22/08/2014 - 20:00
Nos últimos anos, foi o crédito farto oferecido pelos bancos que sustentou o consumo de bens duráveis, automóveis e até a compra da casa própria. O volume de empréstimos em relação ao PIB saltou de quase 41% em janeiro de 2009 para 56% no fim do ano passado. Neste ano, porém, esse modelo começou a dar sinais de esgotamento. Embora ainda mostrem uma alta de 12% no semestre, os financiamentos de pessoas físicas vêm desacelerando mês a mês. Em junho, recuaram 2,2% em relação a maio e ficaram ainda mais distantes dos percentuais observados nos tempos de crédito farto, quando ultrapassavam 20%.
Num cenário de investimentos privados enfraquecidos pela falta de confiança, o governo voltou a apostar no consumo como motor do crescimento. “Vamos irrigar a economia”, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, na quarta-feira 20, em Brasília. A primeira providência foi tomada pelo Banco Central, que alterou os requerimentos de capital dos bancos – as garantias contra inadimplência – e permitiu que parte dos depósitos compulsórios junto ao BC fosse direcionada aos empréstimos.
As duas mudanças devem liberar R$ 25 bilhões para os consumidores. Já as medidas da Fazenda buscam fomentar os financiamentos para compra de veículos e imóveis, além do crédito consignado – justamente os mercados que mais sofreram com o maior rigor dos bancos nas operações. Para estimular a venda de veículos, que caiu 7,56% no semestre, o governo vai enviar uma medida provisória ao Congresso para alterar o formato dos contratos de crédito na categoria, que permitirá a retomada imediata do bem em caso de inadiplência.
No acumulado de 12 meses até junho, o financiamento de veículos cresceu apenas 3,8%. Na variação sobre maio, houve queda de 10,9%. Por isso, o pacote foi elogiado pelo presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan. “As medidas premiam o adimplente, ao contrário do marco regulatório anterior, que beneficia o inadimplente.” Essas mudanças eram reivindicações antigas dos bancos. Eles argumentavam que uma retomada mais rápida de bens com pagamento em atraso reduziria as taxas de juros e aumentaria a aprovação dos empréstimos.
Embora estivesse em discussão há alguns anos, a alteração só saiu agora, em meio à corrida eleitoral e uma semana antes da divulgação do PIB do segundo trimestre, na sexta-feira 29. No mercado, a expectativa é que o resultado seja negativo e aponte para uma recessão técnica e um crescimento inferior a 1% para este ano. O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal, acredita que as medidas surtirão o efeito desejado.
“No médio e longo prazo, contribuirão para ampliar a oferta de crédito e reduzir seu custo”, diz Portugal. “No curto prazo, terão efeito positivo para a melhora das expectativas e da confiança dos agentes econômicos.” Outro setor que perdeu força e agora deve ser estimulado é o imobiliário. Para aumentar o mercado de títulos ligados ao segmento, o governo está criando o covered bond, um título imobiliário com dupla garantia, já que os recursos que lastreiam o papel ficam contabilizados à parte no balanço da instituição.
Baseado nas Letras de Crédito Imobiliário (LCI) já existentes,
o título terá isenção de Imposto de Renda e pode captar R$ 100 bilhões, atraindo inclusive investidores estrangeiros, estima Mantega. O governo também facilitou a obtenção de documentos na transferência de imóveis, centralizando em apenas um cartório de registro todas as possíveis pendências judiciais do bem. Além disso, vai permitir que os bancos usem até 3% do saldo da poupança para financiamentos utilizando o imóvel quitado como garantia. Medidas como essa não afastam o pibinho do cenário de curto prazo, mas certamente melhoram o ambiente regulatório e terão efeitos benéficos ao País em longo prazo.