06/05/2016 - 20:00
Henrique Meirelles, nomeado ministro da Fazenda num eventual governo Michel Temer, é um ferrenho defensor da independência formal do Banco Central (BC). Após empunhar essa bandeira ao longo dos oito anos do governo Lula, de 2003 a 2010, período em que presidiu a instituição, Meirelles mantém-se convicto de que a autonomia do BC é o melhor caminho para fortalecer a autoridade monetária. Em 2012, ao participar de um seminário promovido pela DINHEIRO, intitulado “Guardiões da Estabilidade”, Meirelles afirmou que tratava-se de “um assunto da maior importância”, que estava “sendo pouco visto”.
A mudança, segundo ele, traria um ganho de credibilidade à instituição. O debate voltou a esquentar nas eleições de 2014, quando a candidata Marina Silva foi bombardeada pelos marqueteiros do PT por defender o tema. A propaganda da presidente Dilma Rousseff dizia que um BC independente tiraria “comida do prato dos brasileiros”. Agora, a poucos dias de o Senado votar o afastamento de Dilma, Meirelles ganhou o apoio que faltava para o tema deslanchar: Michel Temer quer dar autonomia à autoridade monetária.
Integrantes da equipe que está formatando o novo governo já enviaram recados ao mercado financeiro de que o projeto de lei sobre o assunto, de autoria do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-PA), será “turbinado” e colocado em votação. O texto prevê mandatos fixos e alternados de seis anos para a diretoria, desatrelando as trocas do período eleitoral. “Haveria mecanismos que dificultariam as substituições políticas, sem uma causa específica”, diz Gustavo Loyola, que presidiu o BC em duas oportunidades (leia entrevista ao final da reportagem).
A maioria dos especialistas concorda com a visão de Meirelles de que, por definição, os BCs independentes têm mais credibilidade e, consequentemente, precisam de um esforço monetário menor para atingir os seus objetivos. O México, por exemplo, é sempre citado por Meirelles como um modelo exitoso de blindagem às diversas forças políticas. “A autonomia daria uma boa sinalização ao mercado”, afirma José Júlio Senna, que foi diretor do BC em 1985, nos primeiros meses do governo José Sarney. “A chance de aprovar é grande porque, atualmente, não tem muita gente lutando contra um Banco Central independente.”
No Brasil, a autonomia ajudaria tirar o País da incômoda situação de maior pagador de juros reais do mundo. Derrubar os juros, no entanto, não é – nem deveria ser – uma ação mágica. Um exemplo concreto é o da gestão de Alexandre Tombini, atual presidente do BC, que reduziu a taxa Selic, em 2012, para o menor patamar da história (7,25%), num contexto em que as expectativas inflacionárias não convergiam para o centro da meta (4,50%). O resultado prático foi uma alta de preços contínua e o estouro do teto da meta (6,50%) no ano passado, quando o índice oficial de inflação, o IPCA, atingiu 10,67%.
Em 2015, mais uma vez na contramão das tendências, Tombini e os diretores do Copom elevaram os juros em meio à maior recessão da história do País e à alta do desemprego. Agora, com a economia no fundo do poço, o mercado aposta em queda dos juros no segundo semestre. Segundo o Boletim Focus, que reúne projeções de cerca de cem instituições bancárias e consultorias, a nova gestão do BC promoverá dois cortes de meio ponto percentual, reduzindo a Selic para 13,25% no fim do ano. Setores produtivos dependentes de crédito, como o automotivo, aguardam ansiosamente pelo afrouxamento monetário.
“Na hora que há queda de juros, melhora o ambiente fiscal e as condições de financiamento para os consumidores”, diz Antonio Megale, novo presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). “A independência do Banco Central garante que medidas econômicas não sejam tomadas de forma inadequada.” Na quinta-feira 5, a entidade reportou uma queda de 27,9% nas vendas de carros, ônibus e caminhões de janeiro a abril em relação a igual período do ano passado.
Outra mudança pretendida pelo possível governo Temer é a ampliação das missões do Comitê de Política Monetária (Copom) que, atualmente, limita-se a perseguir uma meta de inflação. A ideia é incluir o desemprego nesta lista, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, cujo Banco Central (Federal Reserve) é comandado por Janet Yellen. Além disso, é claro, a instituição continuará responsável por garantir a estabilidade financeira, evitando crises bancárias como as ocorridas mundo afora, em 2008 e 2009.
