16/08/2013 - 21:00
Não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe. O antigo provérbio se encaixa com exatidão à situação da Europa, que parecia viver um inferno interminável, diante de um endividamento exorbitante e desemprego crescente. Pois na quarta-feira 14, o Eurostat, órgão oficial de estatísticas da União Europeia, trouxe a primeira boa notícia em muito tempo: depois de seis trimestres de estagnação ou variação negativa, a Europa saiu oficialmente da recessão no segundo trimestre deste ano, com um crescimento de 0,3%. Ainda é cedo para decretar o fim de uma crise que começou em 2008, e provocou uma recessão de 4,5% em 2009.
Verão europeu: Hollande (à esq.), da França, Merkel, da Alemanha, e Cavaco Silva, de Portugal,
têm motivos para celebrar. A economia dos três países cresceu acima do esperado
A Zona do Euro chegou até a registrar um tímido crescimento nos dois anos seguintes, mas a economia se retraiu novamente no ano passado. Agora, enxerga a luz no fim do túnel. A notícia trouxe alento para a Alemanha, que, novamente, liderou a alta no bloco, com um crescimento de 0,7% em relação ao trimestre anterior. A chanceler Angela Merkel respirou aliviada, assim como o presidente francês, François Hollande, que comemora uma expansão de 0,5%, acima da expectativa do mercado. Outra grande economia europeia, o Reino Unido, que teve apenas um trimestre negativo no ano passado, registrou um crescimento de 0,6%. Até mesmo Portugal, que há dois anos precisou receber um pacote de ajuda de € 78 bilhões para amenizar sua derrocada, cresceu 1,1%.
Schaefer, do Mdic: “O interesse dos empresários por um acordo
com a Europa aumentou”
A dívida portuguesa, de 127% do PIB, ainda preocupa o presidente Cavaco Silva. Mas o país conseguiu ficar entre as 15 nações do continente que registraram resultados positivos – outros cinco ainda estão em recessão (leia quadro “Alívio Europeu”). Uma Europa crescendo, mesmo que pouco, é sempre uma boa notícia para o Brasil, já que a região recebe 21% das exportações brasileiras. “Além de ampliar o nosso mercado, países como China acabam exportando mais para lá”, diz o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson de Andrade. “Isso reduz o peso dos produtos chineses no Brasil.” Mas é preciso mais do que apenas contar com o crescimento do mercado externo para ampliar as exportações do País.
Nos primeiros sete meses deste ano, as exportações brasileiras para a região caíram 7%, enquanto as importações cresceram 9%. “Estamos com um déficit inédito com os europeus, mas que tende a se reduzir até o fim do ano, com a retomada do crescimento”, diz Rodrigo Branco, economista-chefe da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior. Para crescer num mercado internacional cada vez mais competitivo e já dominado por blocos comerciais, é preciso ousar na política externa e buscar acordos de livre comércio. Trata-se de uma reivindicação antiga dos empresários brasileiros que vinha sendo conduzida em banho-maria pelo governo.
Dinkelmann, da Totvs: “Quanto mais conectados à Europa,
mais reforço para nossa estratégia global”
Na semana passada, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, mostrou que o País está disposto a avançar, ao afirmar que o Brasil vai se esforçar para fechar um acordo entre Mercosul e União Europeia nos próximos meses. Mesmo que ele inclua velocidades diferentes de integração dos parceiros do Mercosul. Neste raciocínio, o Brasil promoveria a abertura do mercado nacional, ainda que os países vizinhos não concordem. As negociações entre os dois blocos foram retomadas em 2010, depois de seis anos de paralisação, e as propostas serão apresentadas até o fim deste ano. A União Europeia quer um acordo que elimine tarifas em pelo menos 90% dos itens.
Os empresários brasileiros, pelas consultas feitas pelo Ministério de Desenvolvimento, concordam com uma abertura entre 80% e 85%. “O interesse privado aumentou nas consultas que fizermos neste ano”, diz o secretário-executivo do Ministério, Ricardo Schaefer. Ele reconhece que alguns setores temem perder mercado com o acordo de livre comércio, mas é uma minoria. “Não temos observado pressão contrária.” Por parte da indústria brasileira, a pressão é para aumentar o número de acordos, mesmo que isso signifique abrir mão da parceria com a Argentina. “O Mercosul é um entrave”, diz o presidente da CNI, repetindo o mantra mais ouvido nos últimos tempos no setor privado.
