O físico Albert Einstein costumava afirmar que insanidade é fazer a mesma coisa dia após dia e esperar resultados diferentes. É dele também outra frase célebre: “Algo só é impossível até que alguém duvide e acabe provando o contrário”. As duas frases do pai da teoria da relatividade cabem como uma luva para explicar a trajetória da siderúrgica gaúcha Gerdau nos últimos anos. A companhia, maior fabricante de aço das Américas, vive atualmente um momento de bonança. Seu lucro líquido triplicou no último trimestre do ano passado, para R$ 492 milhões, ajudando a elevar os ganhos em 11% no ano, para R$ 1,6 bilhão. 

 

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André Gerdau, CEO: “O desempenho da companhia reflete nosso esforço

em aprimorar a eficiência das operações”

 

A receita líquida cresceu 5% no ano, alcançando R$ 39,86 bilhões. Trata-se do melhor resultado, disparado, entre as siderúrgicas nacionais. No trimestre passado, a CSN, do empresário Benjamin Steinbruch, registrou prejuízo de R$ 487 milhões e a Usiminas teve lucro de apenas R$ 47 milhões. Enquanto as concorrentes brasileiras sofrem as consequências do excesso de aço no mercado, resultado da entrada dos chineses no setor, e a anglo-indiana ArcelorMittal, maior siderúrgica do mundo, investe na diversificação do seu negócio para não sucumbir em meio à guerra de preços, a Gerdau colhe os frutos do pensamento de longo prazo. 

 

“O desempenho da companhia reflete nosso esforço em aprimorar a eficiência das operações”, disse à DINHEIRO André Gerdau Johannpeter, CEO da siderúrgica. A força da Gerdau se sustenta em três pilares: a internacionalização, o foco no mercado de aços longos, usados na construção civil, e seu braço de mineração. Atualmente, mais de 60% da sua receita é obtida no Exterior. Os Estados Unidos respondem por 32% das vendas. A terra do Tio Sam é uma das grandes responsáveis pelo bom momento da companhia. Com a retomada das atividades no setor imobiliário americano, que ficaram praticamente paradas após a crise econômica mundial, a demanda por aços longos subiu consideravelmente.

 

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Na bolsa: negociadas em Nova York (foto) e em São Paulo, as ações

preferenciais da Gerdau subiram 25,7% em 2012 e 3,7% em 2013.

Neste ano, caíram 20,9% até 6 de março

 

Líder no segmento e com uma marca forte, a siderúrgica gaúcha está nadando de braçadas nesse mercado. No Brasil e em outros países emergentes, são as obras de infraestrutura que puxam o crescimento da Gerdau. Ao mesmo tempo, sua produção de minério de ferro segue acelerada e deve chegar a 18 milhões de toneladas até 2016 – no ano passado, foram 11,5 milhões de toneladas. A empresa vendeu para terceiros 1,2 milhão de toneladas da commodity, o que ajudou a elevar o Ebitda (medida de geração de caixa) para R$ 4,7 bilhões, com alta de 14,6% em 2013. Essa mesma estratégia, que hoje é apontada como a fortaleza da gigante gaúcha do aço, no entanto, já foi muito criticada e até considerada o pivô de um ano decepcionante para os acionistas. 

 

Em 2009, no auge da crise financeira mundial, o desempenho da Gerdau era pior do que o de suas concorrentes, ainda que todos estivessem sofrendo com o mau humor dos mercados. No segundo trimestre daquele ano, ela chegou a registrar prejuízo de R$ 266 milhões, um fato raríssimo em sua história. Esses resultados motivaram a agência de risco Standard & Poor’s a rebaixar sua nota de crédito. Algumas operações da companhia lá fora chegaram a ser suspensas. Sua fábrica em Sayreville, a poucos minutos de Nova York (EUA), parou e os funcionários foram dispensados. O mesmo aconteceu na vizinha Perth Amboy, onde 165 operários ficaram sem trabalho, e em Sand Springs, no Estado de Oklahoma. 

 

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As unidades ficaram paradas por até dois anos. A medida visava reduzir as despesas, que atingiram o recorde de 9,3% sobre a receita em 2009. Na época, analistas diziam que a saída era reduzir a dependência do aço longo e focar seus esforços no mercado brasileiro. Apesar do clamor por uma nova rota, o CEO da Gerdau seguiu fazendo praticamente a mesma coisa. E, acredite, obteve resultados diferentes. “A nossa estratégia sempre foi a da diversificação geográfica”, disse o empresário na época, em entrevista à DINHEIRO. “Se a crise atrapalha, ela também ajuda, porque há um efeito compensatório.” O tempo se encarregou de mostrar que ele estava certo. 

