21/10/2022 - 1:10
Cofundador e CEO da fintech Monkey, maior marketplace de antecipações de recebíveis da América Latina, Gustavo Muller Medeiros ajudou a criar o mais robusto ecossistema de companhias e instituições financeiras do mercado brasileiro. Somente neste ano, a Monkey deve movimentar na plataforma R$ 40 bilhões entre bancos, grandes empresas e seus mais de 25 mil fornecedores — empresas que, juntas, respondem por 12% do PIB nacional. Ex-sócio da XP e um dos criadores da Fischer Venture Builder, ele condiciona a recuperação da economia e o crescimento das empresas à consolidação da estabilidade e da previsibilidade no País. “Se o próximo governo fizer bem a lição de casa e preservar a autonomia das instituições, temos grandes chances de afastar os problemas e antecipar a recuperação”, afirmou Medeiros, em entrevista à DINHEIRO. O Brasil, no entanto, não está isolado do restante do mundo e pode, segundo ele, sentir os efeitos da guerra, da inflação e de uma possível recessão global.
DINHEIRO – Alguns indicadores apontam que a economia está em recuperação, outros para o sentido contrário. Qual a sua visão?
GUSTAVO MULLER MEDEIROS – Não tem como não haver um pouco de recuperação agora e no ano que vem. Ainda estamos saindo de um período pandêmico. As empresas não se recuperaram 100% do susto da pandemia e estão mais devagar do que se esperava, mas estão reagindo. O grande desafio é que surgiram outras questões no meio do caminho. A guerra na Ucrânia bagunçou ainda mais a cadeia global de suprimentos, que já tinha sido afetada pelos lockdowns pelo mundo. A crise energética na Europa, prejudicada pela falta de gás da Rússia, também amplificou as preocupações em todo o mundo. A indústria, principalmente, foi muito afetada. Seguem os problemas no fornecimento de componentes eletrônicos, por exemplo. Isso sem falar no risco de recessão nos Estados Unidos. Ou seja, o ritmo da recuperação da economia e das empresas vai depender de vários fatores internos e externos.
Quais são os fatores internos?
Há duas questões principais para o ano que vem. Inflação e incertezas globais serão os maiores desafios do próximo governo. Nos últimos meses, a inflação voltou um pouco ao normal por causa de mexidas artificiais na economia, como redução de impostos. O exemplo mais evidente é o dos combustíveis. A dúvida é como vai ficar com quem ganhar a eleição já que a combinação de inflação com incerteza cria um ambiente de muita dificuldade. Não só para o Brasil, o controle da inflação será o maior desafio para todos os países.
O Brasil pode tirar algum proveito dessa crise internacional?
Não estamos isolados do mundo. Mesmo a gente tendo feito bem o nosso dever de casa sob o ponto de vista de aperto monetário, se houver agravamento da crise lá fora seremos afetados. A produção é interdependente. Em quase todos os setores, os fornecedores são globais. As empresas terão de aprender a conviver com eventuais falhas da cadeia, juros altos, e baixo crescimento. A dieta monetária no Brasil deve durar alguns anos.
No segundo semestre, as boas notícias têm ajudado no crescimento. Mas se olharmos para a indústria e o agro, que são dois importantes motores da recuperação, não houve crescimento significativo. O consumo e o setor de serviços são os que tiveram alta porque houve um represamento de demanda durante a pandemia. O crédito mais caro, em razão dos juros altos e da cautela dos bancos na concessão de financiamento, impõe uma variável mais difícil.
O cenário eleitoral também atrapalha?
Não a eleição em si, mas a indefinição da política econômica. Investimento e crescimento dependem de estabilidade e previsibilidade. A questão não é só quem vai ganhar.
O pessoal da Faria Lima tem sido mais pró-Lula ou pró-Bolsonaro?
Difícil definir. Os dois candidatos não são figuras desconhecidas. Todos sabem como eles pensam e como ambos lidam com a economia. Nisso, não há surpresas. O que se aguarda é a definição dos planos para 2023 em diante. Seja com Lula ou com Bolsonaro, se o próximo governo fizer bem a lição de casa e preservar a autonomia das instituições, temos grandes chances de afastar os problemas e antecipar a recuperação.
