Esqueça aquela presidente da República que, nos últimos quatro anos, relegou a política comercial do País ao segundo plano, priorizou o Mercosul e não realizou nenhum acordo internacional relevante. Diante de um mercado interno em franca deterioração, PIB negativo, desemprego crescente e inflação nas alturas, Dilma Rousseff adotou o pragmatismo ao incorporar demandas do setor privado no Plano Nacional de Exportações, lançado na quarta-feira 24, em Brasília. Em seu discurso, a presidente salientou que estimular o comércio exterior é uma das formas de tirar a economia do marasmo.

E mais: garantiu que os olhares brasileiros não ficarão restritos ao Hemisfério Sul. “Queremos firmar novos acordos com países e regiões – sem preconceitos e sem discriminar parceiros”, afirmou Dilma, a uma plateia lotada de exportadores. De uma forma geral, os empresários gostaram do que viram e reconheceram o esforço do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), Armando Monteiro, em negociar com a equipe econômica. Afinal de contas, em tempos de ajuste fiscal, não está fácil arrancar algum centavo do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

“Há um PIB equivalente a 32 ‘Brasis’ além de nossas fronteiras”, afirmou o ministro Monteiro, otimista com os frutos que serão colhidos. Dentre as medidas mais importantes na área de financiamento está a garantia do governo de que não faltará dinheiro até o fim do ano para o Proex Equalização, programa que equilibra os juros mais altos no Brasil com as taxas cobradas no exterior. Para muitos exportadores, essa notícia gerou um alívio, pois os recursos estavam congelados no primeiro semestre. “O Brasil ficou, assustadoramente, com tudo parado durante seis meses”, diz Lucia Helena, ex-assessora especial da Câmara de Comércio Exterior (Camex) e atual diretora de relações governamentais da consultoria Barral M Jorge.

“Houve empresas no Brasil que esconderam da própria matriz os problemas no Proex para não perder negócios.” Outras medidas celebradas foram a ampliação de US$ 2 bilhões para US$ 2,9 bilhões de recursos do BNDES para o financiamento pós-embarque e o acesso de pequenas e médias empresas ao crédito pré-embarque, ainda na fase de produção de bens. Na esfera tributária, no entanto, houve uma decepção em relação ao Reintegra, programa que devolve ao exportador parte dos impostos embutidos nas mercadorias. Até o ano passado, o governo devolvia 3% dos impostos em crédito de exportação. Neste ano, como parte do esforço fiscal, o ministro Levy reduziu para apenas 1%.

No lançamento do Plano Nacional de Exportações, houve a promessa de que a alíquota subirá para 2% em 2017 e retornará a 3% no ano seguinte. “O prazo de 2018 foi um pouco decepcionante”, diz Gustavo Junqueira, presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB). “As agroindústrias também são vítimas dessa confusão tributária em que o Brasil se meteu.” Para um País historicamente atravancado por uma burocracia repugnante, as novas ações do governo trazem um alento. A meta é eliminar as guias em papéis nas transações comerciais ainda neste ano e reduzir o prazo de exportação de 13 para 8 dias, e o de importação de 17 para 10 dias até 2017.

DESAFIOS Desde o início do século XXI, as exportações brasileiras quadruplicaram, atingindo a marca histórica de US$ 256 bilhões em 2011. Para se ter a dimensão exata desta conquista, era comum ouvir na década de 1990, nos corredores da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), empresários traçando estratégias para o Brasil exportar US$ 100 bilhões por ano. É claro que a disparada nos preços das commodities agrícolas e minerais, provocada pela ascensão chinesa, explica o êxito da balança comercial na primeira década deste século.

No entanto, segundo os especialistas, não se pode ignorar o papel de “caixeiro viajante” que o ex-presidente Lula exerceu nos seus dois mandatos. “No primeiro governo Dilma, as missões comerciais ficaram paradas”, diz Lucia, que trabalhou no Ministério do Desenvolvimento, entre 2005 e 2013. O enfraquecimento da política comercial no governo Dilma, associado ao esfriamento do mercado internacional, explica o desempenho discreto do Brasil comércio exterior. “A sétima economia do mundo não pode aceitar ocupar o 25º lugar no comércio internacional”, reconheceu Dilma, durante o lançamento do programa.

