Criada em 2010 para facilitar a produção das sondas petrolíferas que fariam jorrar os bilhões de barris de petróleo submersos no pré-sal, a Sete Brasil parecia ser uma prova reluzente dos novos tempos para o País, destinado a tornar-se um grande produtor mundial. Parecia. Como vários sonhos do primeiro mandato de Dilma Rousseff, porém, esse também acabou em pesadelo. No último dia 29 de abril, a Sete Brasil protocolou seu pedido de recuperação judicial na 3ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Vergada por uma dívida estimada em R$ 19,3 bilhões, e sem ter conseguido lançar ao mar um único dos 28 navios-sonda contratados pela Petrobras, a Sete Brasil pediu água. A possibilidade de quebra iminente da companhia afetou bancos nacionais e estrangeiros, trouxe prejuízos a alguns dos principais fundos de pensão do Brasil e ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que pertence aos trabalhadores registrados no Brasil. No entanto, alguns credores podem ter menos propensão à insônia que outros.

O Fundo Garantidor da Construção Naval (FGCN), um fundo estatal bancado pelo Tesouro Nacional, sofreu saques de R$ 3,8 bilhões ao longo de fevereiro passado, quando os rumores de quebra da Sete Brasil começaram a se tornar ensurdecedores. Os recursos, segundo a DINHEIRO apurou, destinaram-se a cobrir parte das perdas dos bancos credores, que haviam emprestado um total de R$ 4,85 bilhões à Sete Brasil entre 2011 e 2014. A história é longa, mas vamos resumir.

Em 2011, José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras, tinha um bom problema nas mãos. A estatal precisava construir rapidamente 12 navios-sonda para explorar o pré-sal. São equipamentos complexos e caros, que podem custar até US$ 750 milhões cada. A questão era como fazer isso sem precisar desembolsar o dinheiro necessário para comprá-los ou construí-los. Não havia caixa suficiente. Empréstimos pressionariam ainda mais o balanço da estatal, que já mostrava sinais de um endividamento perigoso. A solução, à primeira vista genial, foi criar uma empresa para construir e operar as sondas.

A Petrobras preservaria seu caixa. De quebra, favoreceria a política de conteúdo nacional e geraria empregos, duas metas caras à presidente Dilma. O resumo dos acontecimentos a seguir está no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito, que escarafunchou os meandros dos fundos de pensão, e ao qual DINHEIRO teve acesso. Para criar a Sete Brasil, Gabrielli e um então pouco conhecido Pedro Barusco (sim, o delator da Lava Jato), trocaram vários dedos de prosa com conhecidos do mercado financeiro.

Uma das conversas ocorreu com um funcionário do Banco Santander. Ele intermediou as tratativas para que o banco espanhol elaborasse um projeto de criação da empresa e buscasse investidores. Muitos foram chamados, mas apenas doze responderam: bancos privados e estatais, fundos de pensão e de investimento. Eles aportaram US$ 8,4 bilhões em capital na Sete Brasil. A Petrobras cacifou US$ 353 milhões e ficou com 9,3% das ações. Juntos, a estatal, o Petros e o BTG Pactual ficaram com 52,3%. Como essa indústria é intensiva em capital, o aporte inicial evaporou rapidinho.

O caixa já estava zerado no fim de 2013. No ano anterior, João Carlos de Medeiros Ferraz, então presidente da Sete Brasil, foi batalhar mais dinheiro. Ele colocou na pasta as encomendas de 28 sondas pela Petrobras e também cartas de enquadramento do BNDES, mostrando a disposição do banco presidido por Luciano Coutinho em garantir o crédito. Isso permitiu à Sete Brasil contrair seis empréstimos-ponte até 2014. Segundo uma apresentação sigilosa da empresa a investidores, feita pela equipe do BTG Pactual, a que DINHEIRO teve acesso, em 2012 foram US$ 1,3 bilhão com Itaú BBA e Banco do Brasil, e mais US$ 1,7 bilhão com Bradesco, Banco do Brasil e Santander.

No ano seguinte, a empresa pegou outros US$ 1,2 bilhão com um pool de bancos – Standard Chartered, Sumitomo, Scotiabank, Bradesco e Citibank. Em 2014, o Standard Chartered soltou mais US$ 250 milhões e a Caixa, que até então não tinha entrado na história, emprestou R$ 400 milhões. Tudo perfeito, excetuando-se dois problemas. O primeiro deles era a capacidade de os cinco estaleiros contratados montarem as sondas. Dois deles, o Atlântico Sul e o BrasFels, não tinham experiência no assunto e atuavam em parceria com sócios asiáticos. Os outros três estaleiros – Paraguaçu, Jurong Aracruz e Rio Grande, ligado ao grupo Engevix – não tinham histórico de contratempos. Afinal, ainda estavam sendo construídos.

O segundo problema ocorreu em março de 2014. A explosão da operação Lava Jato tornou as coisas mais difíceis para a Petrobras. Segundo dois executivos de bancos de investimento que participaram das operações, a conversa com os bancos mudou de tom. Para bancar as garantias, o BNDES exigiu da Petrobras uma carta afirmando que não havia irregularidades nos contratos com a Sete Brasil. Por motivos meio óbvios, a Petrobras não a forneceu e o BNDES não liberou os recursos.

