07/03/2014 - 21:00
Não se pode acusar os congressistas de agir pelas costas da presidenta Dilma Rousseff. A insatisfação da base aliada com a maneira como os parlamentares são tratados pelo Palácio do Planalto é pública. Agora, descontentes com os rumos da reforma ministerial, aliados se rebelaram com alarde e ameaçam votar projetos que preocupam o governo. A relação, que já não era boa, só piorou. Ao tentar blindar alguns cargos estratégicos de indicações políticas, Dilma corre o risco de ver aprovados projetos prejudiciais para as contas públicas. E, de quebra, não consegue dar andamento em textos prioritários, como o marco civil da internet e o código de mineração.
Difícil acordo: com a rebelião da base aliada, o Planalto pode ter dificuldade
em aprovar projetos na Câmara dos Deputados
Teoricamente, somados os deputados dos 13 partidos que compõem a base aliada, o governo tem 60% dos 513 integrantes da Câmara dos Deputados. Na prática, oito desses partidos agora fazem parte do chamado “blocão”, reunião de PMDB, PSD, PP, PR, PROS, PDT, PTB, PSC e do oposicionista Solidariedade. Reunidos pelo líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), no fim de fevereiro, essa “bancada” de 278 deputados, ou 54% da Câmara, se comprometeu a votar “de maneira independente” da orientação do governo. O líder do PMDB quer trabalhar para derrubar o veto presidencial ao projeto, aprovado no Congresso, que facilita a criação de novos municípios.
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que a mudança das regras abriria espaço para o surgimento de 363 novas cidades, com um gasto extra de R$ 1 bilhão apenas para manter as estruturas administrativas. Embora o dinheiro não saia diretamente dos cofres federais, o governo é contra porque ele vai reduzir o superávit primário dos municípios. A votação foi adiada, mas Cunha segue firme em sua posição: “Vamos votar para derrubar o veto.” Sobre os outros projetos que colocam em lados opostos a base parlamentar e o Executivo, Cunha diz que “a bancada vai agir caso a caso”.
Criador e criatura: Lula, principal eleitor de Dilma, encontrou-se com a presidenta
na Quarta-Feira de Cinzas para discutir a reeleição e o blocão
A rebelião do PMDB na Câmara é tão grande que levou o vice-presidente da República, Michel Temer, presidente de honra do partido, a socorrer a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, responsável pelas negociações com o Legislativo. Em nome da presidenta, Temer pediu o cumprimento do acordo para segurar gastos, assumido pelo Congresso no ano passado. Naquela ocasião, a própria Dilma conseguiu desarmar a “bomba fiscal” montada pelos congressistas, que ameaçavam votar projetos que aumentam despesas, como o piso salarial para policiais militares. O pavio não foi aceso, mas continua lá à espera de uma faísca. O clima voltou a esquentar durante o Carnaval.
O presidente do PT, Rui Falcão, teria afirmado que o “blocão” está “insatisfeito” porque não foi contemplado na reforma ministerial, e Cunha reagiu. “A cada dia que passa me convenço mais de que temos de repensar essa aliança, porque não somos respeitados pelo PT”, disse o líder do PMDB em seu perfil no Twitter. A infidelidade da base partidária vem aumentando. Levantamento da consultoria Arko Advice mostra que o apoio parlamentar aos projetos de interesse do governo no Congresso vem caindo desde o início da gestão Dilma. No ano passado, embora 76% dos senadores integrassem os partidos da base, apenas 54% deles votaram com o Executivo.
Na Câmara, o apoio foi de apenas 44%. Neste ano, deve cair ainda mais, na avaliação de Cristiano Noronha, cientista político e sócio da consultoria. “Há um crescente atrito entre o PT e o PMDB”, afirma ele. A nomeação de Aloizio Mercadante para a Casa Civil, no lugar de Gleisi Hoffmann, não mudou esse cenário. Novas bombas econômicas devem explodir em breve. O “blocão” também pretende apoiar outro tema que o Planalto gostaria de ver engavetado: o que obriga as distribuidoras de energia a devolver aos consumidores R$ 7 bilhões que teriam sido cobrados a mais entre 2002 e 2009.
As empresas negam a dívida e o governo teme pela saúde financeira do setor, que já terá de cobrir o custo das termoelétricas. No Senado, o clima de antagonismo também pode incentivar o PMDB a bancar o projeto que muda o indexador das dívidas dos Estados e municípios com a União. O projeto foi proposto pelo Executivo, mas o governo recuou e o tema acabou sendo encampado pelos senadores como uma bondade aos governos locais, principalmente ao município de São Paulo, governado pelo petista Fernando Haddad. Sem jogo de cintura para negociar com o Legislativo, e depois de cortar dois terços das emendas parlamentares, o Planalto tomou uma decisão radical: vai enviar 12 ministros para despachar dentro do Congresso, ouvindo os pleitos dos deputados.
Eles comandam áreas nas quais há mais recursos, como Saúde, Educação, Integração Nacional e Cidades. O cientista político Sérgio Praça, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, acredita que a efetividade do plantão dependerá da autonomia dos titulares. “Hoje a maioria dos programas importantes é coordenada pela Casa Civil, Planejamento ou Fazenda”, diz Praça. “Não adianta mandar os ministros ao Congresso se eles têm pouca autoridade.” O governo sabe que o pano de fundo da rebelião é a composição da Esplanada. A reforma ministerial pouco avançou no último mês.
A disputa pelas vagas na Secretaria dos Portos e nos Ministérios da Integração Nacional, Agricultura, Turismo, Desenvolvimento Agrário e Cidades, onde estão os postos mais cobiçados, deve continuar a fornecer munição para o embate. Será a chance de a presidenta Dilma virar esse jogo e evitar que o fogo amigo atrapalhe a economia e a sua reeleição. O trabalho para evitar o pior já começou. Na Quarta-Feira de Cinzas, a presidenta reuniu-se no Palácio Alvorada com o ex-presidente Lula e a cúpula do PT para discutir a campanha deste ano. Além deles, vai ser preciso gastar muita saliva e negociar muitas verbas e cargos na administração pública com os integrantes do blocão para reverter a infidelidade dos deputados.