03/07/2015 - 20:00
Em suas concorridas palestras, o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto costuma usar uma figura de linguagem para enfatizar o risco que governo corre quando faz escolhas equivocadas na economia. “Estamos tentando ver se há gasolina no tanque iluminando-o com um fósforo aceso.” A frase resume bem a gravidade do atual quadro inflacionário no Brasil e a falta de compromisso da equipe econômica anterior com a resolução do problema. Desde o início do governo Dilma Rousseff, a meta de inflação (4,5%) nunca foi alcançada.
A despeito da alta dos preços, o Banco Central (BC) reduziu os juros básicos na marra, em 2012, e ignorou os sinais de perigo no ano passado, elevando a Selic somente após as eleições, no fim de outubro. Na função de guardião da moeda, o presidente do BC, Alexandre Tombini, falhou e, neste ano, passará pelo constrangimento de escrever uma carta aberta ao Ministério da Fazenda explicando os motivos que levaram a inflação a estourar, de longe, o teto da meta (6,5%). A inflação atual, que caminha perigosamente para a casa dos dois dígitos ao ano, corrói a renda das famílias, prejudica especialmente a população mais carente e coloca em risco as conquistas do Plano Real, que completou 21 anos na quarta-feira 1º.
“Não imaginava que, duas décadas depois, a inflação ainda seria notícia no País”, diz Cristóvão Pereira, professor de Finanças da FGV Management. “O Brasil andou para trás.” A preocupação com o despertar do dragão inflacionário não está restrita ao universo acadêmico. Na semana passada, a DINHEIRO conversou com um executivo de uma grande empresa do setor industrial que teme, conforme suas palavras, “um cenário de reindexação galopante na economia, caso a inflação atinja o patamar psicológico dos 10%”. O executivo tem razão. Somos viciados em inflação.
Basta verificar quantos índices de preços são divulgados todos os meses. Se Tombini conseguir cumprir a sua promessa de cravar o centro da meta, em 2016, o País ao menos estará pronto para perseguir uma inflação menor. O primeiro passo, na verdade, já foi dado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), composto pelo presidente do Banco Central e pelos ministros da Fazenda e do Planejamento. O CMN reduziu a margem de tolerância de dois pontos percentuais para 1,5 ponto, a partir de 2017, o que limita o teto da meta para 6% ao ano. Nessa toada, os economistas acreditam que a equipe econômica possa reduzir para 4% a meta em 2018, ainda que seja um ano eleitoral.
Ao longo dos 21 anos do Plano Real, a inflação oficial (IPCA) acumulada totaliza 402,4%. É pouco diante da hiperinflação que antecedeu o anúncio da nova moeda, com incríveis 4.922,60% acumulados em 12 meses. No entanto, de acordo com o professor de matemática financeira José Dutra Vieira Sobrinho, a inflação do real já reduziu o poder de compra de uma nota de R$ 100,00 para apenas R$ 19,90. A dimensão exata pode ser obtida com a comparação de preços de alguns produtos daquela época com os valores atuais.
Quem se lembra que a garrafa de leite, a tarifa de ônibus e o litro da gasolina custavam cerca de 50 centavos? “O Brasil não deveria brincar com a inflação”, diz Vieira Sobrinho. “O atual patamar é reflexo de um monte de burradas do atual governo.” Desindexar a economia e buscar uma inflação nos padrões de países desenvolvidos são medidas que protegeriam o poder de compra dos brasileiros e, obviamente, o próprio valor do real. Caso contrário, em breve, as moedinhas não servirão nem para comprar chiclete.