Na quarta-feira 25, o professor Luiz Junqueira, sem saber, passou a integrar as estatísticas da balança comercial brasileira. Depois de uma intensa pesquisa, ele fechou, por R$ 65 mil, a compra de um Cerato, sedã importado da coreana Kia. “Levei em conta preço e qualidade”, contou à DINHEIRO. 

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Luiz Junqueira: um dos 600 mil brasileiros a comprar um importado em 2010

Ele se tornou um dos 600 mil brasileiros que devem comprar um veículo importado este ano. Há dois anos, o número era pouco mais da metade. Só na Kia, as vendas devem chegar a 58 mil este ano, mais do que o dobro das 26 mil unidades comercializadas no ano passado. O número de concessionárias da marca já passou de 68 para 140. “A estabilidade do dólar tornou viável abrir lojas em cidades que antes não comportavam concessionárias mais elitizadas”, diz o presidente da Kia Motors no Brasil, José Luis Gandini, que também preside a Abeiva, entidade que reúne os importadores de veículos. 

 

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As estatísticas da Anfavea, que congrega as montadoras instaladas no País, também mostram que os veículos produzidos no Exterior estão ganhando espaço. Eles representavam 13,3% do mercado em 2008. Este ano, a participação já chegou a 18% e pode aumentar ainda mais até o fim do ano. “A combinação de real forte e economia aquecida tem sido um problema para a indústria nacional”, diz o secretário de Comércio Exterior, Weber Barral.

 

Os números da balança comercial explicam a preocupação. Nos primeiros sete meses do ano, as importações aumentaram 45%, reduzindo para apenas US$ 9,2 bilhões o superávit brasileiro até agora. As exportações também subiram, mas num nível muito menor, de 27%. 

 

“O problema é que o Brasil tem mercado para os produtos importados, mas o mercado lá fora não está bom para os produtos brasileiros”, diz Barral. A previsão do Ministério da Fazenda para este ano é uma expansão de 6,5% no PIB, com alta de 20,4% no investimento, de 6,9% nas exportações e de 29,6% nas importações. A participação das importações no PIB, que era de 11,3% no ano passado, pode passar a 13,5% este ano.

 

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Benjamin Sicsú, da Samsung: ”Se o mercado de tecnologia cresce, a importação acompanha” 

 

A indústria brasileira já reclama que os importados não estão apenas suprindo a carência do mercado, mas também ocupando espaço dos produtos brasileiros. “Poderíamos investir muito mais se não fossem as condições que favorecem as importações”, disse à DINHEIRO o presidente da CSN e da Federação das Indústria do Estado de São Paulo, Benjamin Steinbruch, que defende barreiras à importação da China. No setor de aço, as importações crescem em ritmo acelerado. O Instituto Aço Brasil estima que a participação do importado deve triplicar este ano, para 20% do mercado. 

 

Embora a indústria esteja aproveitando o câmbio favorável para modernizar seu parque industrial com equipamentos importados, o maior crescimento, em julho, se deu na importação de bens de consumo duráveis, com aumento de 73% em relação a julho de 2009. 

 

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José Luis Gandini, da Kia Motors: ”Hoje é viável ter concessionárias até em cidades médias”

 

A importação de matérias-primas e intermediários cresceu 44,5%. É o caso da Samsung. Quinta maior importadora do País no primeiro semestre, com um total de US$ 1,06 bilhão, a empresa dobrou as compras de displays, semicondutores e chips no Exterior em relação aos seis primeiros meses de 2009. “Vendemos mais e, por isso, tivemos de importar mais”, explica Benjamin Sicsú, vice-presidente de novos negócios da Samsung. 

 

O real valorizado também teve impacto nas contas externas. Na semana passada, o Banco Central divulgou o pior resultado desde o início da série, em 1947. Em julho, o déficit foi de US$ 4,5 bilhões. No acumulado do ano, o rombo é de US$ 28,2 bilhões, o triplo do ano passado. 

 

Ao mesmo tempo, caiu o fluxo de investimento direto estrangeiro e o volume recebido em julho foi suficiente para financiar apenas 58% do déficit em conta corrente. Se a situação perdurar, pode ameaçar a posição de credor externo obtida há dois anos pelo País. E, ironicamente, a fragilidade nas contas externas é o efeito colateral de ter uma moeda forte.

 

Colaborou Rodolfo Borges