21/10/2011 - 21:00
Paulo Zegna, o sobrenome lendário no mundo das roupas e herdeiro do império, abriu um largo sorriso quando uma delegação de 140 empresários brasileiros foi gentilmente intimada a comprar mais artigos de sua grife nas lojas da via Condotti e vizinhança. A proposta foi feita dias atrás, em plena Roma, durante um animado convescote comercial comandado pelo mentor da caravana, João Doria Jr. “Agora vamos todos, ao sair daqui, adquirir um Zegna e movimentar a economia local”, disse Doria em tom descontraído para encanto de Zegna. Imagine para uma marca italiana, que vive o apogeu da crise econômica em seu país, como pode ter caído bem a ideia de ter aquele seleto grupo de consumidores tomando conta de seus balcões, mesmo que por meras horas, atrás dos blazers, sapatos e camisas que fizeram fama mundo afora? Um marketing valioso! É bem verdade que Doria e o séquito de empreendedores que o acompanhava não estavam ali apenas por algo tão prosaico como a compra de peças de vestuário para o guarda-roupa – muito embora a escala sugerida pelo anfitrião tenha sido seguida à risca por vários deles.
Desembarque em Roma: delegação recorde na chegada para o Meeting
A delegação, a maior do tipo já organizada até então – com o peso de presidentes de companhias como TAM, Amil, Fiat Brasil, Arteb, MAN Latin American e Zurich –, desembarcou na capital italiana naquele início de outubro com objetivos ambiciosos. Durante a manhã da sexta-feira 7, galvanizou as atenções no seminário Relações Econômicas e Integração Brasil-Itália e terminou a noite num jantar triunfal, digno de desbravadores, no cenário renascentista do Palazzo Colonna. Tratou de oportunidades de negócios, de eventuais jointventures, do socorro financeiro ao aliado e muitos dos presentes cogitaram até a participação nas privatizações do mercado europeu, comprando empresas públicas que viraram pechinchas frente à derrocada do euro. As cifras no caso podem ir ao patamar dos bilhões.
Paulo Zegna, da Confindustria, e João Doria, do LIDE: negociações em busca
da construção de uma parceria comercial mais duradoura e rentável entre Brasil e Itália
“Historicamente, o Brasil sempre fez parte do problema e agora se tornou parte da solução”, disse um entusiasmado Luiz Fernando Furlan, ex-ministro do Desenvolvimento, conselheiro da gigante de alimentos BR Foods e também presidente do LIDE Internacional, o braço externo da tentacular ONG industrial criada por Doria que conta atualmente com mais de 40% do PIB entre os associados. “De repente, a força e o caixa das empresas brasileiras, unidos ao câmbio, tornaram a compra de empresas europeias um negócio acessível”, afirmou Furlan. Os brasileiros estavam impossíveis na sede por conquistas e na contagem de seus feitos. A subsidiária Fiat, que já lucra mais que a matriz italiana e contribui com 30% do faturamento global da montadora, confirmou que até 2014 irá alocar cerca de R$ 10 bilhões em investimentos no mercado interno, dos quais R$ 4 bilhões em uma nova fábrica em Pernambuco.
A promessa foi feita por seu presidente, Cledorvino Belini. “Mais um pouco e sua matriz será no Brasil”, avaliou o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Aloizio Mercadante. “Há uma mudança no padrão industrial”, avisou o ministro da Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, num claro recado aos italianos – e ao resto do mundo – para que estejam preparados para o avanço de emergentes do bloco asiático e latino, como o Brasil. Quatro governadores – Jaques Wagner, da Bahia, Eduardo Campos, de Pernambuco, Marconi Perillo, de Goiás, e Marcelo Déda, de Sergipe – seguiram na comitiva e fizeram as vezes de mascates de oportunidades. Campos mostrou que a taxa de crescimento do PIB pernambucano nos últimos tempos foi mais que o dobro da média nacional e convidou os italianos a surfar nessa onda.
