27/01/2023 - 1:40
Defender o livre mercado e o liberalismo econômico no Brasil é uma luta inglória. Em parte porque todas as mazelas nacionais, a começar pela desigualdade absurda, ou pela quase total falência da educação fundamental pública — com aquelas exceções de sempre —, são creditadas ao mercado. Piora quando o Partido Liberal é dominado por uma politicaiada que ama tudo o que cheira a dinheiro público e Estado farto e desatento. Como suprassumo dessa gente há o fujão do Jair, o maior antiliberal da história. E tudo piora quando caras como do trio 3G (Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto da Veiga Sicupira) se envolvem numa lambança que caberá à Justiça definir o crime que houve e quem o cometeu. Uma tragédia. Tudo isso abre espaço para torcer a discussão e criar um onipresente Reductio ad Hitlerum padrão trópicos: ‘Ah, mas o mercado’, ou ‘ah, o liberalismo’.
Mas mesmo com esse cenário é preciso tocar na ferida. Como a que Lula tenta extirpar nas Forças Armadas. Na economia, seu nome é inflação. Uma perigosa pressão conceitual sob o nome de Modern Monetary Theory (MMT) diz que o incremento do gasto público num país como Brasil não será danoso no médio ou longo prazo. Pelo contrário, provocará crescimento. O problema é sua ausência de empirismo, de um laboratório que mostre sua eficácia num ambiente macroeconômico com as características brasileiras — taxa de desemprego, inflação, comportamento do PIB, renda média, escolaridade, índices de produtividade, grau de liberdade econômica, inserção na economia global e ene outros índices. Como afirmou o economista João Luiz Mascolo em entrevista à DINHEIRO, se fosse tão fácil assim bastava sair gastando e não haveria mais nação pobre no mundo.
Os defensores da MMT parecem ignorar gente como Daniel Kahneman (Nobel de Economia em 2002) ou Richard Thaler (Nobel de Economia em 2017), economistas comportamentais que sacaram que atitudes nesse campo não são racionais nem são de causa-efeito controláveis. E aqui entra uma questão que sabidamente foi verificável: descontrole fiscal provoca inflação. E pronto. Não adianta bravatinhas para a claque atacando o ‘mercado’. Desembestar na gastança vai apenas gerar aumento de preços. E no Brasil… Bingo! Ela pega mais no pobre.
Segundo o Ipea, enquanto o IPCA de 2022 foi de 5,79%, entre as pessoas de renda baixa a inflação foi de 6,04%. E para as de renda muito baixa ficou ainda mais nociva: 6,35%. Ah, os mais ricos também pagaram esse preço, com uma inflação acima do IPCA (6,83%). Sim, mas estes pelo menos podem se proteger. Tanto que o volume investido em títulos do Tesouro Direto bateu recorde e chegou em dezembro a R$ 105 bilhões. Não anda comprando título público aqueles 33 milhões de nós com insegurança alimentar grave. Ou aqueles 62 milhões de nós que vivem abaixo da linha da pobreza (menos de R$ 16 por dia). A esse, o mais duro imposto é a inflação. Um transferidor de renda da rua para a cobertura. Desde que o Brasil adotou metas para a inflação, em 1999, a gente só fez a lição de casa duas vezes (em 2000 e 2007). Em 18 das 24 vezes a gente estourou a meta, e em seis anos ficamos acima até mesmo do teto. A gente nunca foi bom com a inflação. O nome disso é transferência de renda invertida. De baixo para cima. E ela jamais será sanada apenas com assistencialismo.
O morto Roberto Campos (1917-2001), avô do atual presidente do Banco Central, foi talvez o maior liberal-celebridade entre nossos liberais. Com as idiossincrasias típicas destas latitudes, ele curtia o serviço público — foi servidor a vida toda, desde o governo Vargas, e ocupou cargos de ministro, embaixador, senador, deputado… Mas soube enxergar na nossa desigualdade a maior das mazelas. Numa entrevista de 1997, disse:
— “Quais são os dois fatores mais presentes na desigualdade, na distribuição de renda? Primeiro a inflação, que criou duas categorias de brasileiros: os com-moeda e os sem-moeda. Segundo, a falta de educação básica. Ambas são responsabilidade do governo. Mas o pessoal prefere culpar o mercado. O mercado não recomenda a inflação. Mercado prospera com estabilidade.”
Cuidar disso estancará uma violência que se comete contra o Brasil. E contra os mais desassistidos dos brasileiros. Lula sabe, tanto que foi responsável fiscalmente por oito anos. Depois de limpar a questão militar de sua agenda, sua missão será debelar a inflação. E ele sabe o que precisa ser feito.
Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.