Não há tarefa mais delicada para os economistas do que prever o comportamento da taxa de câmbio. Influenciada por fatores externos, como o tsunami monetário dos países ricos, e pelas intervenções do Banco Central no mercado, a cotação do dólar recuou da marca de R$ 2 no fim de janeiro. Antes disso, a moeda americana permanecera, por oito meses, acima desse patamar, seguindo a indicação de que o governo desejava um câmbio desvalorizado para, em tese, preservar a indústria e os exportadores. Do outro lado da gangorra, no entanto, pesou o impacto do dólar mais caro na inflação, justamente num período em que o índice oficial de preços, o IPCA, acumula alta superior a 6% nos últimos 12 meses.

 

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Impulso: para enfrentar a forte concorrência chinesa, o ministro Pimentel (à dir.)

prefere um dólar mais caro

 

Agora, com a recente valorização do câmbio, para R$ 1,95, ficou claro que a equipe econômica deve utilizar a moeda americana como um remédio contra a alta de preços. Há duas semanas, em uma entrevista à agência Reuters, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, rebateu as críticas de que o câmbio não é mais flutuante no Brasil, com uma frase que expôs os limites do governo, numa espécie de nova banda cambial. “Se houver de novo uma tendência especulativa, se o pessoal se animar com a ideia de ‘vamos puxar esse câmbio para R$ 1,85’, aí estaremos de novo intervindo”, afirmou Mantega. O mercado interpretou que o dólar pode cair ainda mais, abaixo de R$ 1,95. 

 

Se a inflação não ceder a contento, é certo que o governo pode trabalhar inicialmente com o patamar de R$ 1,90, avalia Fabio Silveira, sócio-diretor da RC Consultores, de São Paulo. “O governo vai passar o ano tentando dosar o equilíbrio entre a inflação abaixo de 5,5% e um saldo comercial favorável”, diz Silveira, que projeta em US$ 10 bilhões o superávit da balança neste ano. Em outros tempos e com outros ocupantes, como à época do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o governo recorreria, de imediato, à alta de juros para inibir o ímpeto inflacionário do mercado. Mas, depois de comprar brigas para garantir taxas de um dígito, esse recurso foi deixado de lado pelo BC, de Alexandre Tombini. 

 

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Dois lados da moeda: o dólar barato ajuda o BC, de Tombini (à esq.), a controlar a inflação.

Já Mantega quer incentivar as exportações

 

Dessa forma, o câmbio assumiu o papel de balizador dos preços na economia, pois, se o real se valoriza, a entrada de importados aumenta, ampliando a concorrência no varejo, e derrubando, assim, os preços. A fórmula, porém, tem um efeito colateral complicado na balança comercial brasileira, que acumula um déficit de US$ 4,77 bilhões até o dia 10 de fevereiro. Vendendo menos para um mundo em crise e ainda enfrentando a feroz concorrência chinesa, o cenário torna-se angustiante para o Brasil. Na mesma semana em que o ministro Mantega sugeriu a intervenção para criar um piso para o dólar, o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, afirmou ao jornal Valor que o dólar ficaria em torno de R$ 2. 

 

“O câmbio é flutuante, porém vigilante”, disse Pimentel, ao sinalizar que os exportadores não ficarão à míngua. Mas as empresas de comércio exterior continuam com dificuldade de traçar cenários. “Os exportadores e os importadores estão num mato sem cachorro, com pouca previsibilidade”, diz Nathan Blanche, sócio da Tendências Consultoria, que projeta uma cotação de R$ 2,10 para a moeda americana no fim do ano. Esse dólar ainda não seria “o dos sonhos” dos exportadores, segundo José Augusto Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), para quem a cotação mínima deveria ser de R$ 2,30. “Se fosse de R$ 2,50 resolveria o problema de 100% das empresas, inclusive na área de manufaturados”, diz Castro. 

 

Uma coisa é certa. Não é só o Brasil que promove intervenções no câmbio. Ao longo da semana passada, o assunto dominou as prévias do encontro entre ministros e presidentes de bancos centrais do G-20, o grupo que reúne as maiores economias do mundo, em Moscou.Desde o estouro da crise, os Estados Unidos injetam liquidez no mercado com o objetivo de desvalorizar o dólar e aumentar suas exportações. A China, há tempos, promove uma depreciação artificial da sua moeda com o mesmo objetivo. E, agora, até o conservador Banco Central do Japão entrou na chamada guerra cambial e desvalorizou sua moeda, o iene. 

 

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For export: a Suzano, de Walter Schalka, está construindo uma unidade no maranhão

somente para exportação

 

Contrariando a lógica econômica, no entanto, as exportações brasileiras têm crescido mais quando o câmbio se valoriza, e não o contrário. Um levantamento feito pela DINHEIRO com base em dados do Banco Central e do Ministério do Desenvolvimento, a partir de 2007, mostra essa relação contraditória (leia quadro abaixo). Os números comprovam que a competitividade do produto brasileiro no Exterior está longe de depender apenas de câmbio. O cenário econômico internacional, os preços de commodities, as barreiras argentinas e a ausência de acordos bilaterais são tão ou mais relevantes do que o preço do dólar. 

 

“Para incentivar as exportações, o governo precisa reduzir os custos tributários, burocráticos e de infraestrutura”, diz o presidente da AEB. A volatilidade do câmbio, no entanto, não deixa de causar frio na espinha de muitos executivos. A Suzano Papel e Celulose, por exemplo, teve um prejuízo de R$ 23,7 milhões no terceiro trimestre do ano passado por causa do impacto da desvalorização cambial na sua dívida externa. Por outro lado, o dólar mais barato tende a inflar a receita com exportação, que representa pouco mais de 50% do faturamento total. 

 

“Para uma empresa exportadora, como a Suzano, o câmbio desvalorizado é sempre melhor”, diz Paulo Esteves, estrategista da Gradual Investimentos. Foi nesse cenário de incerteza cambial que o novo presidente da Suzano, Walter Schalka, assumiu o cargo, no começo do ano. O executivo vai inaugurar no quarto trimestre a nova unidade da empresa em Imperatriz, no Maranhão, cuja produção será destinada exclusivamente à exportação. A direção já estabeleceu que os principais destinos serão os mercados europeu e norte-americano. Isso, é claro, se o câmbio e as barreiras internas e externas não atrapalharem.

 

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