08/01/2016 - 20:00
Se a intrincada situação fiscal depender de bons exemplos de Brasília para ser resolvida, o País continuará num beco sem saída por muito tempo. Anunciada com pompa e circunstância, em outubro, pela presidente Dilma Rousseff, a reforma administrativa praticamente não saiu do papel. Dos três mil cargos comissionados que seriam eliminados, pouco mais de 10% foram cortados até agora. O processo de extinção de oito ministérios e de 30 secretarias ainda não foi concluído.
Nem mesmo a redução de 10% nos salários da própria presidente e do seu vice, Michel Temer, foi adiante. Nesse caso, o governo culpa o Congresso Nacional, que precisa editar um decreto legislativo. É verdade que a economia total gerada por essas medidas, se integralmente implementadas, seria de apenas R$ 200 milhões, quase nada diante do rombo de mais de R$ 100 bilhões em 2015, incluindo o pagamento das pedaladas fiscais. O que mais importava, nessa reforma, eram o simbolismo e a sinalização de que o ajuste fiscal seria feito com cortes na própria carne.
“O governo jogou para a torcida, mas não entregou o prometido”, afirma Rafael Bistafa, economista da Rosenberg Associados. Sem efetivamente enxugar a máquina pública e com sérias dificuldades em cortar gastos, o governo recorre mais uma vez ao bolso de empresários e consumidores para salvar o erário. A crise fiscal pode ser traduzida em números. De janeiro a novembro, a arrecadação federal caiu 6,8% em termos reais. A recessão econômica, é claro, explica a maior parte da queda.
Com um PIB em retração superior a 3%, é natural que a arrecadação despenque. Há também um movimento de adiamento por parte de empresas do pagamento do Imposto de Renda (IRPJ) para fazer caixa, o que gerou uma redução, em termos reais, de 14% na receita de IRPJ em relação a 2014. Em setembro, o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, alertou para esse fenômeno em entrevista à DINHEIRO. Para ele, era “natural” o empresariado priorizar o seu fluxo de caixa em detrimento do pagamento das contas com a Receita Federal.
O pepino caiu no colo do novo homem forte da economia, Nelson Barbosa. Neste cenário de penúria, espera-se do governo uma atitude mais agressiva em relação aos gastos, o que ainda não ocorreu. Sempre alegando que o orçamento é muito engessado – de fato, a Constituição prevê gastos obrigatórios em Saúde e Educação –, o governo trilha o caminho mais fácil e menos eficiente para reduzir gastos: a rubrica investimento. Dos 55 bilhões previstos para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), cerca de R$ 25 bilhões foram cortados no ano passado, com efeito negativo sobre o mercado interno.
Há a esperança de que as receitas extraordinárias das concessões em infraestrutura, como portos, aeroportos, rodovias e ferrovias, aliviem os cofres públicos em 2016. No entanto, num ambiente de queda da confiança dos empresários, o governo não pode abrir mão do seu papel de fomentar os investimentos em logística. Além disso, os empresários do setor da construção anseiam pelo repasse de verbas de órgãos como o DNIT, que não estão pagando em dia as obras já concluídas. O caixa vazio não é uma exclusividade da União.
Os governos estaduais vêm sofrendo com a queda de arrecadação. Em 2015, o caso mais emblemático foi o do Rio Grande do Sul, que cancelou o pagamento de sua dívida com a União. Já neste ano, a crise na saúde fluminense atingiu o seu ápice diante da queda das receitas provenientes do petróleo, cuja cotação desabou (leia reportagem aqui). Não é à toa que muitos governadores buscaram formas de aumentar impostos, como a elevação do ICMS sobre softwares e cerveja e dos tributos sobre herança e doações.
Um levantamento da DINHEIRO mostra que ao menos 16 impostos foram majorados ou estão na mira das autoridades nos três níveis de governo. “O ano de 2015 ensinou ao governo que, em períodos de recessão, nem sempre uma alta de impostos se traduz em aumento da arrecadação”, diz Mansueto Almeida, especialista em finanças públicas. “Uma alíquota maior acaba derrubando as vendas.” Indignados, os empresários criticam o aumento da carga tributária.
“Acabar com a Lei do Bem é condenar o País ao atraso e impedir o seu desenvolvimento no médio e no longo prazo”, afirma Humberto Barbato, presidente da Associação da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), se referindo à lei extinta que concedia isenção de PIS/Cofins para smartphones, computadores e tablets. “A União tem uma sanha arrecadatória.” Em 2015, o Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo atingiu a marca histórica de R$ 2 trilhões em impostos pagos aos três níveis de governo.
Para tentar aumentar a arrecadação, a União também reverteu as desonerações setoriais que foram concedidas nos últimos anos. Uma das beneficiadas, a indústria automotiva lamentou a volta do IPI integral, que acabou colaborando para a forte queda nas vendas, de 26,6%, no ano passado. No entanto, o setor refuta a ideia de que foi favorecido. “O peso dos impostos chega a 43% do preço final”, afirma Luiz Moan, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
“Os veículos brasileiros têm a maior carga tributária do mundo.” O governo, no entanto, não parece preocupado com as reclamações do setor produtivo. Embora impopular, a famigerada CPMF continua sendo uma bandeira da presidente Dilma. Na quinta-feira 7, em café da manhã com jornalistas em Brasília, ela voltou a defender a recriação do imposto do cheque com o argumento falacioso de que o dinheiro será destinado à Saúde. “Não é questão de reequilíbrio fiscal, mas também é uma questão de saúde pública”, afirmou. “Uma das formas de resolver o problema da saúde no País inteiro é aprovar a CPMF e destinar metade para Estados e municípios.”
Enquanto isso, numa ação que carece de lógica, o governo cortou R$ 10,5 bilhões do orçamento da Educação, deixou o programa Bolsa Família sem reajuste e destinou R$ 845 milhões aos fundos partidários, numa tentativa de garantir votos no processo de impeachment. Já a Previdência Social continua com o seu déficit crescente sem que o problema seja encarado seriamente. Embora tenha dito que é preciso “modificar a idade de aposentadoria” porque a população está envelhecendo, a presidente Dilma ainda não debateu o assunto com os partidos de esquerda e as centrais sindicais, que são contrários a qualquer mudança.
Outro ponto que é considerado um tabu é a regra de reajuste do salário mínimo (inflação e PIB), que onera os cofres públicos. Num cenário recessivo, a consultoria Rosenberg prevê queda real de 3% da arrecadação e um déficit primário de 1% do PIB, em 2016, ante uma meta do governo de um superávit de 0,5% do PIB, que inclui a CPMF. “Não há clima político para a aprovação da CPMF”, diz Bistafa, da Rosenberg. “Se isso acontecer será péssimo para a economia, pois é um imposto tóxico, inflacionário e regressivo.” Como se vê, o governo quer jogar a conta da balbúrdia fiscal no colo dos contribuintes.