A promessa feita pela presidente Dilma Rousseff em seu discurso de posse e reafirmada na reunião com o Ministério, no dia 27 de janeiro, está cada vez mais difícil de ser cumprida. No encontro com os 39 membros do primeiro escalão do governo, Dilma reafirmou o compromisso com o superávit de 1,2% de PIB, necessário para começar a equilibrar as contas e recuperar a credibilidade. A perspectiva de estagnação, ou até mesmo de recessão da economia brasileira, neste ano, tornou o ajuste mais complicado pelo lado das receitas. Tampouco, congelar os gastos será suficiente.

É preciso cortar, cortar e cortar. Os ministros receberam o recado, um preâmbulo para a tesourada que está sendo preparada pela equipe liderada por Joaquim Levy, da Fazenda, em todas as pastas. Faltou, porém, combinar o jogo com a base parlamentar do próprio governo. Várias derrotas governistas marcaram a segunda semana de sessões no Congresso, com o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) presidindo a Câmara dos Deputados e acelerando as votações de projetos que desagradam ao Executivo. Na terça-feira 10, os deputados aprovaram o Orçamento Impositivo, que torna obrigatório o pagamento de emendas parlamentares, num total de 1,2% da receita corrente líquida.

Como o Orçamento enviado pelo Executivo é aprovado no Congresso, ele era tradicionalmente inflado por projetos de deputados e senadores ansiosos por agradar às suas bases eleitorais com recursos para hospitais, estradas vicinais ou ginásio de esportes. Na prática, porém, a última palavra sempre foi dada pelo Executivo, que tinha como prática contingenciar as emendas e liberá-las como moeda de troca na aprovação de projetos de seu interesse. O jogo de forças no Congresso, no entanto, mudou em 2015. Dilma está fragilizada com a queda da popularidade, de 42% para 23%, entre dezembro e o início de fevereiro, segundo o instituto Datafolha.

Além da aprovação do Orçamento Impositivo, o governo viu avançar a discussão sobre a reforma política sem a sua participação – o ferrenho opositor Rodrigo Maia (DEM-RJ) vai comandar a comissão. Nas próximas semanas, pode ver aprovado ainda o projeto de emenda constitucional que amplia de 70 para 75 a idade para aposentadoria compulsória de ministros do Supremo Tribunal Federal, também conhecida como PEC da Bengala, adiando a oportunidade de nomeação de novos ministros. A maior ameaça ao ajuste fiscal, no entanto, está na tramitação de duas medidas provisórias – MPs 664 e 665 – que modificam os critérios para concessão de seguro-desemprego, abono salarial, auxílio-doença e seguro-defesa.

Juntas, podem economizar R$ 18 bilhões para os cofres públicos anualmente. São reduzidas, no entanto, as chances de os projetos serem aprovados como chegaram ao Congresso. Editadas no dia 30 de dezembro, no apagar das luzes do primeiro mandato, as MPs foram duramente criticadas pelos líderes sindicais, que organizaram protestos públicos. Divididos entre um governo que não dialoga com o Congresso e as cobranças de sua base eleitoral, muitos parlamentares decidiram ficar com seus eleitores. O resultado é que as duas MPs receberam 750 emendas, mais de 400 delas de deputados e senadores dos partidos que apoiam o governo.

“Não podemos brigar com nossas bases, estamos em conflito com as centrais sindicais”, afirma o senador Lindbergh Farias (PT-RJ). “Precisamos equilibrar para que os mais ricos paguem essa conta.” Foi o mesmo argumento usado por outra senadora petista, Marta Suplicy (SP), autora de nove emendas que minimizam o impacto das mudanças. “A economia pretendida pelo governo não pode ser paga somente pela classe trabalhadora, que não é responsável pela situação atual da economia”, diz Marta, que está a um passo de se desligar do PT. Sua até aqui correligionária, ex-ministra e senadora paranaense Gleisi Hoffmann, por sua vez, apresentou seis emendas, uma delas reduzindo de 30 para 20 dias o período que deve ser coberto pelo empregador em caso de auxílio-doença, e outras com efeito apenas no longo prazo.

Ao contrário dos colegas, no entanto, Gleisi defende o ajuste fiscal. “Existe muita desinformação, mas à medida que os ajustes forem explicados, acho que a gente consolidará um apoio”, afirma Gleisi. Com a luz amarela piscando, os ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, e da Previdência, Carlos Gabas, devem se juntar aos esforços do ministro das Relações Institucionais, Pepe Vargas, e conversar com as lideranças do Congresso, na semana seguinte ao Carnaval. Líder do governo no Congresso, o senador José Pimentel (PT-CE) confia nas audiências públicas envolvendo representantes de trabalhadores, empresários e do governo para discutir e chegar a um consenso sobre as mudanças.

O ministro Levy, não está envolvido diretamente na negociação com os parlamentares, mas já começa a buscar alternativas para equilibrar o orçamento, caso a economia com as reformas seja menor do que previsto. Uma delas é o fim da desoneração da folha de pagamento para alguns setores. No ano passado, elas custaram R$ 21,6 bilhões em renúncia fiscal, mas neste ano o valor será maior, já que o número de setores beneficiados foi ampliado. Detalhe: a maior parte das medidas de aumento de impostos pode ser feita por decreto presidencial, e não depende de aprovação do Congresso. Sorte do governo, azar do contribuinte.