Na avaliação do presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, a busca por novos mercados “é fator de sobrevivência para a indústria”. Nesse contexto, diz o executivo, é fundamental que o governo entenda que “precisamos importar para viabilizar nossas exportações”. Para isso, é crucial o aperfeiçoamento do drawback, mecanismo que isenta de tributos os insumos importados utilizados em mercadorias que serão exportadas. “Aumentar as exportações não pode ser o único alvo”, diz Daiane Santos, economista da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).

“Aumentar a corrente de comércio e ampliar a integração à economia mundial deveriam ser a prioridade.” Após perder muito tempo com intrigas e futricas do Mercosul, o governo brasileiro decidiu buscar parceiros comerciais mais atraentes. A presidente Dilma prometeu avançar as negociações com a União Européia, ainda neste ano, além de estreitar relações com os Estados Unidos – uma visita ao presidente Barack Obama, em Washington, estava marcada para o dia 29 deste mês. “Espero que os acordos comerciais sejam mais ambiciosos e abrangentes”, diz Regis Arslanian, que foi embaixador do Brasil no Mercosul e é sócio sênior da GO Associados.

“É preciso ir além do modelo clássico de acesso a mercados, com eliminação de tarifas.” No total, o governo elencou 32 países considerados prioritários. “Não dá para conquistar novos mercados sem abrir o nosso mercado”, diz Junqueira, da SRB, que destaca também a necessidade de a infraestrutura acompanhar a evolução dos negócios. No curto prazo, a ideia do governo é aproveitar os ganhos gerados pelo dólar mais caro para acelerar as vendas ao exterior. Para o setor privado, o fim da utilização da política cambial como instrumento de combate à inflação é uma grande notícia.

“O atual patamar de câmbio é importante, gera competitividade ao País”, diz José Luciano Penido, presidente do Conselho de Administração da Fibria, uma gigante do setor de celulose. “Mas o que gera mais competitividade é inovação e tecnologia, temas em que o agronegócio é referência.” É consenso entre os empresários que a nova política comercial não vai reverter, como num passe de mágica, o encolhimento do PIB, em 2015. Mas, sem dúvida nenhuma, é o primeiro passo para ampliar os horizontes econômicos do País.

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“Ainda temos um longo caminho para mudar o humor”

Na quarta-feira 24, o copresidente do Conselho de Administração da Natura, Guilherme Leal, participou do lançamento da Coalizão Brasil, um movimento multissetorial que defende uma economia de baixo carbono. Na ocasião, o empresário falou à DINHEIRO.

O Plano Nacional de Exportações do governo vai virar o jogo econômico?
Louvo as tentativas do governo, mas ainda temos um longo caminho para mudar o humor e as condições objetivas de desenvolvimento. Todo mundo sabe que o ajuste fiscal é necessário, mas ainda não há a construção da visão pós-ajuste, com o rumo que nós queremos.

Como se resgata a confiança do empresariado?
Além de sinalizações e medidas objetivas por parte do governo, há o fator tempo para que as coisas aconteçam. Estamos num momento em que faltam lideranças e as que existem estão céticas com relação às crises política, econômica e de valores na sociedade. Portanto, a retomada da confiança não se dará no curto prazo.

O escândalo do Petrolão e a operação Lava Jato contaminam o ambiente econômico?
Sem dúvida nenhuma, há muitos ruídos. O escândalo é muito grande para se jogar debaixo do tapete. Além disso, a maior concentração de investimentos estava na área de petróleo e gás. Sem falar na infraestrutura que sai prejudicada por causa da contaminação de todo um setor empresarial responsável por isso. Precisamos encontrar um novo caminho para o País.

Que caminho é esse?
Precisamos de um desenvolvimento de qualidade, uma nova economia de baixo carbono, competitiva, responsável e inclusiva. A sociedade deve participar e o governo precisa ter sensibilidade e liderança nesse processo.

Como crescer com baixo carbono?
Os desafios que a humanidade tem à sua frente podem ser oportunidades muito grandes. É por isso que me arrisquei numa experiência política (foi candidato à vice-presidente na chapa de Marina Silva, em 2010) para trazer essa agenda. Um País com a quantidade e qualidade de recursos naturais do Brasil tem uma grande oportunidade de ser uma potência alimentar, de energia renovável e de serviços ambientais. Falta o governo criar o quadro institucional para estimular que isso aconteça. Quem vai executar é a iniciativa privada.

O sr. não volta à política?
Não volto mais. Estou desenvolvendo novas lideranças políticas, no amplo espectro partidário, comprometidas com essa agenda de desenvolvimento. Esse é o meu papel agora.