02/09/2022 - 0:10
Qualquer país minimamente civilizado coloca o investimento cultural no pelotão de frente das prioridades para o desenvolvimento. No Brasil, dando mostras de que o setor não é tão vital no entender do atual governo, os repasses para a área acabam de ser adiados, por determinação federal, para 2023 e 2024. Na prática, parou, estancou, deixou de ser liberado a partir de agora o dinheiro que estava garantido via leis ‘Aldir Blanc’ e ‘Paulo Gustavo’. Foi mais um acinte deliberadamente planejado. O presidente Bolsonaro, que nunca aceitou a destinação dessas verbas e chegou mesmo a vetar os dois projetos — depois derrubado o veto pelo Congresso — resolveu brecar os aportes através de uma MP, oficializando o tal adiamento. Na prática, uma clara pedalagem a mais no manejo das destinações públicas. Em tempos de orçamento secreto, com montagens bilionárias de emendas para acomodar o apetite e buscar o apoio parlamentar, não poderia mesmo sobrar nada para atividades, digamos, tão secundárias na visão do Planalto. Está claro que para executar o orçamento deste ano com um mínimo de previsibilidade alguma coisa iria ter de ser cortada. O problema é que as escolhas dessa tesourada, para variar, são as piores possíveis. Os repasses previstos nessa alocação foram bloqueados em três etapas. Inicialmente no valor de R$ 1,7 bilhão no primeiro bimestre do ano. Depois de R$ 8,2 bilhões no segundo e agora de R$ 12,7 bilhões. O volume alcançado efetivamente paralisa a atividade, elaboração e execução de diversas políticas públicas nos mais variados órgãos sob o guarda-chuva da pasta. Jamais, em outros tempos, verificou-se um congelamento de tal natureza e a justificativa assinalada no documento que dá base à medida é a da existência de despesas que precisavam ser acomodadas dentro do limite do teto de gastos. Curiosamente, o mesmo argumento não foi levantado quando se lançou mais de R$ 40 bilhões nas famigeradas emendas do relator que compraram aliados políticos. Muito menos quando duplicaram os gastos com o fundão eleitoral. A Cultura, na escala de valores da atual gestão, desceu ao fosso. Autoridades econômicas são capazes de falar em “alocação eficiente dos escassos recursos” para tamanho descalabro e a reclamar que “faltou margem para dar continuidade às políticas atualmente em vigor”. Decerto, cada nação tem as prioridades que procura. A manobra em curso não apenas ceifou verbas essenciais para a Cultura, como também para a Ciência, em muitos fundos que bancavam projetos de inovação. Está acontecendo. É real. A Ciência e a Cultura no Brasil foram relegadas a segundo plano. Estão redirecionando espaço nas contas públicas para acomodar “outras demandas”. A expectativa dentro do governo é abrir caminho para um desbloqueio ainda maior de benesses eleitoreiras às vésperas da votação nas urnas. Na atual dinâmica, não importa a saúde financeira de qualquer setor que não sirva de vitrine de marketing para as aspirações de campanha do mandatário. A ordem está dada na Esplanada dos Ministérios, em todos os departamentos. Por isso mesmo, em acordo com o Congresso, foi negociada a PEC Kamikaze em uma fatura extrateto de mais de R$ 41 bilhões para turbinar os incentivos sociais que dessem visibilidade e ajudassem na reeleição. Mercantilizaram a gestão orçamentária.
Carlos José Marques
Diretor editorial