12/04/2013 - 21:00
No dia 3 de julho do ano passado, Reed Hastings, CEO da empresa americana de assinatura de vídeos sob demanda Netflix, fez algo que qualquer executivo antenado com as novas tecnologias faria. Ele comemorou o fato de que, no mês anterior, pela primeira vez, seus clientes haviam comprado mais de um bilhão de horas em conteúdo. Foi um anúncio público, mas que quase levou Hastings a estrelar, na vida real, um enredo de filme de tribunal. Em vez de divulgar os dados por meio de um formulário da Securities and Exchange Commission (SEC), órgão do governo americano encarregado de fiscalizar o mercado, Hastings postou os números em sua página pessoal do Facebook.
Esforço conjunto: Anhalt (na frente), da Firb, e Azevedo, da RIWeb, unem consultoria e informática
Foi o bastante para que a SEC iniciasse uma investigação poucos dias depois, para definir se Hastings não havia enviado informação privilegiada, um dos piores crimes do mercado de capitais. Dez meses depois, uma reviravolta digna de novela mexicana: a SEC declarou, no dia 2 de abril, que é perfeitamente legal divulgar essas informações usando Facebook e Twitter. A divulgação tem de seguir algumas regras, claro. O acesso não pode ser restrito, e a empresa tem de deixar claro quais das várias redes sociais podem conter informações relevantes. Pode parecer apenas mais uma decisão burocrática, mas ela colocou o xerife do mercado americano no século 21.
Chegada de 60 novas empresas à bolsa em 2013
vai elevar as necessidades de comunicação
Além disso, essa mudança sublinhou os novos desafios para os profissionais de Relações com Investidores (RI). Encarregados de mediar a frequentemente conflituosa relação entre executivos e acionistas controladores com seus sócios minoritários e autoridades do mercado, os profissionais de RI enfrentam um desafio duplo: o de cumprir as obrigações legais sem burocratizar a comunicação, e fazer isso de maneira afinada com novas tecnologias, como as mídias sociais. Por aqui, não há nenhum risco de que esse problema ocorra. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que fiscaliza o mercado brasileiro, tem sua página no Facebook, como a totalidade das empresas abertas que têm alguma relevância.
Mesmo assim, a popularidade é baixa. Na quarta-feira 10, além de 217 curtidas, apenas um solitário internauta havia postado, em 23 de janeiro, uma crítica à atuação da autarquia referente às ações da estatal Eletrobras. O tráfego esparso tem motivo. Nenhum profissional de RI sonharia em divulgar alguma informação em uma rede social antes de enviá-la formalmente à CVM. “O RI ainda segue uma linha muito legalista, e pouco voltada à comunicação”, diz Fabiane Goldstein, fundadora da consultoria de relações com investidores paulista Ricca. Apesar disso, os ventos da modernização já vêm obrigando os profissionais da área a buscar novas soluções. Em fevereiro, a consultoria de relações com investidores paulista Firb uniu-se à carioca RIWeb, especializada em prestar serviços de tecnologia para empresas abertas.
A SEC curtiu: Hastings, da Netflix, mostrou que as redes
sociais são parte integrante do RI
A fusão, que criou a segunda maior companhia do País, com cerca de 80 clientes, visa adaptar esse serviço aos novos tempos. “A comunicação requer cada vez mais agilidade”, diz Arleu Anhalt, da Firb. “Atualmente, há americanos, europeus e asiáticos que investem em companhias brasileiras, e eles não apenas precisam, mas exigem ser informados em tempo real”, afirma Rodrigo Azevedo, da RIWeb, ao comentar a associação. Já a Ricca, de Goldstein, fechou, no início deste ano, uma parceria com a americana MBS, de olho no mercado internacional. “Não é possível pensar em uma emissão de ações bem-sucedida que não contemple os investidores de fora do Brasil”, diz ela. Com isso, a forma de trabalhar deverá mudar e, em vez de uma posição reativa, os departamentos terão de buscar ativamente os investidores.
O mercado a ser disputado é amplo. Além das cerca de 300 empresas abertas que, por lei, têm de se comunicar com seus acionistas, pelo menos outras 60 deverão testar o pregão. Entre elas, nomes populares como BB Seguridade, Votorantim Cimentos e Smiles, além de diversas companhias de tecnologia. Pelas contas dos especialistas, o total captado deverá superar R$ 20 bilhões, após dois anos de baixa. Esses recém-chegados terão de fazer um esforço concentrado para cair no gosto dos investidores. “Ação é cada vez mais um produto, que requer uma estratégia de marketing”, diz Azevedo. “Atualmente, as áreas que atendem os investidores limitam-se a reproduzir o discurso da área financeira ou do departamento jurídico, mas no futuro será cada vez mais necessário que o RI pense como um vendedor.”