23/01/2013 - 21:00
Em qualquer cidade americana, comprar uma metralhadora israelense Uzi, um fuzil russo AK-45 ou um lançador de granadas XM-25 é tão fácil e rápido quanto adquirir um videogame Xbox 360, da Microsoft. Basta apresentar o documento de identidade e um cartão de crédito para sair às ruas armado. Na cidade de Little Rock, capital do Estado de Arkansas, a loja de eletrônicos Best Buy está localizada, inclusive, ao lado da tradicional Hyatt Gun Shop, na principal avenida da cidade. Quem preferir mais discrição pode ainda escolher o modelo pela internet e pedir que entregue em casa, sem burocracia e questionamentos a respeito da finalidade da aquisição.
Horror doméstico: parente de uma das vítimas do massacre de Newtown,
em dezembro, se desespera ao saber que 20 crianças
foram mortas dentro da escola
Toda essa facilidade para adquirir armas pode estar com os dias contados caso a proposta apresentada pelo presidente americano Barack Obama seja aprovada pelo Congresso dos EUA. O pacote, anunciado na quarta-feira 16, inclui 23 medidas para endurecer o controle sobre o porte de armas. Entre elas, estão a proibição de venda de rifles de assalto, capazes de atirar 700 balas por minuto, e exigência de antecedentes criminais e laudo de saúde mental dos portadores (saiba mais no quadro abaixo). O livre acesso a todo tipo de armas de fogo, garantido pela Segunda Emenda da Constituição americana, sob a ótica de defesa da liberdade individual, é apontado como a principal razão para o aumento dos casos de massacres em escolas e locais públicos nos EUA.
O último episódio, em dezembro de 2012, resultou na morte de 20 crianças e seis adultos, em um colégio de Newtown, em Connecticut. A decisão de Obama foi precedida pelo endurecimento das normas de compras de armas do Estado de Nova York. A lei nova iorquina proíbe a aquisição de fuzis de assalto, limita o uso de pentes com no máximo sete balas e obriga que sejam checados os antecedentes de todos os compradores de armas. “Estamos reagindo com prudência e inteligência”, disse Andrew Cuomo, governador do Estado. Tanto Cuomo, como o presidente dos Estados Unidos, no entanto, enfrentarão uma batalha de proporções homéricas para vencer o poderoso lobby da indústria armamentista americana.
Apoio popular: o presidente Barack Obama estava acompanhado por crianças ao anunciar
seu plano de restrição ao porte de armas de guerra a civis americanos
Pouco antes de Obama anunciar as medidas restritivas ao porte de arma, a Associação Nacional de Rifles divulgou um vídeo na internet em que usava suas duas filhas para atacar a proposta. “As filhas do presidente são mais importantes do que as suas?”, questionava a peça. “Obama está colocando a mão em um vespeiro”, afirma Bruno Langeani, coordenador da área de controle de armas do Instituto Sou da Paz. “Mas a decisão é necessária porque o controle de armas está diretamente relacionado à melhoria dos índices de violência urbana, como ocorreu no Brasil, desde a implementação do Estatuto do Desarmamento, em 2004.”
A mudança de postura do governo americano em relação ao porte de armas terá impacto na indústria bélica brasileira. A cada quadro revólveres vendidos nos Estados Unidos, um é fabricado pela gaúcha Taurus. A relevância do Brasil no mercado de armas americano reflete a posição do País também no restante do mundo. Atualmente, os fabricantes brasileiros ocupam a quarta posição no ranking mundial dos maiores exportadores de armas leves, com 250 mil unidades por ano, sem contar cartuchos, balas, bombas, granadas e fuzis e metralhadoras de guerra. Três empresas concentram quase 90% da fabricação: Taurus, CBC e a estatal Imbel, fornecedora das Forças Armadas.
O Instituto Internacional de Pesquisas para a Paz de Estocolmo (Sipri) calcula que, em 2010 (último ano disponível), a indústria armamentista mundial faturou US$ 1,6 trilhão, valor 50% acima do obtido em 2000. No Brasil, o quarto maior fabricante de armas de fogo no mundo, atrás de Estados Unidos, Alemanha e Itália, as vendas das 32 empresas que compõem esse setor atingiram R$ 1,8 bilhão em 2010, de acordo com dados do IBGE, três vezes a mais que em 2005. O cerco americano à farra das vendas de armas de fogo tende a mudar o comportamento de outros países. “Esse comércio é um negócio letal, sem regulação e alimentado por milícias”, afirma Louis Belanger, da organização internacional Oxfam, que monitora transferências e o impacto do comércio de armas mundial.