A situação, que já não ia bem, desandou de vez. Como última tacada, a companhia preparou uma apresentação para convencer os acionistas a injetar mais US$ 2 bilhões, em novembro de 2014. Mas, de acordo com a assessoria de imprensa da própria Sete Brasil, essa operação nunca saiu da gaveta. “A empresa já estava quebrada”, explica o executivo de um dos bancos sócios. No início de 2015, já no segundo mandato de Dilma, a “ideia genial” precisava de US$ 10 bilhões para continuar respirando. Sem a garantia da Petrobras, nem do BNDES, não havia como obter novos empréstimos.

Segundo um executivo de um banco de investimentos que acompanhou de perto as negociações, foram feitos três planos de reestruturação no ano passado: um em fevereiro, um em maio e outro em agosto. Na segunda tentativa, em maio, um alto executivo da Petrobras teria apresentado a proposta a uma audiência seleta de banqueiros, em São Paulo. Segundo um participante do encontro, ele propôs reduzir o numero de navios-sonda contratados de 28 para 19. Quatro deles seriam vendidos e os 15 restantes seriam usados pela Petrobras. Dias depois, a equipe jurídica da Petrobras teria telefonado aos banqueiros para informar que a proposta já não tinha validade.

Detalhe: ao propor operar com 15 equipamentos, o executivo da estatal demonstrou, na prática, que a encomenda de 28 foi inflada – fato que a Lava Jato está investigando. O tempo corria, dinheiro novo não chegava, e os empréstimos começaram a vencer em outubro de 2014, mês que coincide com o último pagamento feito aos estaleiros. Os bancos arrastaram a situação e, até abril deste ano, eram contrários a um pedido de recuperação judicial. Pouco depois dos saques do FGCN, porém, eles mudaram de posição.

No dia 20 de abril, a Petros, até então a mais relutante, concordou com a ideia da recuperação, que sairia no fim do mês. Mesmo tendo recebido parte das garantias, os bancos protegeram seus balanços. Ao divulgar os resultados do primeiro trimestre no dia 28 de abril, ainda antes do pedido de recuperação da Sete Brasil, o Bradesco informou ter provisionado 70% do empréstimo à companhia, mas não confirmou o valor emprestado. Na véspera, Sérgio Rial, presidente do Santander, ao comentar o balanço, disse que o banco espanhol lançou o crédito integralmente como perda, sem dar maiores detalhes.

Já para o FGTS dos trabalhadores brasileiros, fica o rombo de R$ 650 milhões, o montante investido pelo FI-FGTS na Sete Brasil. Embora a magra rentabilidade de TR mais 3% ao ano seja assegurada pelo governo, eventuais rombos no caixa têm de ser cobertos pela Viúva. Ou seja, por todos os brasileiros. Mesmo com a recuperação judicial, o cenário não melhora muito. De acordo com um executivo de um dos bancos que investiu na Sete Brasil, o único ativo na empresa são 13 navios-sonda, ainda em construção. Caso a Petrobras não feche nenhum acordo com a Sete Brasil, haverá uma batalha judicial em torno delas.

Como chovem credores e sócios, um banqueiro ironiza que o cálculo previsto de “Retorno sobre o Investimento” foi trocado pelo do “Retorno do que Sobrar do Investimento”. Mas como é possível que a ascensão de Michel Temer à Presidência tenha impacto nas estatais e nos fundos de pensão, a história ainda pode ter reviravoltas. Em qualquer caso, a briga será por um valor bem menor. Os estaleiros BrasFels e Jurong Aracruz continuaram a construir os navios-sonda com recursos próprios, mas com poucas chances de recuperar o total investido.

Na Jurong, por exemplo, cada uma das sondas custa, em média US$ 744 milhões. Porém, seu preço de mercado hoje é bem menor do que na data da encomenda. A queda do petróleo do tipo Brent, que chegou ao pico de U$ 115 por barril em junho de 2014 e hoje vale cerca de US$ 44, também derrubou os preços dos equipamentos. Segundo um operador internacional que presta serviços para a Sete Brasil, quando a companhia foi idealizada, em 2010, uma sonda nova custava de US$ 740 milhões a US$ 850 milhões e o valor do aluguel de uso diário estava em torno de US$ 390 mil. “Na semana passada, a Schahin vendeu um equipamento semi-novo, com três anos de uso, por US$ 65 milhões”, comenta o executivo.

A Schahin é acusada de pagar propina de R$ 12 milhões para participar do negócio. Além da redução de valores, os contratos da Sete Brasil com a petroleira estatal têm esbarrado na dificuldade de negociação com a companhia, por conta da Operação Lava Jato. Procurado, o estaleiro Jurong não deu entrevista. Os representantes do BrasFels não foram localizados. Esperam-se mais problemas jurídicos pela frente. No dia 28 de abril, véspera do pedido de recuperação judicial, Deltan Dallagnol, procurador da República sediado em Curitiba, afirmou haver “fortes indícios de que as empresas que compunham a Sete Brasil atuavam em cartel”.

Segundo Dallagnol, as investigações da Operação Lava Jato apontam que a Sete Brasil foi usada para aumentar preços e fraudar licitações. Na data, foram denunciados 17 pessoas, entre eles João Santana, marqueteiro do PT, e sua mulher, Monica Moura, que fez acordo de delação premiada. A data do pedido de recuperação judicial não é uma coincidência. Se comprovada que houve corrupção, a empresa pode ver seu pedido de recuperação judicial ser negado. Apesar de ter sido citada, a Sete Brasil não foi acusada criminalmente por Dallagnol até o fechamento desta edição.