pública inicial de ações (IPO) havia sido registrada na B3 em 2022. Ou seja, os IPOs estão passando em branco, nenhum golzinho em 120 minutos de partida de um ano para ser esquecido na renda variável. Em contrapartida, instrumentos de renda fixa e híbridos ganharam de goleada com mais de R$ 400 bilhões em emissões de títulos de dívida privada segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Para Guilherme Maranhão, vice-presidente do Fórum de Estruturação de Mercado de Capitais da Anbima, o cenário mudou completamente de um ano para outro. “O ano de 2021 havia sido muito forte em IPOs e follow-ons (ofertas de aumento de capital em ações), quando os juros estavam em 2% ao ano”, disse.

O último IPO ocorreu há um ano, o do Nubank, sendo datado na B3 em 9 de dezembro de 2021 e registrado na Anbima como concluído em 6 de janeiro de 2022. “Com a alta da Selic para dois dígitos, o ambiente mudou e tivemos um ano muito forte para ofertas de renda fixa e híbridos (FIIs, Fiagro, Fidcs)”, afirmou. De acordo com os dados da associação, o volume total em captações no mercado de capitais alcançou R$ 444 bilhões até outubro, sendo R$ 52 bilhões (12%) em 15 ofertas de aumento de capital, e boa parte delas concentrada na operação da Eletrobras (R$ 28 bilhões). “Com a taxa de juros muito alta e incertezas, houve saída dos multimercados da renda variável para a renda fixa. Em ações, os investidores institucionais preferiram empresas mais consolidadas em follow-ons e um risco muito menor”, disse.

Nos meses de novembro e dezembro, Maranhão observou uma velocidade menor de ofertas no mercado de capitais. “Há uma perda de ritmo nesse final de ano, mas ainda com muitas operações, principalmente de debêntures e notas comerciais”, afirmou. Sobre o horizonte para 2023, ele está confiante no reaparecimento de ofertas de ações. “O cenário sugere uma volta. Há uma recuperação considerável para acontecer na renda variável no próximo ano”, disse.

A visão de que os IPOs podem reaparecer em 2023 é compartilhada pelo diretor de Investment Banking do Santander Brasil, Gustavo Miranda. Para ele, entre os investidores estrangeiros há uma demanda reprimida por follow-ons. “Se o mundo ajudar, grandes companhias dos setores de energia, saneamento e farmacêutica no Brasil podem aumentar seu capital no segundo trimestre de 2023’, afirmou. “Já as empresas de crescimento [companhias que buscaram capital para crescer] vão ter um pouco mais dificuldades para IPOs.” Miranda explicou que essas companhias não tiveram problemas para captar em 2021, quando os juros estavam em 2% ao ano. “Da demanda, 77% veio de fundos locais que estavam procurando ações.”

Flora Pimentel

“Com a alta da Selic, o ambiente mudou e tivemos um ano de 2022 muito forte para ofertas de renda fixa e híbridos” Guilherme Maranhão VP de Fórum de estruturação de mercado de capitais da Anbima.

Já o cenário para 2023 é bem diferente do ambiente de juros baixos visto em 2020 e 2021. Segundo Miranda, se começa a abrir espaço para os estrangeiros em ofertas de companhias maiores, IPOs de mais de R$ 2 bilhões de empresas geradoras de caixa. “As mais líquidas e de que os gestores (de fundos) gostam”, afirmou. Ele diz que o Santander está preparado para esse cenário. “Estive agora nos Estados Unidos e na Europa, a boa vontade com o Brasil é enorme. Em termos ambientais, é encorajador.” Para ele, o mercado brasileiro com grandes empresas é um dos mais atrativos, mais baratos, com múltiplos abaixo da média histórica. Mas o diretor destacou que o investimento estrangeiro entrará com cautela no País. “Ninguém tem pressa, vão esperar sinais mais claros sobre a economia para fazerem as contas.”

RENDA FIXA No cenário de juros elevados previstos para continuar ao longo do próximo ano, outros representantes do mercado de capitais projetam que as ofertas de renda fixa (debêntures e notas comerciais) e de híbridos (FIIs, Fiagro, Fidcs, etc.) vão continuar em expansão.

Na avaliação de Luis Gustavo Pereira, sócio responsável pela área de Mercado de Capitais da Guide, 2022 foi o ano da renda fixa. “O mercado de recebíveis (CRI e CRA) dobrou de tamanho. No desempenho individual, as notas comerciais se tornaram um benefício para pequenas e médias empresas, com os FIDCs (fundos de direitos creditórios) comprando esses títulos”, disse. Na visão de Marcelo Michalua, CEO da RB Capital, mesmo com as incertezas, a renda fixa continuará em crescimento. “A estratégia mais defensiva em debêntures, CRIs, CRAs e debêntures de infraestrutura faz sentido”, afirmou.