14/11/2014 - 15:00
Saraiva, de acordo com o próprio dicionário da Saraiva, significa “chuva de pedra”. É uma palavra que sintetiza bem o momento atual da maior livraria do Brasil em receita, que faturou R$ 2,1 bilhões em 2013. No ano passado, a empresa lucrou R$ 14 milhões, uma queda de 82% em relação a 2012. Para piorar, no terceiro trimestre de 2014, o balanço terminou no vermelho, com um prejuízo de R$ 29,1 milhões. Nos nove primeiros meses, as perdas chegam a R$ 17,1 milhões. Esses números, nada vistosos, estão por trás da queda do executivo Michel Levy, que ficou apenas um ano à frente da operação da Saraiva, que completa 100 anos em dezembro.
Em seu lugar, assume Jorge Saraiva Neto, 30 anos, neto do fundador da companhia e membro do conselho de administração desde 2006. A saída de Levy, ex-executivo da Microsoft e sem experiência anterior no ramo editorial, era de certa forma esperada pelo mercado. O anúncio de sua contratação, no ano passado, veio acompanhado de um comunicado informando que compartilharia com Jorge Saraiva Neto a gestão e a liderança da Saraiva. Mas a queda repentina de Levy pegou a todos de surpresa. “Seria normal que Michel fosse para o conselho de administração em breve”, diz uma fonte ouvida por DINHEIRO.
“Ele não tinha traquejo para o segmento de livros, que ainda é a mais importante fonte de receita.” De acordo com esse interlocutor, os resultados fracos fizeram com que os conselheiros sinalizassem ao mercado de que haveria mudanças. Mas a saída surpreendente de Levy fez com que as ações preferenciais da Saraiva caíssem 12,5% na segunda-feira 10, primeiro dia após o anúncio do afastamento do executivo. Neste ano, o papel acumula perdas de 56,5%, uma das maiores desvalorizações entre as empresas cotadas na Bovespa em 2014. Seu valor de mercado atual é de R$ 337,5 milhões, um terço do R$ 1,1 bilhão registrado em 2010.
A missão de Jorginho, como é chamado o novo CEO da Saraiva, é acelerar a transição das 114 lojas da rede de livrarias em direção ao mundo digital. Ao mesmo tempo, ele terá de combater novos competidores de peso que surgem no horizonte, como a americana Amazon. Acionistas ouvidos por DINHEIRO acreditam que Levy cumpriu a tarefa de injetar o DNA tecnológico na empresa. “A Saraiva estava no meio de uma reestruturação em que a operação online foi toda remodelada”, diz Fernando Camargo Luiz, sócio do fundo de investimento Trópico, detentor de uma participação de 7,5% na companhia.
Em setembro deste ano, uma nova plataforma de e-commerce entrou em operação. Além disso, foi firmada uma parceria com o Walmart.com, na qual a experiência de compra é realizada no site da varejista americana, mas a disponibilidade dos produtos e o processo logístico são de responsabilidade da Saraiva. DINHEIRO apurou que há negociações para ampliar a parceria. Levy coordenou também o lançamento do leitor de livro digital Lev, em parceria com a francesa Bookeen, em agosto deste ano. Todas essas iniciativas fazem parte do projeto batizado de “Novos cem anos”, que incluiu também a renovação de pessoal.
“Ao longo desse processo de mudanças, quem tomou as decisões mais difíceis foi o Jorginho”, afirma Marcelo Audi, sócio da gestora de investimentos Cardinal Partners, dona de uma fatia minoritária da Saraiva e que cogita aumentar sua participação. Nos últimos tempos, houve intensa troca no quadro de funcionários. Gestores antigos de algumas das lojas da rede foram substituídos. A primeira e notória substituição no alto escalão foi a de José Luiz Próspero, que após 37 anos na empresa deixou a presidência da editora, em abril de 2013. Desde então, houve uma aceleração na integração da editora com as livrarias.
Antes, fazia sucesso entre os profissionais do ramo a piada que dizia que o lugar mais difícil de achar os livros da Saraiva era nas lojas da Saraiva. Outra mudança foi a saída de João Luís Ramos Hopp, diretor de relações com os investidores, em agosto deste ano, que estava há 24 anos na empresa. Saraiva Neto passou a acumular a função. “Pragmatismo para tomar decisões difíceis ele tem. A dúvida é se sua pouca experiência vai influenciar nesse momento de transição”, afirmou uma pessoa próxima ao herdeiro desse império de papel. Procurado, Saraiva Neto não concedeu entrevista à DINHEIRO.