26/06/2015 - 19:30
A tragédia como a conhecemos, surgiu na Grécia no ano 530 antes de Cristo, mas seu ato mais recente ainda está sendo encenado. O clímax está marcado para o dia 30 de junho. Nessa data, o governo grego terá de pagar € 1,5 bilhão (R$ 5,2 bilhões) em um empréstimo ao Fundo Monetário Internacional (FMI). É pouco diante dos € 240 bilhões (R$ 832 bilhões) devidos aos credores, que incluem, ainda, o Banco Central Europeu (BCE), bancos privados e investidores. Mesmo assim, há uma grande probabilidade de calote, algo inédito na Zona do Euro.
Se não fechar um acordo, o governo grego pode romper com os organismos econômicos europeus. Na noite da quarta-feira 24, o primeiro-ministro Aléxis Tsipras viajou inesperadamente para Bruxelas para reunir-se com as autoridades econômicas da União Européia (EU) e com Christine Lagarde, diretora gerente do FMI. Na manhã da quinta-feira 25, chegou-se a um impasse. FMI, BCE e EU insistem na receita clássica: corte de benefícios sociais e aumento de impostos, apertando a já combalida economia grega, algo defendido pelo ministro das Finanças alemão Wolfgang Schauble e rejeitado veementemente pelo colega Yanis Varoufakis.
Um calote terá consequências imprevisíveis para os mercados globais. A dívida externa da Grécia equivale a 166% do seu Produto Interno Bruto (PIB). Boa parte desses títulos está nos livros do FMI e do BCE, mas uma parcela razoável permanece junto a credores privados. Em meados de junho, a seguradora alemã Allianz informou ao mercado possuir € 2,1 bilhões (R$ 7,3 bilhões) em títulos gregos, e que lançaria esses papéis na conta das perdas em caso de não pagamento. Para os analistas, um calote poderá provocar uma corrida aos bancos gregos, forçando o país a impor controles de capital e a, na prática, cortar os laços com a comunidade internacional, mandando a economia ao Hades, o mitológico inferno dos tempos heróicos.
Essa tragédia vem sendo encenada há quase duas décadas. Os problemas se agravam desde meados dos anos 1990, quando a Europa começou a costura para uma moeda única. Uma das exigências foi o equilíbrio das contas públicas, um problema para Atenas. A Grécia é pouco competitiva e depende do turismo e da agricultura para pagar suas contas. Para piorar, governos irresponsáveis tentaram sistematicamente implantar benefícios incompatíveis com a economia local. Basta um exemplo: um grego pode se aposentar aos 55 anos. Um alemão, que vive num país bem mais próspero, trabalha até os 67.
Depois da crise de 2008, a Grécia foi submetida a um aperto constante. Um programa de socorro costurado com as autoridades européias, em 2010, implica em pagamentos mensais e na redução dos salários e investimentos públicos, além do aumento dos impostos. Os resultados foram devastadores. A economia encolhe sistematicamente e o desemprego atinge 50% entre os jovens entre 18 e 25 anos. Nesse caldo de cultura, em que os protestos contra a austeridade se multiplicam, os eleitores apoiaram maciçamente Tsipras. Seu partido, o Syriza, defendeu reduzir juros, alongar os prazos da dívida e relaxar a exigência de um superávit primário de 4% do PIB.
Mesmo assim, a primeira-ministra Angela Merkel, líder da linha dura contra a Grécia, tem sido inflexível na defesa da austeridade fiscal. Para os especialistas, os riscos associados a uma saída grega do euro têm sido minimizados pelos políticos. “Os europeus querem vender a ideia de que a saída da Grécia seria educativa”, diz Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da corretora paulista TOV. “O problema é que, se a Grécia abandonar o euro, essa hipótese passa a ser aplicada a qualquer país em dificuldades, o que fará com que a percepção de risco de suas dívidas se eleve novamente.”
Segundo Silveira, o caso atual guarda algumas semelhanças com o que ocorreu em setembro de 2008, com a falência do banco americano de investimentos Lehman Brothers. Na época, o Federal Reserve acreditava que deixar o Lehman quebrar seria algo educativo para o mercado, pois reduziria a disposição dos bancos em assumir riscos. “O resultado dessa postura custou US$ 2 trilhões aos contribuintes americanos e deixou milhões de pessoas desempregadas”, diz Silveira.
Apesar de os vínculos entre Grécia e Brasil serem mínimos, a desconfiança no mercado poderia pressionar o dólar para cima por aqui, devido a uma contração adicional na predisposição dos investidores internacionais para buscar mercados emergentes. “Haveria, pelo menos em um primeiro momento, uma fuga para a qualidade”, diz o economista Fernando Costa. “O Brasil está em uma situação incomparavelmente melhor, mas mesmo assim haveria alguns solavancos no mercado.”