O americano Milton Friedman, prêmio Nobel de Economia e um dos principais nomes da Escola de Chicago, dizia que governos nunca aprendem, são as pessoas que têm de aprender. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, também um “Chicago Boy”, tem se confrontado com a frase de seu mentor desde que aceitou o convite da presidente Dilma Rousseff, em novembro do ano passado, para assumir a pasta e promover uma importante e necessária mudança no modelo econômico brasileiro. O esgotamento da política desenvolvimentista, estratégia de crescimento adotada pelo Brasil desde o governo Lula, deixou uma conta altíssima a ser paga.

O descontrole dos gastos públicos, que provocou um desajuste nas finanças internas, a contabilidade criativa para maquiar os erros, os incentivos exagerados à economia, como os cortes na tarifa de energia, entre outras medidas, levaram o País a perder credibilidade. Para mudar um cenário catastrófico, a ortodoxia de Levy foi a escolha acertada de um Governo que parecia ter aprendido com os próprios erros. No entanto, a lição de Friedman foi ignorada. Pessoas ligadas ao PT e de dentro do Governo têm aumentado o fogo da fritura do ministro Levy.

Nas últimas semanas, interlocutores do ex-presidente Lula iniciaram uma campanha para trocar o ministro da Fazenda na virada do ano. O favorito ao posto seria o ex-presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, que teve uma carreira brilhante no setor privado e uma passagem notável no governo Lula. A especulação não é novidade nos bastidores do PT. Antes de decidir por Levy, havia uma corrente de correligionários ligados ao Instituto Lula que sopraram o nome de Meirelles para fazer dobradinha com o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa.

Mas o perfil de “pavão” do ex-presidente do BC desagradava Dilma, que contrariou seu partido e deu um choque de gestão econômica. A volta do nome de Meirelles está ligada à reaproximação entre Dilma e Lula, que teria sido o responsável pela troca de Aloizio Mercadante por Jaques Wagner, na Casa Civil. Em carta, Lula negou qualquer tipo de influência no Governo. “O Levy tem tentando fazer os ajustes, mas é sabotado constantemente pelo próprio PT”, afirma o deputado Efraim Filho (DEM-PB).

Nas últimas vezes que Levy foi colocado na berlinda, Dilma defendeu seu ministro. Em março, quando ele ameaçou entregar o cargo caso o Congresso fosse contra medidas do ajuste fiscal, a presidente se esforçou publicamente para mantê-lo. Em setembro, após a agência Standard & Poor’s ter rebaixado a nota de crédito do Brasil para o grau especulativo, Dilma valorizou o trabalho de Levy. Desta vez, porém, o apoio da presidente veio exclusivamente dos bastidores. Diante de tanta pressão, a pergunta é: a quem interessa calar a única voz no Planalto que inspira confiança?

Desde os primeiros dias em Brasília, Levy é tratado como “o breve” por alguns de seus pares no ministério. Nelson Barbosa nunca escondeu que a missão de Levy era realizar o ajuste fiscal e se desligar do governo. Com o País em ordem e a proximidade das eleições presidenciais, o modelo desenvolvimentista deveria voltar à sala de controle da economia. Barbosa, que sempre almejou a pasta, trabalha em causa própria. Nessa disputa entre eles, o isolamento de Levy tem contribuído para a proliferação dos boatos.

Com 80% das medidas do ajuste fiscal paralisadas no Congresso, o ministro tem sido acusado de burocrata nos corredores do Planalto. Suas reuniões são consideradas improdutivas e desgastantes. “Acabou a lua de mel”, diz um dos principais ministros do governo Dilma. “Ele não traz solução e só tem propostas inimagináveis.” O jeito sereno de Levy incomoda. Seu conhecimento técnico está acima dos arranjos políticos que costumam ser feitos em Brasília. Por isso, o ministro sempre pareceu uma voz solitária. Em diversos momentos, ele alertou a presidente sobre decisões equivocadas que poderiam ter um efeito danoso para reconquistar a confiança no País.

Ao contrário de Barbosa, que defendeu o envio do Orçamento com déficit para o Congresso, Levy teria mostrado que a perda do grau de investimento aumentaria o risco econômico. Sua opinião foi ignorada, o Brasil foi rebaixado e a crise só se agravou. Para ele, o Brasil deve priorizar a diminuição da incerteza para voltar a crescer. “Quando estava na Secretaria do Tesouro, em 2003, o que deu fôlego para tudo o que aconteceu no governo Lula foi exatamente aquela sensibilidade de a gente tirar qualquer dúvida fiscal”, disse Levy. “Minha agenda é uma agenda de crescimento.”

Levy, antes de ser “o breve”, tem sido “o bravo”. O ministro tem se defendido com bravura dos ataques constantes que vem recebendo. O fogo amigo é tratado por ele como mira torta. Na reunião do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, que aconteceu entre 8 e 11 de outubro, em Lima, no Peru, Levy foi questionado se estava arrependido de ter aceitado a missão na Fazenda. “Certamente não”, respondeu. “O objetivo é preparar a economia para esse ajuste e colocá-la na rota do crescimento. Estou confiante de que assim que o cenário fiscal e orçamentário clarear, as outras reformas que já fizemos irão nos trazer para esse crescimento e para a inclusão.” Longe de Brasília, a percepção é distinta sobre a permanência ou a mudança do ministro da Fazenda. DINHEIRO ouviu cinco presidentes de grandes empresas e cinco gestores de fundos de investimento para entender a importância de Levy para o Brasil e para o Governo.

No mundo corporativo, apesar das críticas ao aumento de impostos, Levy é defendido e considerado vítima da lentidão do Congresso, que atrasa a aprovação das medidas, posterga o ajuste e mantém o País mergulhado na letargia. O mercado financeiro só enxerga um substituto à altura de Levy: justamente Meirelles. O nome do ex-presidente do BC é bem-visto por ter um canal de comunicação aberto com o PT, o que tornaria essa passagem pela crise menos torturante.

O boato faz os gestores desenharem dois cenários. A troca de Levy por Meirelles, embora seja considerada pouco provável, teria um efeito imediato sobre o câmbio, que passaria a ser negociado abaixo de R$ 3,50 por dólar. Mas se outro nome for cogitado, ninguém acredita na moeda americana abaixo de R$ 4,50. “Em qualquer hipótese de saída do Levy, é esperado um rali com o câmbio”, diz o gestor de um banco estrangeiro. No boato e no fato, o resgate do País depende da firmeza de Levy. Enquanto isso, os grandes especuladores do mercado financeiro se divertem como nunca – e ganham bilhões.

Colaborou: Gabriel Baldocchi