23/05/2012 - 21:00
O executivo Geraldo Guimarães tem uma perspectiva incomum de seus problemas como vice-presidente para a América Latina da multinacional alemã Elster, fabricante de medidores para redes de energia. É a quase quatro mil metros de altura, quando começa a queda livre de um salto de paraquedas, que Guimarães reflete sobre a vida e os desafios na empresa. O paraense de 50 anos se diz viciado na adrenalina descarregada nos segundos anteriores à abertura do paraquedas. “O cérebro funciona em câmera lenta”, diz Guimarães. Uma vez por mês, o executivo deixa a rotina de viagens e reuniões no escritório na capital para um fim de semana com até dez saltos em Boituva, no interior de São Paulo. “É uma terapia”, afirma Guimarães, que se interessou pelo paraquedismo há 18 anos, como uma espécie de tratamento de choque para perder o medo de altura. Apaixonou-se pelo esporte e nunca mais parou.
Embora poucos executivos sejam tão radicais como o vice-presidente da Elster, é fato que os hobbies tornaram-se parte essencial da vida de um número cada vez maior de profissionais de alto escalão no Brasil, como forma de suportar as crescentes pressões no trabalho. Segundo uma pesquisa da consultoria Grant Thornton com presidentes e diretores de mais de 11 mil empresas em 40 países, o Brasil é o quarto colocado em nível de estresse. Vinte e nove por cento dos executivos baseados no País declararam estar muito estressados, mais que o dobro do percentual nos Estados Unidos e acima de países europeus em crise como a Espanha (ver quadro ao final da reportagem). “A ânsia de aproveitar a boa fase econômica do Brasil gera estresse”, afirma o diretor da Grant Thornton no Brasil, Antoniel Silva.
Metas difíceis de bater e politicagem corporativa são as principais razões de preocupação apontadas pelo estudo. As válvulas de escape são tão diversas quanto os estilos de gestão e vão dos esportes à música, da arte à velocidade. Entre os ousados homens de negócio, é comum buscar fortes emoções também no lazer. Raphael Klein, presidente da maior rede de eletroeletrônicos do País, a ViaVarejo, controlada pelo grupo Pão de Açúcar, passa longe de hotéis de luxo nas férias. O herdeiro da família fundadora da Casas Bahia prefere se enlamear em enduros ou acampar em viagens por regiões inóspitas. Sua última viagem, feita com um grupo de amigos, foi pela Patagônia argentina, até a Cordilheira dos Andes, pela “Ruta 40”, considerada o “caminho de Santiago de Compostela” dos motoqueiros da América Latina.
Klein já atravessou sobre duas rodas o Salar de Yuni, na Bolívia, e o deserto de Atacama, no Chile. Também concluiu várias vezes o Rali dos Sertões, prova pelo interior do Brasil. O grupo de amigos já planeja as próximas viagens: a trilha de Machu Picchu, no Peru, e uma rota entre a Itália e a Croácia. “Quando você roda 300, 400 quilômetros no meio da natureza, sem ver ninguém, percebe quanto somos pequenos”, diz Klein, que não se importa com o desconforto. “Comer milho enlatado de vez em quando não é ruim.” Essas viagens, diz Klein, o fazem pensar com mais clareza nos objetivos da empresa, à medida que contempla paisagens como as que viu da estrada, no alto da Cordilheira dos Andes. “O ar é limpíssimo, você vê um horizonte de 500 quilômetros”, conta. Ele herdou do pai, Michael, o gosto pelas motocicletas.
A garagem de sua casa abriga três bólides: uma BMW GS 800, que usa para as viagens, e duas para as trilhas – uma Suzuki DR- Z400 e uma Kawasaki KLX 650. Entre as excursões anuais, Klein costuma percorrer trajetos curtos nos fins de semana. Há alguns meses está parado a pedido da noiva, Roberta, com quem se casará no dia 2 de junho. Precavida, ela não quer vê-lo com uma bota ortopédica ou com o braço na tipoia antes da festa. “Já estou com coceira para pegar a moto depois da lua de mel”, diz. Klein afirma que volta com um “pique incrível” das viagens. “Faço em uma semana o que demoraria um mês.” O perigo não o assusta. “Muita gente morre de ataque cardíaco em casa”, diz o empresário, que já quebrou a perna, mas nunca sofreu um acidente grave de moto. O paraquedista Guimarães diz que reduz o risco checando os equipamentos com cuidado, mas os dois filhos adolescentes não gostam de ver o pai saltar.
