07/08/2015 - 20:00
O termo ajuste fiscal é usado, no jargão dos economistas, como uma maneira de sintetizar o esforço de Estados em apertar gastos, ampliar receitas e conseguir melhorar as finanças, de forma a reduzir a dívida pública. De tão repetida, neste ano, a expressão passou a ser conhecida nacionalmente por uma audiência mais ampla do que a do mundo das finanças. No caso específico do Rio Grande do Sul, caiu na boca da população, afetada pela tesoura do governador José Ivo Sartori (PMDB), que anunciou, na quinta-feira 6, a terceira fase de programa de saneamento das finanças estaduais, cujo estado calamitoso tem paralisado a administração e os serviços públicos.
Os recursos do Tesouro estadual se esgotaram. Depois de carregar, por meses, atraso nos pagamentos aos prestadores de serviço, a crise acabou atingindo o salário dos servidores públicos. O governo garantiu o repasse imediato de apenas R$ 2.150 por funcionário, deixando o restante em aberto para ser pago de forma parcelada – metade dos participantes da folha salarial não recebeu o valor integral. A reação foi imediata. Policiais, professores e outras categorias do funcionalismo tomaram as ruas para questionar a medida. Como resposta, o Executivo disse entender as manifestações e pediu compreensão e união aos gaúchos. “O governo adotou medidas severas de austeridade para manter a governabilidade, procurando causar o menor dano possível aos servidores e aos diferentes setores da sociedade”, afirmou, em nota, o governador Sartori. “A crise é estrutural e não será resolvida pelo velho radicalismo político.”
O elevado endividamento gaúcho é histórico e vem se arrastando por diferentes gestões. O passivo hoje soma cerca de R$ 60 bilhões. O Estado tem uma das maiores relações entre receita/dívida do Brasil (2,13), acima do limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. O percentual dos recursos destinado à folha de pagamento também está próximo do limite legal. O principal vilão é a Previdência, que representa cerca de 30% do Orçamento, ante uma média de 14% nos restante do País. Somada à folha de pagamentos dos funcionários ativos e aos encargos da dívida, consome metade dos recursos do Estado. O problema estrutural se agravou, neste ano, com a crise conjuntural, que trouxe queda na arrecadação de tributos, aumento no custo da dívida, com a alta dos juros, e endurecimento do governo federal na contratação de novas dívidas por parte dos Estados. “Estamos vivendo o acirramento de uma situação que se arrasta há décadas”, afirma Gustavo de Moraes, professor de economia da PUC do Rio Grande do Sul.
Desde que assumiu o mandato, o governador Sartori adotou medidas como a extinção de secretarias e a reintegração de recursos de fundos antigos. No anúncio mais recente, decretou o fim de três fundações estaduais e instituiu o regime de previdência complementar, que exigirá uma contribuição adicional aos novos servidores que buscarem uma aposentadoria superior ao teto do INSS (R$ 4,6 mil). O Estado deve conceder à iniciativa privada parte da malha rodoviária e hidrovias e estuda, também a adoção de medidas mais drásticas, como o aumento de impostos e a revisão de benefícios fiscais concedidos no passado. Entre as soluções de curto prazo apontadas por economistas gaúchos, aparece, ainda, a melhora na cobrança dos impostos. Para Luiz Faria, professor de economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o problema é muito mais político, pois o Estado tem dificuldade em negociar com a União e com sindicatos. “Além disso, não mexe nos incentivos porque as empresas financiam a campanha”, diz Faria. “O Rio Grande do Sul sofre de nanismo político.”
A dificuldade com as contas não é exclusividade gaúcha e está longe de ser resolvida. Mas um alívio pode estar a caminho. Uma lei aprovada no ano passado mudou o indexador da dívida de Estados e municípios com a União, o que pode gerar um alívio de R$ 2,3 bilhões aos gaúchos. Diante da resistência do ministro Joaquim Levy em colocar a medida em prática, os municípios de São Paulo e do Rio de Janeiro, que também brigavam pela mudança, foram à Justiça para garantir o benefício. Na segunda-feira 3, Levy autorizou o acordo com o prefeito paulistano, Fernando Haddad, reduzindo a dívida quase pela metade. Vitórias assim têm um gosto especial em tempos de crise. Mas mesmo que Sartori consiga avanço semelhante, não deve garantir paz para o seu mandato. “O governo tem contratado quatro anos de administração de crise”, afirma o professor Moraes.