11/07/2012 - 21:00
Um terremoto sacudiu o coração financeiro europeu, no início de julho. Em dois dias, o banco britânico Barclays, o segundo maior do Reino Unido e uma das seis principais instituições financeiras mundiais, com cerca de US$ 2,3 trilhões em ativos, perdeu seus três principais executivos. O motivo da demissão coletiva foi um escândalo que vem sacudindo as finanças inglesas desde o fim de junho, quando o Barclays reconheceu que manipulou a London Interbank Offered Rate, a Libor, principal taxa de referência para as transações financeiras no mercado europeu. Na segunda-feira 2, a instituição anunciou a demissão do presidente do Conselho, Marcus Agius.
Renúncia: o CEO Bob Diamond pede demissão após um ano no cargo e 16 no Barclays.
No dia seguinte, renunciaram o presidente Bob Diamond e Jerry Del Missier, principal executivo operacional. O Barclays admitiu ter manipulado a Libor, que é calculada com base nas transações entre 18 bancos ingleses, que avaliam quanto custaria captar dinheiro entre si para diferentes prazos e moedas. Essa taxa serve de referência para compromissos financeiros estimados em assombrosos US$ 360 trilhões, entre dívidas e derivativos. Ao reduzir o quanto pagava pelos recursos que captava no mercado, o banco inflou artificialmente seus resultados. Para comparar, seria como se um banco do porte de Itaú Unibanco ou Bradesco manipulasse a taxa do CDI para desembolsar menos dinheiro que capta no mercado.
O Barclays promoveu essa manipulação no auge da crise financeira mundial, entre fim de 2007 até maio de 2009. Na última semana de junho, o banco reconheceu sua culpa e anunciou o pagamento de 290 milhões de libras, o equivalente a R$ 913 milhões, para encerrar investigações dos reguladores de mercado da Inglaterra e dos Estados Unidos. Agius assumiu a responsabilidade pelo ocorrido. “Como presidente, sou o principal guardião da reputação do banco e a responsabilidade é minha”, informou o executivo, em comunicado. As saídas de Diamond e de Del Missier são imediatas e Agius deve ficar na instituição até encontrar um substituto para o CEO.
Diamond não era bem-visto no Reino Unido, por seus salários e bônus milionários, que chegaram a 12 milhões de libras, cerca de R$ 38 milhões, no ano passado, e era alvo das investigações desde a revelação do escândalo. O executivo americano assumiu a presidência do banco no início de 2011, e, antes, fora responsável pela divisão de banco de investimentos, que respondia por um terço dos lucros do Barclays. Ele foi o responsável pela aquisição, por US$ 1,75 bilhão, das atividades de banco de investimentos do americano Lehman Brothers, que faliu em setembro de 2008. Após a compra, Diamond lançou-se em uma agressiva campanha de contratações e montou unidades de emissão de ações e de fusões e aquisições, fazendo o Barclays tornar-se parecido com um banco americano, o que motivou algumas críticas do mercado financeiro.
Fim do passeio: o demissionário presidente do conselho, Marcus Agius (à esq.),
e o prefeito de Londres, Boris Johnson, pedalam pelas ruas da capital inglesa.
A repercussão no governo inglês foi muito ruim. Apesar de o banco ter afirmado que vai apurar os fatos por meio de uma auditoria interna, o primeiro-ministro, David Cameron, anunciou que o caso será investigado pelo Parlamento e envolverá todo o setor bancário do Reino Unido. Em suas declarações às autoridades, o Barclays confirmou ter apresentando números baixos. Sua justificativa foi ter considerado que os concorrentes estavam fazendo o mesmo. O escândalo ocorre em uma hora bastante delicada para a praça financeira britânica. A City de Londres é o segundo mercado mais importante do mundo, perdendo apenas para Nova York.
Todos os dias, seus bancos, corretoras e bolsas de ações e de commodities movimentam US$ 1,9 trilhão, o que representa 37% das transações financeiras globais, segundo dados do Bank for International Settlements (BIS). Dúvidas em relação à precisão da Libor como indicador financeiro podem afetar todo o mercado, abrindo espaço para outras praças, das tradicionais como Nova York e Frankfurt até as recém-chegadas asiáticas Cingapura e Hong Kong, sem esquecer o mercado brasileiro. “A City tem a reputação de ser o melhor local para se fazer negócio no mundo e, por isso, atrai os maiores investidores e melhores profissionais do mercado”, diz Antonio Carlos Alves dos Santos, professor de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
“Uma fraude, principalmente envolvendo grandes bancos, pode fazer o sistema financeiro perder confiança e, mais do que isso, perder dinheiro.” A crise na matriz deverá provocar pouca alteração nos negócios do banco por aqui. Presente no Brasil desde 1973, onde já esteve associado ao BCN, o Barclays atua principalmente na gestão de investimentos. Ele foi um pioneiro no lançamento dos fundos de índice, os chamados Exchange Traded Funds (ETFs), que têm ganhado muita liquidez no mercado brasileiro. No entanto, em 2009, essa plataforma foi adquirida pela gestora americana BlackRock. Procurada, a unidade brasileira do banco não concedeu entrevista.