Eis aí um ponto a ser enfrentado pelos adeptos dos hobbies radicais. No Brasil, isso ainda não é discutido, mas nos Estados Unidos as empresas já debatem se devem restringir o risco a que seus executivos se expõem durante as horas de folga. Especialmente depois da morte, em fevereiro, do CEO da Micron Technology, Steven Appeton, num acidente com o avião de pequeno porte que pilotava, as empresas podem tentar coibir hobbies perigosos. O presidente da HP no Brasil, Oscar Clarke, por exemplo, deixou de ir de moto para a empresa logo que assumiu o cargo. Políticas corporativas como essa estão numa fronteira tênue. “Perder um líder que demorou anos para ser formado é um prejuízo enorme”, diz o diretor da Grant Thornton, Antoniel Silva. “Mas também é difícil invadir a privacidade e privar pessoas do que elas mais gostam.”
Muitos executivos criam também nos esportes, escolhidos por 65% deles para aliviar a tensão, metas tão ambiciosas quanto as que têm no trabalho. O presidente da Dell no Brasil, Raymundo Peixoto, começou a correr há 15 anos, buscando maior equilíbrio interior. Hoje, ele é triatleta e fará, em agosto, um meio Ironman, em Santa Catarina. A prova dura mais de sete horas, com 1,9 mil metros de natação, 90 quilômetros de ciclismo e 21 quilômetros de corrida. Peixoto, de 47 anos, acorda às 5h20 e treina quase todos os dias antes de seguir para o escritório. “Minha mulher brinca que cada um tem a sua mania e a minha é ver o sol nascer”, diz. Para Peixoto, esses períodos são um tempo que dedica a si mesmo e à reflexão. Apesar da disciplina e da alimentação regrada, Peixoto procura evitar que o esporte se torne uma “obsessão” e não se sente culpado se “cabula” um treino.
Uma lesão há dois anos, depois de uma maratona em que forçou o ritmo, o ensinou a respeitar os limites e a se conhecer melhor. “Além de gostar de esporte, ele me ajuda a clarear a mente e até a tomar decisões.” Muitas soluções para problemas na maior instituição financeira do País já surgiram durante as corridas do vice-presidente de atacado do Banco do Brasil, Paulo Caffarelli, nas ruas do Lago Norte, em Brasília, ou entre braçadas na piscina da academia. “Já tive vários insights durante a corrida ou a natação”, disse Caffarelli no feriado de 1º de maio, pouco antes de começar o treino de dez quilômetros que faz nos fins de semana e feriados. “Se não praticar esporte, não produzo tão bem”, diz ele. “O exercício me dá concentração, disposição e bom humor para encarar o dia.”
Caffarelli, que na adolescência praticava caratê, se desdobra para manter a rotina de exercícios em Brasília e São Paulo, onde trabalha dois dias por semana. No sábado, faz aulas de pilates, que preparam a musculatura para a corrida. Leva os tênis nas viagens ao Exterior, quando corre na rua. “É uma boa maneira de conhecer lugares novos”, diz. Foi o que fez recentemente em Viena, na Áustria, e em Des Moines, nos Estados Unidos. Caffarelli deixa a competição para o dia a dia no banco. “Corro para me sentir bem, não preciso ganhar de ninguém”, afirma. Outros executivos gostam de se superar constantemente tanto no esporte como na carreira. O diretor-superintendente da fabricante de suplementos alimentares Nutrilatina, Marcello Lauer, 38 anos, começou a correr regularmente em 2005. Num período relativamente curto, tornou-se ultramaratonista – ou seja, corredor de distâncias superiores a 50 quilômetros.
No mês que vem, ele vai à África do Sul disputar a ultramaratona Comrades, de 89 quilômetros. “Fiz essa prova no ano passado em dez horas e oito minutos, quero reduzir o tempo para nove horas e 30 minutos”, afirma. A extenuante rotina de Lauer tem início às 4h30, quando começam os treinos antes do trabalho, e só termina após as 21 horas, quando ele chega em casa, depois da musculação na academia, para onde vai ao terminar o expediente no escritório da Nutrilatina, em Curitiba. “Uma prova longa ensina estratégias que podem ser usadas na empresa, como planejamento e disciplina”, diz Lauer. Além da disciplina que todo atleta traz para o ambiente corporativo, os executivos que praticam esportes coletivos costumam tirar da experiência estratégias para administrar equipes no ambiente de trabalho.
O vice-presidente-financeiro da Heineken do Brasil, Alberto Toni, 44 anos, quase se tornou jogador profissional de basquete na Itália, onde nasceu. Já aos 13 anos jogava na equipe juvenil de um clube de Milão e chegou às categorias principais. Optou pela carreira executiva aos 28 anos. “Percebi que nunca seria tão bom no basquete a ponto de fazer a diferença”, diz. Toni chegou ao Brasil há dois anos, depois que a Heineken adquiriu a divisão de cervejas da mexicana Femsa, dona da Kaiser no País. Não abandonou totalmente as quadras: joga pelo menos três vezes por semana com os amigos para relaxar, em São Paulo. Segundo ele, a experiência no esporte o ajuda a mesclar talentos numa equipe. “O Dreamteam não é formado só por estrelas com história de vida parecida”, diz. “Os melhores times misturam gente com diferentes competências, idades e vindas de níveis sociais distintos.”
