30/08/2013 - 21:00
Numa sessão extensa, de cinco horas de julgamento, nesta quarta-feira 28, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) condenou quatro companhias aéreas e sete executivos ao pagamento de multas que somam R$ 293 milhões pela formação de cartel no transporte internacional de cargas entre 2003 e 2005. O processo no órgão surgiu a partir de uma denúncia feita por meio de um acordo de leniência, instrumento de delação premiada do Cade com as companhias aéreas Lufthansa e Swiss Airlines, que denunciaram o esquema, em 2006, e ficaram isentas de punições. O desfecho do caso consagra esse estímulo à revelação de conluios comerciais e dá pistas sobre a atuação do órgão de defesa de concorrência em casos semelhantes, como a denúncia feita pela Siemens no caso do cartel das licitações do Metrô de São Paulo e de Brasília.
Carvalho, do Cade: “O cartel de carga aérea teve impacto no custo logístico do País”
Além de isentar das multas as duas companhias e os cinco executivos que denunciaram o crime, o Cade também abrandou a penalidade de outras empresas, a Air France e a KLM. Em acordo celebrado em fevereiro, as duas companhias confessaram a participação no cartel, em que juntas pagaram R$ 14 milhões para encerrar o processo. Já as multas aplicadas às integrantes do cartel variaram conforme o seu faturamento. A maior punição foi aplicada à Varig Log, que terá de pagar R$ 145 milhões. Em seguida vieram a ABSA (R$ 114 milhões), a American Airlines (R$ 26 milhões) e a Alitalia (R$ 4 milhões). No caso dos executivos e funcionários, a punição variou de acordo com o grau hierárquico de cada um nas empresas, entre R$ 74 mil e R$ 2,3 milhões.
Transporte criminoso: aeronaves da Varig Log (no alto) e da American Airlines, que atuavam
em conluio com Lufthansa, Swiss Airlines, Air France, KLM, ABSA e Alitalia
“O cartel gerou preço abusivo e foi repassado para os consumidores e para a cadeia logística”, afirma o presidente do Cade, Vinicius Marques de Carvalho, ao resumir a sentença. “Estamos falando de carga aérea. Essa prática claramente teve impacto no custo logístico do País.” Para o advogado especialista em direito concorrencial, José Del Chiaro, a isenção da pena dada aos delatores e a redução da punição para as empresas que confessaram a prática mostram que o Cade fortaleceu o instrumento da delação premiada, numa indicação de que o mesmo procedimento será utilizado no caso dos metrôs. “O mais importante é mostrar a coerência institucional que o órgão vem tendo”, afirma Chiaro.
As multas variáveis conforme o grau de responsabilidade e cooperação na investigação também são um importante incentivo para os próprios funcionários denunciarem as práticas irregulares, na opinião do advogado. “Isso sinaliza para o mercado que os bônus ganhos com práticas ilegais podem ser reclamados de volta pela autoridade de regulação concorrencial”, afirma. Segundo ele, isso mostra a importância de as companhias incluírem já nos contratos de admissão ou de demissão cláusulas que responsabilizem diretamente os funcionários pelas práticas irregulares que fizerem ao longo da permanência em suas funções. O ex-presidente do Cade, Ruy Coutinho, ressalta, no entanto, que o acordo de leniência prevê a cooperação total da empresa com a investigação.
Multas conforme o grau de responsabilidade e cooperação na investigação
incentivam denúncias pelos funcionários e sinalizam que os bônus ganhos
com práticas ilegais podem ser cobrados de volta
“Caso se comprove que a denunciante está ocultando informações ao Cade, a condição de leniência pode ser perdida”, diz. Isso vale também para executivos que têm de comparecer às audiências, com recursos próprios, todas as vezes que forem convocados. Além disso, o acordo com o Cade não impede que o processo ocorra normalmente em outras esferas, como a criminal. “As ações privadas que podem ser ajuizadas por abuso de poder econômico correm de forma independente à decisão do Cade”, afirma. Uma diferença entre o caso da Siemens e o das aéreas deve ser a velocidade de tramitação.
Enquanto o cartel de cargas transitou na estrutura antiga do Cade, que dependia da apuração da Secretaria de Acompanhamento Econômico, do Ministério da Fazenda, e da Secretaria de Direito Econômico, do Ministério da Justiça, antes de chegar ao órgão, o caso das licitações do Metrô de São Paulo e Brasília será apurado unicamente pela Superintendência-Geral. “Com isso, enquanto o processo das aéreas demorou sete anos para chegar a uma decisão, esperamos que este caso seja decidido em um ano e meio”, afirma Chiaro. Em audiência no Senado, em julho, o próprio presidente do Cade deu uma perspectiva um pouco mais moderada, de redução do tempo médio de tramitação dos processos de cinco para dois anos. Seja como for, o mais importante é fazer valer a lei.