Proteção: um acordo de livre comércio precisa derrubar as barreiras da UE
à exportação agrícola brasileira
Na avaliação do consultor Welber Barral, sócio da Barral M Jorge Consultores e ex-secretário de Comércio Exterior no governo Lula, a negociação com a Europa é importante, mas não vai resolver o problema imediato de perda de espaço do produto brasileiro no território europeu. “Até o acordo ser finalizado, aprovado pelos congressos e entrar em vigor, pode demorar de dez a 20 anos”, alerta. Até lá, os exportadores brasileiros terão que enfrentar outro obstáculo. No fim do ano, o Brasil sai do Sistema Geral de Preferências (SGP) europeu, que zera as tarifas de importação, e é concedido apenas a países em desenvolvimento. O País tinha direito a esse benefício há décadas.
Retomada suave: o comissário europeu Olli Rehn vê uma recuperação
contida no segundo semestre
Mas, com o crescimento da economia nos últimos anos, o Brasil perde esse privilégio. Só nos últimos três anos, o status diferenciado garantiu o comércio de € 3,8 bilhões, o equivalente a 15% das exportações industriais. “É preocupante, porque muitos produtos não são competitivos sem esta vantagem”, afirma Barral. Schaefer concorda, mas explica que o País não tem alternativa. Um setor bastante preocupado com a eliminação de tarifas é o químico, que depende do SGP para exportar para a Europa. Dos US$ 2,5 bilhões embarcados no ano passado, 76% foram beneficiadas pelo sistema. Boa parte desse valor, na avaliação da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), será perdida no próximo ano, com o fim da preferência. Mas a perspectiva de um acordo com a Europa, ainda que no longo prazo, traz um alento.
“Esperamos que um tratado de livre comércio devolva o benefício”, diz Denise Naranjo, diretora de Comércio Exterior da Abiquim. Uma parceria mais estreita com o Velho Continente representa, ainda, uma oportunidade de recuperar mercado para empresas de alimentos como a Purea Foods, de industrializados à base de frutas. “É muito importante para nós, pois 70% da nossa receita é baseada em exportações”, afirma Ivini Granado, gerente de negócios da Purea. A Europa, que já representou 30% das vendas externas, hoje responde por apenas 15%. Os produtores de carne também vislumbram a chance de retomar o patamar de vendas do passado. De 2003 para cá, os embarques para a Europa caíram de 30% para 10% das exportações, devido a barreiras alfandegárias.
“A carne brasileira precisa pagar menos imposto de importação para entrar na Europa”, diz Fernando Sampaio, diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne. “De outra forma, não conseguiremos retomar nossa presença no continente.” No sentido inverso, a trading Comexport, uma das maiores importadoras do País, vê o acordo com bons olhos. “Teríamos acesso a produtos europeus por um custo menor”, destaca Roberto Milani, sócio da Comexport. As multinacionais brasileiras esperam tirar proveito da maior integração. É o caso da Totvs, gigante da área de TI, presente em 23 países. “Um acordo pode ajudar a aumentar nossas exportações, que hoje representam menos de 5% da receita”, diz Alexandre Dinkelmann, vice-presidente de Estratégia da Totvs.
“Quanto mais a economia brasileira estiver conectada com a Europa, mais vamos reforçar nossa estratégia de ser referência global.” Mas nem todos no setor de tecnologia estão tão otimistas. “Num primeiro momento, pode haver um fluxo significativo de pequenas empresas europeias para o Brasil, porque a maioria das grandes já está por aqui”, diz Guilherme Amorim, gerente de inteligência de mercado da Associação Brasileira de Empresas de TI e Comunicação. Para ele, se um acordo fosse fechado hoje, ajudaria apenas os empresários europeus. As dúvidas sobre o sucesso de uma empreitada do gênero são parte do jogo. Não se sabe, por exemplo, se os europeus vão aceitar abrir o mercado agrícola, fortemente protegido e subsidiado. Mas a abertura é um caminho inexorável e o País precisa estar pronto para ousar numa aliança com o bloco responsável por 20% do comércio mundial.