 

Hoje, quem sofre com um cenário econômico pouco favorável são as concorrentes. “CSN e Usiminas enfrentam uma nova realidade no mercado interno, com a cobrança do IPI cheio voltando para veículos e produtos da linha branca”, afirma Pedro Galdi, analista-chefe da SLW Corretora. “Não sabemos como esses setores vão se comportar este ano.” Outra dificuldade para os concorrentes é enfrentar os chineses. O país da Grande Muralha está inundando o mercado com seus produtos, principalmente aços planos. Segundo a World Steel Association (WSA), a produção global de aço bruto totalizou 1,6 bilhão de toneladas em 2013, uma alta de 3,5% em relação ao ano anterior, sendo que na China a produção de aço atingiu 779 milhões de toneladas, um crescimento de 7,5%. 

 

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No quintal das rivais: unidade de laminação da siderúrgica no distrito de Santa Cruz, na zona oeste

do Rio de Janeiro. A empresa vai entrar no mercado brasileiro de aços planos, voltados

para o setor automotivo, hoje dominado por suas rivais

 

“Temos excesso de aço no mercado mundial”, diz Victor Penna, analista do Banco do Brasil Investimentos. O uso da capacidade instalada global, atualmente, está em 84%. Por conta disso, as grandes produtoras, em especial as da China, estão voltando seu foco para os países emergentes. “Devemos ver uma presença maior de aço importado no Brasil”, diz Penna. Esses problemas não tiram o sono de Gerdau. Os aços longos são difíceis de serem exportados, por conta do seu tamanho. Para ser competitivo no setor, é preciso atuar localmente. Com fábricas em 14 países, a empresa está muito bem posicionada. “A principal vantagem da diversificação geográfica é a diluição de riscos”, reafirma Gerdau. 

 

Para enfrentar os altos e baixos do mercado de aço, no entanto, é preciso mais do que manter-se fiel à sua estratégia e pensar em longo prazo. Outra característica fundamental que faz da siderúrgica gaúcha uma das maiores forças no disputado mercado de aço é o seu modelo de gestão. O constante aprimoramento das operações e o corte de custos fazem parte do cotidiano do alto escalão executivo desde a fundação da Fábrica de Pregos Pontas de Paris, em 1901, por João Gerdau. Mas foi durante a gestão de Jorge Gerdau Johannpeter, filho do fundador e pai do atual CEO, que a siderúrgica ganhou corpo e se tornou uma das maiores multinacionais brasileiras. 

 

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Concorrência: a ArcelorMittal, do gerente-geral André Munari,

aposta em aços mais leves

 

Adepto das ideias do escritor Stuart Diamond, autor do best-seller “Consiga o Que Você Quer”, e fã do guru brasileiro Vicente Falconi, Jorge Gerdau é obcecado pela eficiência. “A busca pela boa gestão deve fazer parte de nossas vidas, a começar pela quantidade de coisas que se coloca na geladeira e que depois vai para o lixo”, disse ele à DINHEIRO em 2012, ano em que foi eleito Empreendedor do Ano na Indústria. “Aprendi que, em tudo na vida, em qualquer empresa, é possível fazer a mesma coisa gastando, no mínimo, 30% menos.” Atualmente, ele preside o conselho de administração da Gerdau e é um dos principais interlocutores do empresariado brasileiro com a presidenta Dilma Rousseff. 

 

André Gerdau, que assumiu o comando da gigante em 2007, num dos processos mais bem-sucedidos de sucessão familiar entre os grandes grupos nacionais, segue a cartilha do pai. Seu currículo, por sinal, é invejável. Além de ser formado em administração pela PUC do Rio Grande do Sul e ter feito pós-graduação em universidades do Canadá, da Inglaterra e dos Estados Unidos, André é medalhista olímpico. Ele participou das equipes brasileiras de hipismo que ganharam duas medalhas de bronze, no salto por equipes, nos jogos de Atlanta, em 1996, e de Sidney, em 2000. Ele tomou as rédeas da companhia com a missão de dar continuidade ao processo de internacionalização. 

 

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Teve o azar de enfrentar uma das maiores crises financeiras da história um ano depois de assumir o cargo. Mesmo assim, seguiu em frente e conseguiu expandir os negócios da Gerdau para a Índia, onde a companhia opera há um ano em aços especiais. “Na Ásia, nosso ingresso se fez pela Índia. É nesse país de grandes oportunidades que estamos e continuaremos focados.” A China, portanto, não faz parte de seus planos de expansão. Assim como seus antecessores, André é um obcecado por reduzir custos. No ano passado, enquanto as receitas cresceram 14,8%, as despesas de vendas subiram em um ritmo bem menor: 5,7%. 

