26/09/2014 - 20:00
Nos últimos dez anos, a agropecuária brasileira mudou muito. A alta dos preços das commodities estimulou o plantio em novas áreas, e o crescimento do setor puxou a expansão do PIB. Essa nova realidade seria conhecida em detalhes no próximo ano, com a realização do censo agropecuário, pesquisa de campo feita a cada década pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas os pesquisadores, empresários do setor e o governo terão de esperar mais. O IBGE cancelou a pesquisa, por falta de verbas. O mesmo aconteceu com a contagem populacional, que envolve visitas aos 65,3 milhões de residências e serve de base para a distribuição dos recursos dos fundos de participação dos Estados e dos municípios.
Outra pesquisa, a de orçamento familiar (POF), que dá os parâmetros para a atualização do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e deveria estar em campo neste momento, foi adiada para 2015. São exemplos de como o instituto que sempre foi reconhecido pela excelência de seu trabalho técnico está sendo sucateado pelo governo. Oficialmente, o adiamento das pesquisas deve-se ao contingenciamento do orçamento, definido pelo Ministério do Planejamento. Mas o Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Fundações Públicas Federais de Geografia e Estatística (ASSIBGE) reclama que a direção do IBGE, presidida por Wasmália Bivar, aceita passivamente o corte e vê a instituição perder sua capacidade operacional.
Na sexta-feira 19, o órgão protagonizou um episódio constrangedor ao admitir um erro no dado sobre desigualdade de renda na Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (Pnad). Embora o número novo fosse mais favorável ao governo, ficou a impressão de que indicadores estão sendo divulgados sem a devida checagem técnica. Em abril, o governo teve de voltar na decisão de adiar uma nova pesquisa de desemprego, mais abrangente, que mostrava um índice maior do que o da atual. “A instituição que defendemos e ajudamos a construir não vem operando com a qualidade que lhe é peculiar, porque todas as equipes estão sobrecarregadas”, diz a diretora-executiva do ASSIBGE, Ana Magni.
Dos R$ 776 milhões previstos para pesquisa em 2015, apenas R$ 204 milhões foram liberados. Em nota, o IBGE afirma que o orçamento “preserva o plano de trabalho e infraestrutura necessária com valores que indicam um nível adequado de execução de suas atividades”. O IBGE não é a única instituição de pesquisa em risco. O Ipea, fundado em 1969 pelo economista João Paulo dos Reis Veloso, já foi o principal centro de estudos de conjuntura econômica do País. Isso começou a mudar em 2007, na gestão do petista Marcio Pochmann, professor de economia da Unicamp. O Boletim de Conjuntura foi deixado de lado para dar lugar aos Comunicados da Presidência, documentos que refletiam a visão ideológica do governo.
“A ida do Pochmann fez do Ipea um órgão de ideologia, de propaganda do governo”, diz o economista Claudio Considera, que trabalhou no IBGE e no Ipea e hoje é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas. Em abril, quando o órgão já era comandado pelo economista Marcelo Neri, atualmente ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, foi vítima de um erro que abalou a sua reputação. Uma pesquisa que escandalizou o País ao revelar que 65% concordavam que a roupa da mulher contribuía para a violência sexual estava errada. O número correto era 26%. Um erro simples, mas capaz de mostrar a precariedade a que chegou a instituição.
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Dilma erra nos números
Conhecida por seu apreço a planilhas de cálculo, a presidenta Dilma Rousseff tropeçou nos números na semana passada. Em entrevista ao Bom Dia Brasil, exibida na segunda-feira 22, a jornalista Miriam Leitão questionou Dilma sobre o baixo desempenho da economia brasileira neste ano, que segundo previsões do mercado vai crescer apenas 0,30%, um dos menores índices do mundo. “Nós estamos em uma situação em que o Brasil está na defensiva em relação à crise internacional, protegendo emprego, salário e investimento”, disse a presidenta, sustentando que o fraco desempenho brasileiro deve-se à crise na Europa.
Quando a jornalista lembrou que a Alemanha deve crescer 1,5% neste ano, Dilma contestou, afirmando que o País cresce apenas 0,8%. Na verdade, esta é a expansão no segundo trimestre. A presidenta também escorregou nos números do desemprego. Ela contestou a taxa de 13,7% entre os jovens, citada na entrevista, dizendo que parte deles era de estudantes. O dado estava certo, porque o IBGE só inclui na taxa os que estão procurando emprego.