01/07/2016 - 20:00
Na fábula “João e o pé de feijão”, o garoto troca uma vaca por cinco feijões mágicos, deixando sua mãe enfurecida. Após serem arremessados pela janela, os grãos germinam e se transformam num pé de feijão gigante, que levará João até um castelo acima das nuvens, onde mora um gigante malvado. Na vida real dos brasileiros, o feijão tipo carioca disparou, como num passe de mágica, 54% neste ano devido à quebra de safra provocada pelo excesso de chuvas no período de colheita. Líder na preferência do paladar nacional, o feijão carioca é mais um ingrediente a pressionar a inflação. Além dele, diversos itens do cardápio estão assustando os consumidores: mamão (alta de 77%); manga (54%); morango (49%); batata inglesa (48%); manteiga (42%); cenoura (35%); cebola (33%); banana prata (31%); açúcar (20%); e laranja (13%) são alguns exemplos. Até mesmo o milho e a soja, os dois principais grãos produzidos pelo Brasil, estão com preços em alta, o que afeta o custo das rações animais. Na maioria dos casos, o problema é uma queda na oferta e não um excesso de demanda, o que coloca o Banco Central (BC) em uma situação delicada na hora de definir a sua estratégia de combate à inflação.
No cargo de presidente do BC há poucas semanas, Ilan Goldfajn tem uma enorme missão pela frente. Derrubar os preços médios da economia de um patamar de quase 11% no passado para 4,5% em 2017, um objetivo ao mesmo tempo “ambicioso” e “crível”, segundo sua própria análise feita na terça-feira 28. “Temos condições de atingir o centro da meta em 18 meses”, afirmou Goldfajn. A sua postura difere da verificada na gestão de Alexandre Tombini, que comandou o BC nos últimos cinco anos sem jamais atingir o alvo de 4,5%. Para 2016, no entanto, o jogo está perdido. Precavido, o novo guardião da moeda projeta que o IPCA, índice oficial, deve superar o teto da meta, em 6,9%.
Para lutar contra esse gigante inflacionário que resiste à recessão econômica, Goldfajn necessitará de muitos feijões mágicos, o que não inclui a elevação dos juros. Na média, os produtos agropecuários já subiram 17% no atacado, neste ano, segundo o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) apurado pela Fundação Getúlio Vargas. “Como é um problema de oferta, não adianta elevar os juros”, afirma José Carlos Hausknecht, diretor da consultoria paulista MB Agro. “Feijão e arroz são produtos básicos, cuja demanda não é fácil de ser contida”. Embora exista um consenso no mercado de que um aperto monetário não faria nenhum sentido no atual contexto econômico, não se pode dizer o mesmo em relação ao momento ideal para dar início à queda dos juros. Quanto mais a inflação resiste, menor o espaço para a redução da Selic, atualmente em 14,25% ao ano. O problema é que, num círculo vicioso de alta dos preços, a indexação da economia brasileira acaba replicando a inflação do passado, seja ela passageira ou não.
Há uma série de armadilhas no caminho do BC. Uma delas é necessidade que o governo Michel Temer tem de dar boas notícias à sociedade até a votação final do impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, prevista para o fim de agosto. Nesse pacote de bondades está o reajuste de 12,5% nos benefícios do programa Bolsa Família, anunciado na quarta-feira 29. “Nós temos uma concepção cívica, uma concepção administrativa, de que os programas que deram certo devem continuar”, afirmou Temer. Embora possa ser considerado socialmente justo, o aumento tem impacto negativo nas contas públicas e pressiona a inflação, assim como o reajuste de 41,5% nos salários dos servidores do Judiciário, aprovado pelo Senado no mesmo dia.
Por outro lado, a favor do BC no combate aos preços altos estão as consequências da mais grave recessão dos últimos cem anos – o PIB brasileiro encolherá 7% no triênio 2014-2016. Na semana passada, o IBGE divulgou que a taxa de desemprego chegou a 11,2% no trimestre encerrado em maio, ante um índice de 8,1% registrado no mesmo período do ano passado. São 11,4 milhões de pessoas à procura de uma oportunidade no mercado de trabalho. No mesmo período, a renda média real encolheu 2,7%. “As pressões inflacionárias são pontuais, pois a recessão está falando mais alto”, diz Fabio Romão, economista da LCA Consultores. “Os preços dos serviços em geral estão desacelerando.”