 

“Reduzimos em quase R$ 1 bilhão o capital de giro”, afirma o CEO. “Assim, ampliamos a liquidez e melhoramos nossos indicadores de endividamento.” A dívida líquida da empresa subiu de R$ 14,4 bilhões, em 2012, para R$ 16,3 bilhões no ano passado. A relação dívida/Ebitda, no entanto, caiu de 2,8 para 2,5 vezes. Geralmente, a busca incessante por economias pode provocar efeitos negativos na qualidade da produção. Isso não acontece na Gerdau, internacionalmente conhecida por ter produtos extremamente confiáveis. O GG 50, seu vergalhão mais famoso, é praticamente uma referência de mercado. 

 

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Dinastia gaúcha: Jorge Gerdau (sentado) e seu filho André

 

“A empresa sempre soube explorar muito bem a sua marca”, afirma o professor Paulo Ferreira, presidente do conselho da escola de negócios ISE Business School. “Em um mercado como o de construção, ser reconhecido pela qualidade é um diferencial muito importante.” Os próximos movimentos da siderúrgica vão exigir ainda mais eficiência. A Gerdau iniciou, no ano passado, a produção de aços planos em sua unidade de Ouro Branco, em Minas Gerais. O objetivo é atender, principalmente, o mercado automotivo e o de máquinas e equipamentos. Trata-se de um movimento arriscado. 

 

“Esse mercado já é dominado por CSN, Usiminas e ArcelorMittal no Brasil”, afirma Penna, do Banco do Brasil. “Será complicado, por conta da baixa perspectiva de crescimento, principalmente no mercado automotivo.” O setor também passa por mudanças, o que vem exigindo inovações por parte das siderúrgicas. Hoje, a demanda das montadoras é por materiais mais leves. Reduzindo o peso dos carros, elas também diminuem o consumo de combustível, uma das metas do programa Inovar Auto, lançado em 2012 pelo governo, que prevê reduções tributárias para quem fabricar no País e atingir alguns padrões de eficiência. 

 

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Responsável por 35% do aço consumido pelas montadoras no Brasil, a ArcelorMittal já investe US$ 250 milhões por ano em um programa de melhoria de peças automotivas. No segundo trimestre de 2015, a siderúrgica anglo-indiana passará a fabricar no Brasil o S-in Motion, tipo de aço desenvolvido por ela que promete uma redução de até 20% no peso dos automóveis. “Haverá crescimento nesse mercado, mas ele será qualitativo, e não quantitativo”, afirma André Munari, gerente-geral de vendas da ArcelorMittal no Brasil. Atualmente, o produto é importado da França. Cerca de 15 mil toneladas do aço foram vendidas no ano passado. Segundo estimativas da companhia, o uso de aços especiais e de alta resistência pelas montadoras deve crescer de 6% para 25% do total até 2025.

 

APOSTA ARGENTINA O desafio é grande, mas, ao que parece, a Gerdau está disposta a encarar realidades ainda mais difíceis. Além de passar a atuar no quintal das maiores competidoras, a empresa está ampliando os investimentos na Argentina. Ela vai construir uma nova fábrica na cidade de Pérez, na província de Santa Fé, para a fabricação de aço. Ao custo de US$ 190 milhões, a nova unidade terá capacidade de produzir 650 mil toneladas por ano. No local, já existe uma laminadora da Gerdau, com capacidade anual de 150 mil toneladas. 

 

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Sonho americano: fábrica da Gerdau em Cartersville, no Estado da Geórgia, nos Estados Unidos.

O mercado americano responde por 32% das vendas da siderúrgica. Mais de 60%

de sua receita vem do Exterior

 

O objetivo é substituir a importação de 300 mil toneladas de aço. O investimento foi anunciado em pleno Carnaval após uma reunião reservada de executivos da Gerdau, entre eles o seu CEO, com o ministro da Economia, Axel Kicillof, e o ministro-chefe de gabinete, Jorge Capitanich. O movimento pegou de surpresa muita gente, pois a Argentina passa por uma crise econômica severa. Mesmo assim, o país hermano é considerado estratégico pela siderúrgica. 

 

“A Argentina continua sendo uma das maiores economias e um dos maiores mercados consumidores de aço da América Latina”, afirma Gerdau. “Fortalecer nossa presença em mercados relevantes faz parte de nossa estratégia.” Caso daqui a cinco anos o país portenho dê um salto de crescimento e fortaleça ainda mais a posição de liderança da companhia gaúcha, não será a primeira vez que ela terá contrariado a maioria dos analistas. Como diria o gênio Albert Einstein, é no meio da dificuldade que se encontra a oportunidade. 

 

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