A petrolífera americana Chevron foi proibida de operar no Campo do Frade, acusada de ter provocado um vazamento que derramou dois mil barris de óleo no mar no início deste ano – e corre ainda o risco de pagar mais de R$ 100 milhões em multas pelos danos ambientais que provocou. As empresas de telefonia TIM, Oi e Claro acumularam prejuízos por ficarem 12 dias sem comercializar novos chips para celular, como punição por vender serviços que não poderiam oferecer. Dois meses antes, 268 planos de saúde de 37 operadoras foram suspensos por desrespeitar seus consumidores. Os três casos têm algo em comum. 

 

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Tragédia ambiental: vazamento de óleo de plataforma da Chevron no Campo do Frade, em 2011

 

As punições foram aplicadas pelas agências que regulam cada um desses mercados: a Agência Nacional do Petróleo (ANP), a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), respectivamente. As medidas, consideradas demonstração de força, marcam uma nova fase das agências reguladoras brasileiras, criadas há mais de 15 anos para fixar regras e monitorar a prestação de serviços públicos que passaram a ser oferecidos pela iniciativa privada, após o processo de privatização dos anos 1990, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Inicialmente focadas em regular o mercado e garantir a competição, as agências passaram a priorizar a fiscalização da qualidade do que é oferecido ao consumidor. 

 

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“A visão que se tinha nos anos 1990 é diferente da que se tem hoje” diz Fábio Alves Moura, da FHCunha Advogados Associados, de São Paulo. “E isso tem reflexos claros no funcionamento das agências.” Essa mudança passa por certa reinvenção do papel regulatório, que perdeu força com o esvaziamento das agências durante o governo Lula, mas que voltou a ganhar espaço na gestão da presidenta Dilma Rousseff. “No governo Lula, lotearam as agências entre os partidos e tiraram o caráter técnico delas”, diz Sérgio Guerra, professor de administração pública da Fundação Getulio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro. “Dilma vem mudando isso.” 

 

E a mudança é tão factível que até críticos ferrenhos da forma de gestão do modelo regulatório brasileiro, como o ex-presidente da ANP, David Zylberstajn, ex-genro de FHC, admitem avanços. “Houve um amadurecimento em muitas agências”, afirma Zylberstajn. “Só o fato de hoje elas atuarem com quadros completos e priorizarem o lado técnico já traz mais confiança, tanto para o investidor quanto para o consumidor.” De fato, na gestão passada, houve uma sucessão de políticos à frente das principais agências. O mais emblemático deles foi Haroldo Lima, ex-diretor-geral da ANP durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

 

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Maurício Ceschin, da ANS: a agência suspendeu 268 planos de saúde

 

Indicado pelo PCdoB, Lima deu declarações polêmicas que causaram a queda das ações da Petrobras na bolsa de valores e investigações sobre a empresa na Comissão de Valores Mobiliários. “Lula via as agências como ilhas dentro do governo, mas reconhecia o papel relevante que elas tinham no jogo dos investimentos internacionais”, diz Guerra, da FGV-RJ. “Tanto que criou uma delas, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).” Um dos desafios a serem trilhados para que as agências reguladoras deslanchem de vez é passarem a ter um orçamento próprio. Relatório recente do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que elas enfrentam ainda sérios problemas. “O orçamento da agência está inserido no do ministério, o que dá espaço para ingerências nas suas políticas”, escreveu o ministro José Jorge, do TCU, ao apresentar a análise na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. 

 

“O que o TCU recomenda é que isso seja desmembrado.” Até mesmo a Anatel e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que têm, de fato, independência financeira em relação aos ministérios aos quais estão vinculadas, estão sujeitas a interferências. Afinal, elas podem ter suas dotações orçamentárias incluídas nas listas de contingenciamento do governo federal. Outro levantamento do TCU mostra que entre 50% e 75% dos recursos das agências foram contingenciados nos últimos cinco anos. Em 2008, por exemplo, de um total de R$ 8,5 bilhões previstos, R$ 6,4 bilhões foram bloqueados – neste ano, só a ANP teve 93% de seus recursos presos na contingência. 

 

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