Em mais de 40 anos de vida pública, o deputado Paulo Maluf (PP-SP) acumulou ao menos cinco acusações de corrupção em passagens por cargos como o de prefeito de São Paulo e secretário estadual de Transportes. Já foi citado em escândalo de compra superfaturada de frangos, chegou a ser preso, procurado pela polícia internacional (Interpol) e esteve próximo de ser barrado pela Lei da Ficha Limpa. Como ele próprio reconhece, um dos bordões mais usados por adversários em sua referência ao longo de sua carreira é o “rouba, mas faz.”

Na terça-feira 5, uma surpreendente inversão de papéis subverteu a lógica da política tradicional colocando o deputado paulista na posição de acusador. Maluf denunciou a falta de decoro do governo federal em negociatas de cargos para barrar o impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados. Membro da comissão especial que analisa o processo de impedimento, Maluf contrariou a decisão do partido de permanecer na base de apoio do governo e declarou voto a favor da cassação. “Sou contra essas negociatas que o governo está fazendo com deputados”, afirmou.

“Minha vida pública sempre foi o oposto disso.” Na segunda-feira 11, serão conhecidos os votos dos outros 64 membros do colegiado. A expectativa é que a maioria aprove o parecer do relator pelo afastamento. Em seguida, o processo vai a plenário, onde são necessários ao menos 342, dos 512 votos para a aprovação. Se avalizado, segue ao Senado, onde se dará o julgamento de fato. Em seu parecer, o deputado Jovair Arantes (PTB-GO), relator do processo, lembrou que a avaliação da Câmara se restringe a analisar se há “indícios mínimos” de infrações que permitam aceitar a tese, cabendo ao Senado, “instância julgadora, a instrução probatória.”

Arantes, um dentista no sexto mandato de deputado e fiél aliado do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), indicou haver indícios gravíssimos de prática dolosa da presidente em condutas que atentam contra a Constituição. Nas 128 páginas, usou a palavra “político” 41 vezes – “jurídico” apareceu 38 vezes – , num esforço para mostrar que o processo não se restringe a uma mera análise da lei, como no Direito, mas é uma avaliação de todo o contexto sócio-político. Agora, portanto, é oficial: todo o País paralisa suas atividades para assistir ao desenrolar do processo em Brasília.

Dilma fica ou sai? O impeachment vem sendo apoiado por um número cada vez maior de entidades empresariais, como forma de antecipar o fim da crise política que tomou o País e arrasou as esperanças na economia. A avaliação é de que o afastamento seria a forma mais rápida em relação à outra alternativa possível: a cassação no Tribunal Superior Eleitoral. “Fica cada vez mais claro que a presidente não tem mais a autoridade política para liderar o processo de reformas nem a capacidade de voltar a unir os brasileiros”, afirmou a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), ao anunciar apoio ao impeachment, na quarta-feira 6.

Na visão de empresários e do mercado, um governo de Michel Temer (PMDB-SP) teria mais chances de provocar uma virada nas expectativas com a aprovação de reformas que ajudariam dar um norte para destravar a atividade. Nas contas dos analistas, as previsões para o próximo ano se invertem de PIB negativo para positivo num cenário de impeachment. Embora as ofensivas no varejo da política, com uma intensa troca de cargos, exerçam pressão para conter o apoio à cassação de Dilma, há fatores imponderáveis no caminho, como o peso das manifestações e a Operação Lava Jato.

Trechos da delação de executivos da construtora Andrade Gutierrez que vieram a público na última semana sugerem o uso de dinheiro de propina na campanha petista de 2014. No cenário mais otimista, o afastamento da presidente poderia se dar já no início de abril, com a admissão da denúncia em votação no Senado. Mas há uma enorme margem para judicialização em todas as etapas, o que pode atrasar o processo. “A defesa tentará usar o judiciário a seu favor, como um segundo round do processo”, afirma Rubens Glezer, professor de Direito da FGV.

“Do ponto de vista da defesa, sempre será interessante um prolongamento do processo, para resfriar os ânimos.” O jogo do impeachment vem ficando mais cada vez mais complexo com as investidas dos principais atores envolvidos. Na terça-feira 5, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, determinou que Cunha dê andamento ao processo de impeachment de Michel Temer. O vice-presidente ironizou a decisão dizendo que deveria voltar ao primeiro ano da faculdade de Direito.

“Isto me agride profissional e moralmente.” O próprio PMDB, então principal aliado do governo e artífice do desembarque, é hoje um retrato do embolo envolvido na tramitação do processo de impedimento. Para se preservar, Temer se afastou da presidência do partido, transferindo-a ao senador Romero Jucá (PMDB-RR). Jucá cobrou a expulsão da senadora Katia Abreu e do deputado Celso Pansera, que desobedeceram a decisão da sigla ao manter seus cargos de ministros.

Na confusão interna, Cunha é outro fator de instabilidade. Em meio a novas denúncias, o presidente da Câmara manobra para tentar se manter no cargo, retardar seu processo de cassação no Conselho de Ética e conduzir as etapas do impeachment. Praticamente alheio às movimentações partidárias, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), passou a encampar uma terceira ideia no jogo, a de antecipar o pleito de 2018 para outubro, junto com as eleições para prefeito.

A proposta foi apresentada pela ex-senadora Marina Silva, da Rede, e pelo senador Valdir Raupp (PMDB-RO), como uma solução para colocar fim à crise sem o risco de questionamentos quanto a sua legitimidade. No entanto, a alternativa é considerada praticamente inviável. Na terça-feira 5, a presidente Dilma Rousseff refutou a hipótese, assim como fizera com os reiterados pedidos para sua renúncia. “Convence a Câmara e o Senado de abrirem mão dos seus mandatos e aí vem conversar comigo”, afirmou a presidente. Em Brasília, sobram propostas, mas faltam consenso, liderança, gestão e compromisso.

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