Daniel Sibina, corretor imobiliário no bairro de Pobleneu, em Barcelona, é um homem de sorte. Escapou da estatística de 20% de desemprego que aflige a população espanhola e se mantém no setor mais atingido pela crise. 

Sibina vende lofts no projeto Pasatge Del Sucre, que subdividiu as instalações de uma antiga fábrica em 28 unidades residenciais. Desde que a construtora terminou a obra, em maio do ano passado, só vendeu dez dos 28 apartamentos, depois de reduzir o preço original de e 600 mil para e 450 mil. 

 

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A renda do corretor de 31 anos caiu. “Quando eu trabalhava numa imobiliária, antes da crise, vendia dois ou três apartamentos por mês. Hoje fico feliz se vender um”, afirma Sibina.

 

A bolha imobiliária espanhola guarda semelhanças com a americana, mas suas consequências vêm se arrastando por mais tempo. As caixas de poupança regionais são as maiores detentoras dos créditos ruins e resistem em reconhecer rapidamente as perdas de valor dos imóveis, como ocorreu nos Estados Unidos. 

 

A reforma do sistema financeiro do país está ocorrendo em meio a uma longa negociação política. As cajas, como são conhecidas, são instituições arraigadas nas regiões espanholas, comparáveis ao que eram os bancos estaduais no Brasil até a década de 1990. Têm quadros inchados, entre outras mazelas.

 

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Desde o início do ano, o governo do presidente José Luiz Rodríguez Zapatero tenta convencer o mercado financeiro de que o país conseguirá sair sozinho da crise, sem recorrer à ajuda da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI), como foram obrigadas a fazer Grécia e Irlanda. 

 

Conseguiu aprovar medidas de austeridade, como reforma previdenciária e reestruturação do sistema bancário. Na quinta-feira 10, a agência de risco de crédito Moody’s rebaixou a nota da Espanha de Aa1 para Aa2 diante do temor de que o custo de capitalização dos bancos “exceda consideravelmente” as previsões do governo, o que acarretaria um crescimento da dívida pública maior que o esperado. 

 

O vizinho Portugal já está sob ataque especulativo. O Banco Central Europeu (BCE) vem intervindo nos leilões da dívida pública portuguesa para evitar a disparada dos custos dos papéis. 

 

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A corrente otimista no mercado financeiro aponta que a Espanha tem uma proporção de dívida pública em relação ao PIB bem menor que a portuguesa (ver quadro). “O restante da Europa tentará evitar a todo custo um resgate da Espanha, para não permitir  que o contágio se alastre para outros países vulneráveis, como Itália e Bélgica, numa profecia autorrealizável”, disse o economista-chefe para a Europa da Nomura Securities, Peter Westaway, em entrevista à DINHEIRO. 

 

O tamanho do rombo no sistema bancário será decisivo para determinar se a Espanha precisará ou não de um resgate, dado o impacto do socorro nas finanças públicas. Até agora, o governo destinou 15 bilhões de euros à capitalização das instituições, em oito fusões entre as cajas regionais. 

 

O último negócio anunciado foi entre a  Caja España-Duero e o grupo Mare Nostrum. Em uma visita recente ao Oriente Médio, o presidente Zapatero recebeu promessas de investimentos dos Emirados Árabes e Catar nas cajas espanholas.  

 

Pelas regras da reforma bancária, as caixas terão duas opções: aumentar seu capital mínimo para 10% dos ativos totais (que incluem empréstimos e títulos) ou vender ações em bolsa e atender a uma exigência mais branda de capital, de 8%. 

 

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As instituições que não conseguirem os recursos e se recusarem a abrir o capital terão de aceitar a intervenção de um fundo estatal criado especificamente para os aportes. O Fundo de Reestruturação Ordenada Bancária (Frob) pode forçar fusões e demitir funcionários. 