Outro bom argumento para a queda de juros é a escassez de crédito. O próprio Banco Central revisou a estimativa de expansão do volume de financiamentos de 5% para apenas 1% neste ano. A falta de crédito ajuda a explicar as retrações registradas nos setores imobiliário, automotivo e de eletroeletrônicos, que dependem de vendas parceladas. De um lado, os bancos estão mais rigorosos nas concessões com medo do crescimento da inadimplência. De outro, os consumidores evitam contrair novos empréstimos com receio de que o endividamento vire calote. “Há um movimento de aversão ao risco por parte de bancos, empresas e consumidores”, diz Nicola Tingas, economista especializado em crédito. “Mas, com a economia dando sinais de recuperação, a tendência será de destravamento das carteiras de crédito.”
O orçamento das famílias também será aliviado pela redução no preço das tarifas de energia. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou a redução média de 8,1% na conta de luz da Eletropaulo, que atende quase sete milhões de consumidores em São Paulo. Para quem está prestes a renovar o contrato de aluguel, a recessão também é um aliado na hora de negociar com o proprietário. Um levantamento feito pela plataforma digital VivaReal em 30 cidades mostra que, nos últimos 12 meses, o valor do aluguel teve queda nominal de 7,1%.
DÓLAR FRACO
No primeiro semestre, o câmbio apresentou uma tendência de valorização à medida em que o processo de impeachment de Dilma foi se consolidando. A moeda americana encerrou junho com cotação de R$ 3,21, uma queda de 17,6% desde o começo de janeiro. Nas últimas semanas, o enfraquecimento do dólar acentuou-se ainda mais diante da perspectiva de manutenção dos juros pelo Banco Central dos Estados Unidos. Além disso, o compromisso assumido por Goldfajn de buscar o centro da meta de inflação no ano que vem levou os investidores a prever um adiamento na queda dos juros no Brasil, movimento que valorizou o câmbio. O departamento econômica do Bradesco prevê que o primeiro corte da Selic ocorrerá apenas em outubro e não mais em agosto, com os juros em 13,25% no fim do ano.
Outro aliado do BC é o próprio governo federal, que tem como prioridade a busca do equilíbrio das contas públicas. É um cenário bem diferente daquele observado no governo Dilma, em que autoridade monetária e o Ministério da Fazenda remavam em sentidos opostos. A desordem fiscal, inclusive, é o que embasa o pedido de impeachment da petista. Na segunda-feira 27, uma perícia feita a pedido do Senado Federal conclui que três dos quatro decretos de crédito, que são alvos da denúncia contra Dilma, eram “incompatíveis” com a meta fiscal do ano passado. Para não ferir a lei, o governo deveria ter pedido autorização para o Congresso Nacional. A favor da presidente afastada, a perícia constatou que as pedaladas fiscais (uso de banco público para pagar despesas do Tesouro Nacional) não tiveram ação direta de Dilma.
Nos próximos dias, a equipe econômica vai anunciar a meta fiscal de 2017, que deverá ter um rombo menor do que os R$ 170 bilhões previstos para esse ano. “Todos trabalham na mesma direção”, afirmou Goldfajn, se referindo ao BC e à equipe econômica. Para o setor produtivo, ao se colocar numa balança os fatores favoráveis e contrários ao combate da inflação, o resultado final é favorável ao controle dos preços, asfaltando o terreno para a queda dos juros. “O Brasil precisa retomar rapidamente a rota do crescimento econômico. Já temos mais de 11 milhões de desempregados”, afirma Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). “Ao propor a manutenção da Selic, o BC erra e cria mais um impedimento à retomada do crescimento e à criação de empregos.”
Para o mercado financeiro, Goldfajn e os seus diretores reúnem credibilidade suficiente reduzir a inflação sem precisar manter os juros nas alturas. Na quinta-feira 30, o Conselho Monetário Nacional (CMN) definiu que a meta para 2018 será a mesma de 2017: alvo de 4,5% com tolerância de 1,5 ponto percentual para cima e para baixo. Se cumprida, será um enorme avanço em relação aos últimos anos. A esperança é de que Ilan Goldfajn, assim como o João da fábula, seja o vencedor ao final.