Não é qualquer um que tem US$ 250 mil na conta bancária para comprar uma Ferrari 488 GTB, modelo mais barato da montadora italiana (o mesmo deve chegar ao Brasil por R$ 1,9 milhão). Mas ainda dá para sonhar. Pelo menos com uma parte dela: por cerca de US$ 60, é possível tornar-se sócio da empresa de Maranello. Ok, a participação é minoritária, sem direito a voto, mas quem se importa? Foi em meio a esse clima de idolatria que a Ferrari estreou na Bolsa de Nova York, na quarta-feira 21, em um evento que contou com oito máquinas estacionadas em Wall Street e uma legião de curiosos ao redor.

Apesar do momento delicado para a economia mundial, com empresas adiando IPOs, a Fiat Chrysler, atual controladora da Ferrari, colocou 10% da grife à venda. O preço nada modesto da ação, de US$ 52, não assustou os investidores. No primeira dia, os papéis subiram 6%, levantando US$ 893 milhões. Já o valor de mercado da marca atingiu US$ 10 bilhões. “Seria exagero dizer que o cliente da Ferrari está imune a uma recessão, mas ele, sem dúvida, é um consumidor mais blindado aos percalços da economia”, diz à DINHEIRO Stephanie Brinley, analista sênior da consultoria IHS Automotive.

“Além disso, para uma marca tão exclusiva, você não precisa ampliar significativamente o número de clientes. O mais importante é manter esses clientes sempre interessados”. No ano passado, a Ferrari entregou 7.255 carros e, segundo o comunicado aos investidores, pretende ampliar esse número para nove mil nos próximos cinco anos. Alguns especialistas chegaram a questionar se esse número já não seria excessivo – afinal, nada pode ser pior para o dono de uma Ferrari do que esbarrar com um carro idêntico ao seu na rua. A hipótese, porém, foi rechaçada pelo CEO da companhia, Sergio Marchionne.

“Cerca de 60% das nossas vendas são feitas a clientes antigos. Além disso, o mundo é grande e existem diversos mercados ainda em desenvolvimento”, disse o executivo, logo após o pregão. Os Estados Unidos são o grande mercado consumidor de Ferraris do planeta: de cada 10 carros vendidos pela montadora italiana, três vão para as mãos de americanos. Já os chineses representam apenas 7% das vendas, mas com grande potencial de crescimento, assim como o Oriente Médio e, até certo ponto, a América Latina.

“Apesar de as três regiões estarem passando por dificuldades econômicas, acredite, não vai ter Ferrari sobrando”, diz a analista do IHS. Ela lembra, por exemplo, que a fila de espera por modelo da grife automotiva na China é de um ano, um indicador de que a relação entre oferta e demanda ainda está condizente com uma grife de luxo. As vendas têm crescido de forma geral: em 2014, a receita global foi de US$ 3 bilhões, valor 18% maior do que o registrado em 2013. O IPO foi apenas o primeiro passo de independência da empresa criada por Enzo Ferrari, em 1947. Em janeiro, o controle da Ferrari será mudado. Os acionistas da Fiat Chrysler receberão papéis da Ferrari, que se tornará independente do grupo.

Segundo os executivos, a Ferrari é uma marca forte, com brilho próprio e, sozinha, tem chance de se tornar uma grife ainda mais valorizada. Mas essa é apenas parte da explicação. Com o filho famoso saindo de casa, a empresa-mãe deverá embolsar US$ 4 bilhões no total – valor que ajudará a aliviar o caixa da montadora, cuja dívida chega a US$ 11 bilhões. Do ponto de vista financeiro, a operação pode até fazer sentido. Mas ter de vender uma Ferrari para pagar dívidas sempre será algo difícil de se superar.