O BC tem agido com autonomia?
Não percebo nenhuma influência política no Banco Central. Na minha avaliação, todas as decisões até agora seguiram critérios técnicos. A alta da Selic, que foi de 2% ao ano para mais de 13%, tem ajudado a frear a inflação agora. O ciclo de aperto começou antes e contribuiu para antecipar o controle dos preços antes mesmo de outras economias. Para as empresas, juros altos são ruins, mas inflação também é ruim. A decisão foi necessária para estabilizar a economia em um cenário de surto inflacionário global. O BC terá de manter os juros altos até que o ambiente econômico melhore no mundo todo.
Mas se os juros ficarem altos por muito tempo os estragos na economia serão maiores…
Sim. O impacto da alta dos juros ainda não chegou integralmente ao spread. Alguns dos efeitos perversos do aumento do custo financeiro são a alta da inadimplência e a redução do ritmo de produção. Depois, a queda no emprego. Isso ainda não aconteceu.
Por que os bancos não mexeram no spread?
Porque a oferta de crédito ainda está bastante competitiva. Bancos grandes e pequenos estão com recursos para emprestar. A questão é que em eventual situação de alta da inadimplência, os bancos devem ficar mais cautelosos. A restrição de crédito é uma consequência natural quando há aumento da percepção de risco.
O que o governo e o Banco Central precisam fazer para evitar isso?
Terão de ajudar pequenos e médios empresários a ter mais acesso a recursos. Não existe solução simples. Talvez, o próximo governo tenha de criar um auxílio emergencial às empresas, caso o cenário internacional se agrave, com guerra e crise energética. Nessa hipótese, os bancos públicos terão um papel essencial. E os bancos privados poderão contribuir se forem incentivados a emprestar com linhas especiais de financiamento. É uma questão de irrigação da economia. Governo e BC terão de fazer o recurso chegar. Mas tudo isso, claro, traçando um cenário de piora da situação. Por enquanto, são apenas teorias. Nada está definido.

Qual será o papel dos bancos digitais? Alguns, como o Nubank, têm contabilizado prejuízos imensos…
Analisando as fintechs individualmente, não dá para dizer que estão certas ou erradas. Nos últimos anos, algumas foram mais ousadas. Decidiram crescer a qualquer custo. Outras foram mais cautelosas e planejaram um crescimento mais sustentável. Mas o cenário era outro. Os recursos pareciam infinitos. Elas captaram muito dinheiro porque havia dinheiro de sobra para ser captado. Então, cresceram muito sob aquelas regras do jogo. Hoje, com menos dinheiro disponível, isso mudou. O jogo mudou. E as fintechs terão de se enquadrar ao novo tabuleiro. E há um período de adaptação.
Como ficará a concorrência entre fintechs, com menos caixa, e grandes bancos, mais cautelosos?
As fintechs continuarão sendo ora parceiras, ora concorrentes. No nosso caso, como somos um marketplace de antecipação de recebíveis, somos parceiros dos grandes bancos. Eu reduzo o custo de originação para eles, com menos risco, e proporcionamos às empresas uma fonte muito mais barata de recurso dentro do ecossistema. Por isso, a palavra hoje em dia é parceria. As grandes instituições financeiras não têm a agilidade de um banco digital, enquanto os digitais não têm a penetração e a percepção de risco dos grandes.
O fluxo de capital deve demorar a voltar?
O capital está sempre procurando um país para se instalar. Não me refiro ao capital que chega para ganhar com a Selic alta. Falo sobre aquele voltado para o investimento produtivo. Nesse aspecto, se houver estabilidade, o capital volta sem dúvida. O supply chain global, nos últimos anos, está se definindo em uma nova geografia. A China, diante de muitos problemas, perdeu certo espaço na cadeia global. É um negócio interessante que pode, se o Brasil se mantiver como um local amistoso para investimento, beneficiar a economia nacional. O País tem uma boa força de trabalho, inteligência instalada e custos competitivos no câmbio atual. Com uma democracia estável e ninguém fazendo maluquices, rasgando contratos ou reestatizando empresas, os negócios retornam. E o País tem grandes chances de subir a um novo patamar.