O empresário Marcio Appel, 33 anos, dono da empresa de alimentos Bom Sabor, de São Paulo, diz que rende muito mais no trabalho desde que aumentou a dedicação ao hipismo, esporte que começou ainda criança, por influência da mãe. Nas duas horas diárias de almoço, Appel treina seus três cavalos, Utah, Ubiquiste e Shutterfly, no Clube Hípico de Santo Amaro, na capital paulista. No clube, ele se sente fora da metrópole e consegue equilíbrio emocional. Para manter o preparo físico exigido pelo hipismo, Appel corre três vezes por semana e faz semanalmente exercícios específicos para a concentração, que incluem malabarismo. Campeão paulista de hipismo em 2010 e vice-campeão brasileiro em 2009, na categoria amador top, Appel somou aos bons resultados no esporte um aumento de 20% anuais no faturamento da empresa da família.
Seu irmão e presidente da Bom Sabor, Mário, também é adepto do hipismo. “Hoje trabalho oito horas por dia e rendo mais do que quando ficava mais tempo na empresa”, afirma Appel. Certamente, a prática de atividades físicas não é a única alternativa para enfrentar o estresse provocado pela rotina corporativa e relaxar. Um número significativo de executivos busca recarregar as baterias em hobbies ligados à arte – segundo o estudo da Grant Thornton, o entretenimento é a escolha de 72% dos profissionais pesquisados. Eduardo Leduc, 50 anos, criou a banda Blackberry durante uma reunião de trabalho na Basf, onde é vice-presidente de proteção de cultivos para a América Latina, ao descobrir que todos os presentes gostavam de música.
Outra regra: nunca, jamais, se fala de trabalho. “É um raro momento no qual ficamos desplugados”, diz Leduc. Violonista, cantor e compositor, Leduc já teve uma de suas músicas gravada pela dupla sertaneja Ronei & Rangel. A banda Blackberry faz shows de rock ao estilo anos 1980 em bares da capital paulista e em quase todas as festas da Basf. Segundo ele, a banda tem ajudado a Basf na hora de atrair novos talentos. “Muitos ficam animados de trabalhar numa empresa que incentiva a manifestação artística.” Também na seara artística há executivos que fazem o que parece inalcançável. A plateia do espetáculo Nomes do pai, peça baseada em textos do escritor Franz Kafka em cartaz num teatro no centro de São Paulo, dificilmente acreditaria que um dos atores principais, Rafael Steinhauser, é, durante o dia, presidente da empresa de telecomunicações Qualcomm para a América Latina.
“O ditado de que não é possível fazer bem duas coisas é um mito”, diz Steinhauser, argentino de 53 anos, que vive no Brasil há 15. “O teatro é extremamente enriquecedor, complementa meu lado racional de executivo”. Steinhauser sempre gostou de teatro, mas decidiu tornar-se ator em 2004, quando fez um curso profissionalizante. De acordo com ele, é somente graças a um extremo de organização pessoal que consegue conciliar as duas carreiras. Viagens a trabalho e períodos em que estará em cartaz são planejados com muita antecipação. Depois de acordar às 6 da manhã e fazer exercícios, Steinhauser toma café da manhã com a esposa e as três filhas, moças entre 17 a 22 anos. Como mora perto do escritório central da Qualcomm, ele costuma almoçar em casa, no intervalo de suas jornadas de dez horas de trabalho.
É esse o tempo que reserva à família, já que as noites e fins de semana são dedicadas ao palco. Steinhauser acredita que uma vida equilibrada, entre o trabalho e as atividades prazerosas, é fundamental. “Ir do trabalho para a cama e vice-versa sufoca a pessoa e tira seu horizonte para exercer a criatividade”, afirma. Buscar obras de arte para sua coleção particular é a diversão do vice-presidente do Itaú Unibanco, Alfredo Setubal, quando não está imerso nas exigências da rotina do maior banco privado do País. Setubal aprendeu a gostar de pintura com a mãe, Mathilde (“Tide”), também colecionadora. Mas só começou a levar o hobby “a sério” em 1994, quando assumiu uma diretoria do Museu de Arte Moderna (MAM) e passou a ter mais contato com artistas, galeristas e marchands.