 

O governo estima que os bancos precisem de apenas mais 

e 20 bilhões. Mas, segundo o mercado financeiro, as cifras necessárias são muito maiores.Westaway, da Nomura, acredita que o valor real fique entre 60 bilhões e 80 bilhões de euros. 

 

O economista independente Edward Hugh lembra que as perdas com crédito habitacional podem disparar quando o BC tiver de aumentar os juros para conter as pressões inflacionárias em toda a região. “Esses números, por enquanto, são chutes”, diz o economista inglês, baseado em Barcelona. 

 

“Cerca de 85% dos empréstimos imobiliários na Espanha são vinculados a taxas flutuantes.” Segundo Hugh, o nível de inadimplência pode crescer muito, considerando que a taxa básica é de apenas 1% hoje. “Qualquer pequeno aumento terá um impacto relevante”, afirma.

 

Ainda que a Espanha se recupere da crise sem a necessidade de ajuda da União Europeia, terá que conviver com o desemprego elevado por um bom tempo. O mercado de trabalho continua sendo um dos mais rígidos da Europa. 

 

As reformas aprovadas no ano passado mexeram em detalhes, reduzindo o valor de indenizações pagas a funcionários demitidos sem justa causa e mudando razões consideradas justas para demitir, como a dificuldade de uma empresa. 

 

Uma manifestação durante um evento de telecomunicações em Barcelona, em meados de fevereiro, demonstra as peculiaridades do mercado de trabalho espanhol. Dezenas de trabalhadores da operadora de celulares Movistar protestavam contra a demissão de apenas dois funcionários. 

 

Ambos perderam o emprego por ter tirado longas licenças por problemas de saúde.“Essa foi uma das mudanças da lei de Zapatero, que está reduzindo os direitos dos trabalhadores”, disse à DINHEIRO o sindicalista Laurentino González, que liderava a manifestação.

 

A extrema dificuldade em demitir trabalhadores é uma das explicações estruturais da alta taxa de desocupação no país. “O desemprego vai continuar alto por um bom tempo”, diz Westaway, que prevê taxas de 18,8% no ano que vem. Além disso, havia um excesso de vagas nas indústrias de construção civil e imobiliária, o que dificulta a retomada em meio à crise. 

 

A situação é especialmente grave para os jovens. Os índices de desemprego crescem em proporção inversa à idade, atingindo extraordinários 43% para pessoas abaixo dos 25 anos.  

 

O administrador de empresas Xavier Mir  está em “paro”, como os espanhóis chamam o desemprego, há oito meses. Numa manhã de fevereiro, tentava renovar o recebimento do seguro de e 423 mensais numa repartição do governo da Catalunha no centro de Barcelona. 

 

“O único emprego que consegui foi de operador de telemarketing”, disse. “Aguentei só três dias.” Mir vive com a namorada, que está trabalhando, mas tem muitos amigos na casa dos 30 anos que não deixaram a casa dos pais. 

 

“As pessoas estudam muito tempo e não encontram nada depois”, afirma Mir. Muitos jovens espanhóis têm encontrado a imigração como saída. Um dos destinos é a Alemanha, que tem 8% de desemprego entre os jovens.

 

Não apenas os desempregados procuram fugir da crise em casa. As maiores empresas espanholas que têm grandes investimentos na América Latina vêm apresentando melhores resultados e reforçando suas apostas na região.  

 

No Santander, o lucro da subsidiária  brasileira cresceu 34% no ano passado, para R$ 7,4 bilhões, enquanto o lucro global do grupo caiu 8,5%, para e 8,2 bilhões (R$ 18,9 bilhões). 

 

Já a Telefónica anunciou pagamento de dividendo recorde a seus acionistas: nada menos que 7,3 bilhões de euros. O melhor desempenho na região tem estimulado os grupos espanhóis a sair às compras. No final de janeiro, a empresa de energia Iberdrola comprou a distribuidora brasileira Elektro, que atende o interior de São Paulo, por US$ 2,4 bilhões.

  

Enviada especial a  Barcelona