“A ilusão é o primeiro dos prazeres”. A frase escrita pelo filósofo iluminista François-Marie Arout ou Voltaire, no poema satírico A Donzela de Orleans, em 1755, explica o quanto os seres humanos acreditam naquilo que desejam.

No primeiro bimestre de 2023, o estoque de títulos bancários mais populares mostrou expansão de cerca de R$ 50 bilhões, segundo dados da Anbima. Desse montante, o volume em letras de crédito do agronegócio (LCAs) aumentou R$ 26 bilhões, o de letras de crédito imobiliário (LCIs) subiu R$ 20 bilhões, e o estoque em certificados de depósito bancário (CDBs) evoluiu R$ 4 bilhões. Segundo analistas consultados pela DINHEIRO, os investidores pessoas físicas foram atraídos para as letras de crédito por causa da isenção do imposto de renda nas aplicações financeiras, um benefício para os bancos captarem recursos mais baratos para os setores imobiliário e do agronegócio. Mas a recomendação deles é que o investidor faça contas do efeito da tributação para comparar, se realmente, as letras são mais rentáveis que o CDB, que trabalha próximo da taxa de depósito interfinanceiro (DI), atualmente em 13,65% ao ano, ou 0,10 ponto porcentual abaixo da taxa básica de juros (Selic).

Para a analista de renda fixa da XP Investimentos, Camilla Dolle, as taxas dos títulos bancários estão elevadas. “As taxas de CDBs e das letras de crédito isentas são equivalentes. No caso dos CDBs, oscilam entre 12%, 13% e até próximo de 14% dependendo do prazo”, afirmou. “A expectativa é que os juros fiquem entre 12% e 13% ao ano daqui para frente”, disse.

Vivian Koblnsky

“No Brasil, temos o Fundo Garantidor de Créditos (FGC), mas o risco de títulos bancários é o risco do banco emissor” Camilla Dolle HEAD de RF da XP.

De acordo com o último boletim de renda fixa da Anbima, os CDBs renderam em média, 12,16% em 12 meses até fevereiro, enquanto o referencial de 100% da taxa DI ficou em 13,01%, e a média da Selic, em 13,12% na mesma base de comparação. Olhando para frente, com base na Pesquisa Focus do Banco Central, o mercado espera uma taxa Selic de 12,75% ao ano no final de 2023, ou 12,65% para a taxa DI na mesma comparação.

Com base nessa projeção e considerando o efeito da tributação dos CDBs, o investidor de letras precisará encontrar taxas acima de: 9,80% em LCAs e LCIs com prazo de 6 meses; 10,12% para o prazo de um ano; 10,43% para prazos de 18 meses a 2 anos; e de 10,75% para letras com vencimento acima de dois anos. Ou seja, é somente acima desses patamares que as letras se tornam mais vantajosas que os CDBs.

Além disso, as LCIs e LCAs estão mais presas em prazos de permanência, onde o investidor precisa ficar na aplicação até o vencimento, enquanto a maior parte dos CDBs possuem mais flexibilidade para resgate, apesar da tributação pesada do imposto de renda sobre ganhos de capital, que varia: 22,5% (até 6 meses), 20% (até um ano), 17,5% (até dois anos) e 15% (acima de dois anos).

Na avaliação do Fernando Siqueira, head de research da Guide Investimentos, os títulos isentos são mais arriscados que os CDBs. “Num cenário como o atual, de visibilidade de queda dos juros pós-fixados, aplicações prefixadas em CDBs podem ser mais interessantes”, afirmou. Mas cumpre ressaltar que, nas taxas atuais, o desempenho das letras supera a poupança, que rendeu 8,17% em 12 meses (veja quadro).

RISCOS As três aplicações (CDBs, LCIs e LCAs) possuem cobertura do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) até o limite de R$ 250 mil por CPF. “Nossa recomendação é que os investidores evitem o risco de crédito nesse momento e prefiram CDBs de bancos maiores”, disse Siqueira. Ou seja, papéis bancários de instituições menores são considerados de risco de crédito maior.

A visão dele é compartilhada por Camilla Dolle, da XP. “O cenário se tornou mais delicado nas últimas duas semanas por causa da crise bancária nos EUA e na Europa. No Brasil, temos o FGC. O risco de títulos bancários é o risco do banco emissor. Nessa comparação, os bancos brasileiros estão bem capitalizados”, afirmou Camilla.

Em resumo, é uma ilusão pensar que as letras isentas de imposto são relativamente mais rentáveis que os CDBs. Na prática, a isenção cumpre seu papel, a de ser um incentivo para bancos concederem crédito mais barato para os setores imobiliário e do agronegócio, mas não necessariamente esse benefício fiscal melhora a rentabilidade líquida dessas aplicações.