O vice-presidente do Itaú mantém o sangue-frio de banqueiro quando prospecta novas aquisições: estuda o máximo possível sobre o artista e a obra antes de comprar. “Eu não compro por impulso”, diz Setubal. Mas as semelhanças com a estratégia bancária param por aí: Setubal não vê suas 600 obras como investimento. “Coleciono porque gosto, e compro o que gosto”, afirma. “Tanto que eu quase não vendo nada, vendi pouquíssimas obras desde que comecei.” As peças, principalmente pinturas e esculturas de pequeno porte e muitas pratarias, estão distribuídas por dois apartamentos. Setubal prefere pintores brasileiros, mas diz que seu gosto mudou nos últimos anos, passando dos clássicos aos mais inovadores “No começo, eu colecionava acadêmicos, como Benedito Calixto”, diz Setubal.
“Hoje, gosto mais dos contemporâneos, a partir da segunda metade do século passado.” Quando está em São Paulo, ele percorre galerias nas manhãs de sábado para acompanhar o trabalho dos artistas e garimpar novas obras. Se alguns hobbies são quase uma tradição familiar, como as coleções de arte, alguns executivos buscam nas diversões uma ligação com as novas gerações. Alexandre Hohagen, 44 anos, vice-presidente do Facebook na América Latina, começou a “brincar de DJ” quando a filha entrou na adolescência e começou a distanciar-se do papai. “De herói, passei a bobão”, conta. Hohagen deu o troco na rebeldia: comprou uma mesa de som para atacar de DJ nas festinhas da garota. Logo conquistou a admiração dos amigos da menina, que começou a ficar orgulhosa do pai.
Hoje, aos 16 anos, ela estuda nos Estados Unidos, mas o pai manteve o hobby: já animou festas de amigos e eventos do Facebook e do Google, que presidia até mudar-se para a empresa de Mark Zuckerberg. Eclético, Hohagen não se contenta com uma só atividade. Pratica corrida e natação para se ‘desconectar’. Também coleciona carros antigos. “Minha mulher diz que eu estou na crise da meia-idade”, diz Hohagen. Sua versão é diferente: “Comprar carros antigos é um bom investimento”, diz Hohagen, que exibe em sua coleção joias como dois BMW de 1968, um deles um Cabriolet. Apostar em seu hobby preferido pode ser útil para os negócios, como é o caso de Laércio Cosentino, presidente da Totvs, maior empresa brasileira de software para empresas.
Amante da arte culinária, com destaque para os pratos à base de peixes, o empresário tem o hábito de ir ao supermercado aos sábados com a foto de um prato que experimentara na semana anterior. Compra os ingredientes e tenta reproduzir em sua casa. A paixão já o levou a ser sócio do chef Erick Jacquin, no La Brasserie, um dos restaurantes mais badalados de São Paulo. Quando deixou a sociedade, ele levou o braço direito do chef Jacquin para tomar conta do espaço gourmet, montado há dez anos, na sede da empresa, na zona norte da capital paulista. Foi nesse ambiente, muitas vezes com Cosentino cozinhando, que várias das mais de 20 aquisições realizadas pela Totvs ganharam corpo. O local, que tem capacidade para aproximadamente 40 pessoas, é também um ambiente para relacionamento com clientes e parceiros.
“A cozinha é uma alquimia, assim como o empreendedorismo”, afirma Cosentino. Quem também transformou o seu hobby em um negócio foi o americano Paul Sistare, CEO da Atlantica Hotels. Quando ele tinha 18 anos, Sistare começou a mexer em motocicletas por acaso. Na época, ele precisava de um veículo para ir à faculdade e o dinheiro só dava para comprar uma moto Harley-Davidson usada. “Eu tinha acabado de assistir ao filme Easy rider e quis comprar peças para torná-la única”, diz o executivo. Quarenta anos depois, personalizar motos tornou-se seu maior passatempo. Baseado em São Paulo, Sistare mantém sua casa na Flórida, onde customiza as motos na garagem. “Sempre que vou para lá, volto bronzeado e com as mãos machucadas do trabalho”, diz. Sistare faz quase tudo sozinho, com exceção da pintura e da parte elétrica.
E curte o resultado final. “Dá uma satisfação enorme andar com uma moto que você mesmo montou”, diz ele. A última das 15 motos que construiu, uma Harley Davidson Street Glide, recebeu dois prêmios em exposições e estará na capa da revista especializada Easy Rider. As diversas ofertas recebidas pela moto animaram Sistare a transformar o hobby numa atividade lucrativa. “Estou criando uma oficina de customização com amigos motoqueiros”, afirma. Como todo executivo que se preza, já tem metas: recuperar e vender dez motos neste ano. Só não pode acelerar demais e exagerar na dose de seu investimento na oficina. Do contrário, em alguns anos, Sistare provavelmente vai precisar encontrar um novo hobby para distraí-lo das preocupações com o negócio das motos.
Colaboraram: Rafael Freire, Bruna Borelli, Bruno Galo, Rosenildo Ferreira, Cláudio Gradilone e Clayton Melo