05/07/2016 - 18:45
Num mundo em que as tensões geopolíticas aumentaram nos últimos dias, com a vitória do referendo pela saída do Reino Unido da União Européia, Brasil e Argentina deram um passo além e demonstraram como acabar com pequenas marcas do passado. A venda de quatro toneladas de urânio enriquecido (1% da atual produção nacional) pela indústria brasileira para a argentina põe fim a uma relação que até os anos 1980 era de desconfiança. Naquele período, os países travaram uma guerra latino-americana sobre combustíveis nucleares. O medo era que o vizinho caísse na tentação de produzir uma bomba de destruição em massa. Mas, um acordo de cooperação para o uso pacífico do combustível nuclear deu início a uma aliança estratégica, que foi selada com o acordo entre a Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e a Conuar, estatal responsável pela fabricação de combustíveis nucleares da Argentina. As conversas tiveram início em setembro e, depois de nove meses de um processo extenso, com aprovação de diferentes órgãos, a concretização da venda no mês passado, que vai render US$ 4,5 milhões. “A quantidade a ser exportada é pequena, mas demonstra que o INB tem capacidade de entrar no mercado internacional”, afirma Aquilino Senra, professor de Engenharia Nuclear da Coppe/UFRJ. “O mais importante dessa venda é o valor agregado de um minério existente no País.”
O mercado de urânio enriquecido para geração de energia é promissor. A movimentação anual é superior a US$ 20 bilhões. São 34 países que precisam do combustível para movimentar 280 usinas nucleares. Apenas 11 países detêm o conhecimento para enriquecer o minério. O Brasil, ao lado de Rússia e Estados Unidos, é privilegiado. Os três são os únicos que não dependem de nenhum outro para complementar o ciclo. Eles têm minas de urânio, tecnologia de enriquecimento e as usinas de geração. A França, por exemplo, é um grande importador e a Austrália, que não utiliza essa energia, o maior exportador. “O Brasil quer se posicionar no mercado de fabricação de combustível nuclear, para geração núcleo-elétrica, como um player importante, de acordo com a importância geopolítica brasileira e capaz de desenvolver tecnologia”, diz João Carlos Tupinambá, presidente do INB. “Com relação à negociação com outros países, estamos, no momento, focados no mercado argentino.”
Com uma das uma das maiores reservas de urânio do mundo, o País prospecta apenas um quarto de toda a sua capacidade. A única mina em operação em toda a América Latina está em Caetité, na Bahia. O material que será exportado para a Argentina estava em estoque e não vai prejudicar o fornecimento de cargas para as usinas nacionais. “A energia nuclear é um componente de segurança para o Brasil, que domina o ciclo completo de produção”, diz Felipe Gonçalves, coordenador da FGV Energia.