20/03/2015 - 20:00
Engenheiro e economista, acostumado a trabalhar com fórmulas matemáticas e planilhas de cálculos, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, foi obrigado a incorporar ao seu currículo uma habilidade pouco usual para o cargo que ocupa: a de articulador político do governo. Diante de uma grave crise de relacionamento entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional, que ameaça a aprovação do pacote fiscal, Levy decidiu cuidar pessoalmente das negociações com os parlamentares, papel que ele não imaginava exercer quando recebeu o convite da presidente Dilma Rousseff, logo após as eleições.
Em conversas reservadas, o ministro tem dito a interlocutores que está insatisfeito e decepcionado com as dificuldades impostas pela base governista – que nem sempre é tão governista assim. Ao ser forçado a incorporar à sua agenda diversas reuniões com parlamentares do PT e do PMDB, Levy corre o risco de ter a sua imagem desgastada num momento em que a prioridade da equipe econômica deveria ser conquistar o apoio de empresários e investidores às mudanças fiscais. Na segunda-feira 16, um dia após as manifestações que levaram mais de um milhão de brasileiros às ruas, o ministro da Fazenda começou mais uma semana pesada de encontros.
A primeira parada foi na Associação Comercial de São Paulo (ACSP). “Nosso plano é dar clareza e condição de segurança para a iniciativa privada”, afirmou Levy aos empresários. “Não o conhecia, mas a impressão que tive foi ótima, nos passou muita confiança”, disse o presidente da entidade, Rogério Amato, que deixou o cargo na última semana. Na sequência, Levy foi a um almoço na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), com pesos-pesados da economia, como Abilio Diniz, presidente do conselho administrativo da BRF, Jorge Gerdau, presidente do conselho de administração da Gerdau, e Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central e atual presidente do conselho consultivo da J&F.
Contrários à mudança na desoneração da folha de pagamento e ao aumento de impostos, os empresários relataram ao ministro as dificuldades que estão enfrentando, num momento de mercado enfraquecido. “O ajuste fiscal é quase unanimidade entre as classes produtivas e produtoras, o que não é unanimidade é a forma de fazê-lo”, afirma Paulo Skaf, presidente da Fiesp, que há duas semanas protagonizou uma união com as centrais sindicais para pressionar o Congresso a barrar esses itens do pacote fiscal. Concluído o roteiro empresarial, Levy retornou a Brasília e incorporou à agenda um jantar com a bancada do PT na Câmara dos Deputados.
O encontro deveria ser restrito ao grupo de 12 líderes e vice-líderes da legenda, mas acabou crescendo e virou quase uma assembleia, com a presença de 40 parlamentares. No apartamento funcional do deputado Beto Faro (PT-PA), eles se espremeram para ouvir os argumentos do ministro em favor dos cortes de gastos, reforma nos benefícios previdenciários e no seguro-desemprego. O anfitrião ficou convencido de que o ajuste, por mais duro que seja, é importante. “Ele transmitiu muita confiança e deu esclarecimentos que precisávamos”, disse Faro.
Nos dias seguintes, enquanto o Congresso aprovava o Orçamento, o ministro da Fazenda continuava sua agenda política. Reuniu-se, em separado, com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e com o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). “Se todos que querem aprovar matérias fizessem desse jeito, facilitaria muito”, disse Cunha. “Foi uma conversa boa em que nós pudemos discutir perspectivas, a nova situação econômica do Brasil”, afirmou Levy. Nos encontros, o ministro expressou preocupação com o prazo de tramitação das medidas provisórias, mas não demonstrou insegurança sobre o cumprimento da meta de superávit fiscal, de 1,2% do PIB.
Pouco depois, a relação do Executivo com o Congresso quase azedou, com o discurso do então ministro da Educação, Cid Gomes, no plenário da Câmara. Mas a crise foi resolvida com a saída de Gomes, o que deve precipitar uma reforma ministerial, pelo menos parcial. Em meio ao papel de embaixador político, Levy teve de abrir espaço na agenda para os compromissos formais – e não menos importantes – do Ministério da Fazenda. Reafirmou aos técnicos da agência de classificação de risco Fitch, em visita a Brasília, que o compromisso com o ajuste é para valer. Além da disposição do corte de gastos imediatos, o ministro apresentou medidas que trarão resultados no médio prazo, inclusive mudanças na estrutura tributária, como PIS/Cofins.
Enquanto tenta convencer os parlamentares de que um ajuste breve trará resultados mais rápidos, Levy terá de absorver as críticas em relação à piora da conjuntura. Em fevereiro, foram fechados 2,4 mil postos de trabalho com carteira assinada, o pior desempenho para o mês desde 1999. A inflação não para de subir, corroendo a renda das famílias e piorando dados de inadimplência como o de cheques sem fundos, que atingiu o maior patamar desde a crise, em 2009, segundo a Serasa Experian. Com a dupla missão política e econômica, o jogo para Levy está cada vez mais quente e perigoso.