02/03/2011 - 21:00
Até algum tempo atrás, quem acreditaria que negociar ações na bolsa com informações privilegiadas daria cadeia no Brasil? Foram décadas de certeza da impunidade por integrantes do mercado financeiro e diretores de empresas que lucravam na bolsa comprando ou vendendo ações antes que notícias importantes fossem divulgadas.
Nada mais distante desse Brasil do jeitinho que a imagem da rica e famosa Martha Stewart indo para a cadeia nos EUA depois de comprar ações seguindo a “dica” de um amigo.
Esta era finalmente acabou, com a condenação pela Justiça paulista de dois ex-executivos da Sadia por “insider trading”. Luiz Gonzaga Murat Júnior, ex-diretor financeiro, e Romano Ancelmo Fontana Filho, ex-membro do conselho de administração, receberam respectivamente penas de um ano e nove meses e um ano e cinco meses de prisão.
Pouco depois de uma reunião do conselho da Sadia que decidiu por uma oferta pública pela rival Perdigão, os dois compraram ações da empresa nos EUA, buscando lucrar com a oscilação quando o negócio fosse anunciado.
Os dois executivos ainda podem recorrer e terão a opção de prestar serviços à comunidade e pagar multas superiores a R$ 350 mil cada um.
Existe a chance de uma segunda condenação num processo que está em fase de defesa, também na Justiça Federal de São Paulo. O alvo é a família Randon, controladora da empresa de mesmo nome.
São acusados Raul Anselmo Randon, sua esposa, Nilva Terezinha Randon, dois dos filhos do casal, Daniel Randon e Alexandre Randon, que exerciam cargos na companhia, além dos diretores Astor Schmitt e Erino Tonon.
Todos, segundo a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), compraram ações do grupo a partir de junho de 2002, sabendo que elas subiriam com o anúncio de uma associação com o grupo americano ArvinMeritor anunciada dois meses depois. A família nega ter especulado, argumentando que nun-ca vendeu os papéis.
Os processos são a face mais visível da grande mu-dança criada pelos acordos do xerife do mercado de capitais brasileiro com o Ministério Público Federal e, mais recentemente, com a Polícia Federal.
Enquanto nos EUA a Securities and Exchange Comission (SEC) tem poderes de polícia, aqui a CVM tinha problemas, por exemplo, para ter acesso a dados protegidos pelo sigilo bancário.
É verdade que no caso da Sadia a condenação ocorreu cinco anos depois dos fatos, e que a maior parte das provas foi conseguida pela SEC. Mas, mesmo com a influência da instrução americana, a ação judicial no Brasil trouxe avanços.
“Conseguimos estabelecer que as punições administrativas não extinguem a possibilidade de um processo penal. Reforçamos nossa estratégia de atuação conjunta com o Ministério Público”, afirma o procurador-chefe da CVM, Alexandre Pinheiro dos Santos.
Considerando que o insider trading só virou crime no Brasil em 2002, a primeira condenação até que não demorou tanto, diz Pinheiro. No Reino Unido, a primeira condenação foi proferida em março de 2009. O fato de os executivos não irem para a cadeia não diminui o mérito da CVM e do Ministério Público.
Ainda que não cumpram suas penas em regime fechado, uma condenação por insider trading retira dos empresários e executivos a primariedade. Ou seja, podem ir para a cadeia – dessa vez, de verdade – por um simples acidente de trânsito com vítimas. Melhor andar na linha.