Jantar de gala no Palazzo Colonna: cenário renascentista na noite da sexta-feira 7,
coroa os resultados da missão comercial de CEOs brasileiros
Evocou os investimentos de US$ 1 bilhão no polo naval de Suape, de US$ 3 bilhões no sítio do Estaleiro Atlântico Sul e de US$ 13 bilhões numa nova refinaria de petróleo, além da ampliação dos parques siderúrgico e petroquímico no Estado. Wagner tratou das vendas da Bahia para a Itália, que totalizaram US$ 320,8 milhões entre janeiro e agosto deste ano. Abordou o plano de desembolsos de R$ 20 bilhões no Estado para a área ferroviária e de R$ 18,1 bilhões para o setor portuário. Perillo e Déda não fizeram por menos. O primeiro disse que o seu Estado terá o segundo maior polo tecnológico do Brasil. O outro alardeou os avanços no campo da energia eólica, do etanol e de fertilizantes. Quem ouviu – entre os quais 250 representantes empresariais italianos vinculados à sisuda Confindustria, espécie de Fiesp local – ficou impressionado.
Governadores (esq.), Furlan (centro) e Campos: apresentam o Brasil e seu potencial de investimentos como uma das saídas para a crise econômica europeia
“Há uma grande onda de empresas italianas interessadas no Brasil e temos um patrimônio de cinco milhões de pequenas e médias companhias com potencial para receber investimento”, disse o embaixador da Itália no Brasil, Gherardo La Francesca. Pretendemos ser um parceiro a estimular a cooperação europeia, pois a solução para a crise passa pelo Brasil”, respondeu seu colega embaixador do Brasil na Itália, José Viegas Filho, quase a lembrar que as duas economias marcham hoje em velocidades distintas. Mas de que crise, na prática, está se falando em se tratando desse parceiro bilateral? A Itália amarga hoje uma dívida que já representa 120% do PIB. As agências de classificação de risco rebaixaram recentemente sua nota dificultando ainda mais a atração de capitais. Um pacote de austeridade de 45 bilhões de euros está em curso no país, incluindo aumento de impostos, corte de gastos estatais, fim dos feriados, além da venda das empresas sob controle do governo.
Belini, da Fiat: confirmação de R$ 10 bilhões em investimentos, inclusive com nova fábrica até 2014
Para completar, as ruas da capital italiana e mesmo das mais remotas cidadelas foram tomadas nos últimos dias por protestos ensandecidos de trabalhadores. Roma ardeu literalmente em chamas no sábado 15, com direito a quebra-quebra, mais de uma centena de feridos e conflitos com policiais. A escalada da tensão político-econômica é notória. Nesse quadro, a apresentação do Brasil como alternativa de saída mostra-se altamente promissora. O Brasil já contribuiu para o incremento da pauta comercial do parceiro. “A Itália superou a França e se tornou o segundo maior fornecedor europeu para o mercado brasileiro, graças ao movimento das grandes companhias. Agora o desafio é estabelecer aí uma presença mais estruturada de nossas pequenas e médias empresas”, apontou Zegna, na condição de vice-presidente da Confindustria. Em números, o intercâmbio Brasil-Itália registrou expansão de 33% nos últimos meses.
Nesse corredor comercial, no período de janeiro a julho deste ano, a soma de negócios passou dos US$ 6,5 bilhões. Do total, cerca de US$ 3,4 bilhões são importações brasileiras da Itália. Os outros US$ 3,1 bilhões vão pela via contrária das exportações. Uma radiografia elaborada pela embaixada da Itália no Brasil revelou a existência de 585 companhias italianas nesse mercado, dos quais 286 no comércio e 201 na indústria. Uma concentração setorial que os italianos querem, daqui para a frente, quebrar. Na via de mão-dupla, o plano italiano é ampliar o leque de fornecedores e vendedores de produtos para o Brasil. A invasão se daria agora na escala dos pequenos e médios fabricantes locais. Com esse apetite, tanto os italianos como os brasileiros imaginam dobrar em três anos a pauta comercial no corredor de mercadorias entre os dois países.
Viegas e La Francesca (à esq.), Mercadante, Pimentel e Doria: cinco milhões de empresas italianas
como alvo e mudança de padrão industrial liderada pelos emergentes