Para o economista Paulo Yokota, que foi diretor do BC na década de 1970, as medidas são bem vindas, mas há mais um ponto a ser aprimorado: a composição do Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão que define as metas de inflação. Atualmente, apenas o presidente do Banco Central e os ministros da Fazenda e do Planejamento participam do CMN. “No passado, o Conselho Monetário era representado por diversos setores”, diz Yokota. “O ideal seria ter também a participação de representantes da indústria e da agricultura.”
SOB NOVA DIREÇÃO O ministro da Fazenda indicado num eventual governo Temer deve manter Tombini nas primeiras semanas para priorizar a montagem de sua tropa econômica. Apesar do fraco desempenho durante os cinco anos à frente do BC – em nenhum ano o centro da meta foi cumprido –, Tombini já trabalhou com Meirelles e goza de sua confiança. No mercado, no entanto, a inquietação é enorme para conhecer o nome do futuro guardião da moeda e dos diretores. Todos precisam ser sabatinados pelo Senado Federal, o que pode atrasar em até um mês a montagem da nova equipe.
Vários ex-diretores do BC que trabalharam com Meirelles na década passada são cotados para comandar a instituição. Dois, em especial, lideram o quadro de apostas: Ilan Goldfajn, economista-chefe do Banco Itaú, e Mário Mesquita, sócio do Banco Brasil Plural. Mesquita trabalhou muito mais tempo com Meirelles do que Goldfajn, que foi uma escolha de Armínio Fraga, presidente do BC no segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso. “Qualquer um desses nomes daria um excelente presidente do Banco Central”, afirma Alexandre Schwartsman, que também esteve na diretoria comandada por Meirelles.
Procurados, Mesquita e Goldfajn preferiram não dar entrevistas por conta das especulações em torno dos seus nomes. Se o cronograma traçado por Meirelles for cumprido, Tombini ainda terá a responsabilidade de comandar mais uma reunião do Copom, nos dias 2 e 3 de junho. Os analistas preveem que a taxa Selic será mantida à espera dos novos diretores. Além da questão dos juros, há uma enorme expectativa em torno do futuro do BC por causa de suas atuações no mercado de câmbio, que movimentam bilhões de reais.
Meirelles já deixou claro que a ordem será para que as intervenções sejam pontuais, apenas em casos de forte volatilidade. Nos últimos anos, sob pressão do Palácio do Planalto, o câmbio foi utilizado como instrumento de combate à inflação. Se por um lado o real forte ajuda no controle dos preços, por outro, tira competitividade da indústria brasileira e estimula uma invasão de importados. Para se dedicar integralmente à sua nova missão, Meirelles já se desvinculou do Conselho da J&F, holding do grupo que detém as marcas Friboi, Seara, Vigor e Havaianas, além do Banco Original, Eldorado Brasil e Canal Rural, entre outros negócios.
O futuro ministro da Fazenda sabe que a prioridade é arrumar as contas públicas, mas, ainda assim, não minimiza o papel que o cinquentenário Banco Central terá em sintonia com toda a equipe econômica. Para dar um choque positivo de expectativas, ele vai escolher a dedo os diretores, mesclando conhecimento acadêmico com experiência prática. “É melhor que no comando do BC esteja um ex-diretor”, diz Carlos Thadeu de Freitas, que trabalhou na instituição na década de 1980. “Banco Central não é para cabelos pretos. É para cabelos brancos.”
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“Com autonomia, o Banco Central faz o trabalho com uma dose menor de juros”
O economista Gustavo Loyola foi presidente do Banco Central no fim do governo Fernando Collor de Mello e, novamente, no começo do governo Fernando Henrique Cardoso
Quais são as vantagens de um Banco Central formalmente independente no Brasil?
Uma vantagem é isolar o Banco Central de pressões políticas por ações monetárias irresponsáveis. Isso aumentaria a credibilidade da política monetária, ajudando na estabilização da economia e na coordenação das expectativas inflacionárias. Com autonomia, o Banco Central faz o trabalho com uma dose menor de juros.
Como isso funciona na prática?
Os diretores teriam mandatos definidos como acontece nas agências reguladoras, incluindo a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Haveria mecanismos que dificultariam as substituições políticas, sem uma causa específica.
É uma boa ideia incluir a taxa de desemprego nas missões do Banco Central?
O foco deve ser a inflação. Um mandato duplo pode levar à ideia de que o Banco Central pode, sozinho, fazer com que o País cresça mais com uma política monetária expansionista, se esquecendo da inflação.
O sr. está mais otimista em relação à economia?
A expectativa em relação à Dilma era a pior possível. Agora, pelo menos, há uma possibilidade de melhora. É um otimismo cauteloso, pois os problemas são muito sérios.