01/04/2013 - 9:47
O passado e o futuro da mineira Kroton, rede de ensino que possui mais de 400 mil alunos e faturou R$ 715 milhões no ano passado, estiveram lado a lado na quarta-feira 5. Nesse dia, a companhia entrou para o Novo Mercado da BM&FBovespa, segmento que exige os mais altos padrões de governança corporativa e de transparência das empresas listadas. No evento que marcou a mudança, realizado na sede da bolsa paulista, no centro velho de São Paulo, seu presidente, Rodrigo Galindo, 36 anos, se viu diante de Evando Neiva e Walfrido dos Mares Guia, fundadores do curso pré-vestibular Pitágoras, criado em 1966 e que, 41 anos depois, se transformaria na Kroton, atualmente controlada pelo fundo americano Advent.
Estava presente, também, Altamiro Galindo, pai de Rodrigo e fundador do grupo mato-grossense Iuni Educacional, adquirido pela Kroton há dois anos. O motivo da celebração, no entanto, não era a bem-sucedida trajetória desses empreendedores. Mas sim o futuro da Kroton, que, para entrar no Novo Mercado, precisou realizar mudanças profundas em sua estrutura, para passar ao seleto time da bolsa, onde cada ação vale um voto. Trata-se de um grande esforço para qualquer empresa, mas que tem valido a pena. Desde que Galindo prometeu, há seis meses, aos acionistas que entraria no Novo Mercado, as ações da companhia dispararam. Os papéis da Kroton, em 2012, tiveram alta de 135%, a maior do ano entre as empresas listadas na Bovespa.
Na quinta-feira 6, seu valor de mercado chegou a R$ 5,8 bilhões, quatro vezes maior do que há 12 meses, e superior ao da Anhanguera, sua maior concorrente no setor educacional brasileiro – há dois anos, ela valia um quarto de seu rival. “Estamos entre as duas empresas de educação com o maior valor de mercado do mundo”, afirma Galindo. De fato, nas últimas semanas, a companhia tem disputado dia a dia a condição de número 1 do setor, com a chinesa New Oriental, que possui 2,4 milhões de alunos. Esse bom desempenho da rede de ensino mineira não é uma exceção entre as empresas que fazem parte do Novo Mercado.
Na verdade, as companhias nele listadas, submetidas a regras diferenciadas em relação ao mercado acionário tradicional, como emitir apenas ações ordinárias, com direito a voto, ter conselheiros independentes e manter 25% dos papéis em circulação, estão apresentando resultados muito superiores aos das empresas que fazem parte do Ibovespa, o principal índice da bolsa de São Paulo. Neste ano, os papéis das companhias do Novo Mercado valorizaram-se, em média, 24,19%, de acordo com dados da Economática (veja quadro abaixo). No mesmo período, o Ibovespa subiu apenas 1,27%. O fato de essas companhias adotarem práticas de gestão mais modernas e democráticas ajuda, em parte, a explicar o fenômeno.
Mas há outro motivo por trás da diferença entre o desempenho excepcional dos papéis do Novo Mercado e o do conjunto do mercado. “Ações de bancos, de empresas de commodities, aço, telecomunicações e energia representam 80% do Ibovespa”, afirma Luis Stuhlberger, principal executivo da corretora Credit Suisse Hedging Griffo, e um dos gestores mais respeitados do setor financeiro. “Esses setores estão sofrendo na bolsa por vários problemas.” As empresas do Novo Mercado, por sua vez, em sua grande maioria, atuam no mercado interno. “Estamos no meio de um processo de transformação”, diz Stuhlberger. “A convergência dos juros brasileiros para baixo, alinhando-se mais de perto às taxas internacionais, veio em uma velocidade que eu jamais esperaria.”
Com isso, se deram melhor as empresas voltadas para atender o consumidor brasileiro, que apresentam um desempenho acima da média. “Foi um ano de achar oportunidades, escolhidas a dedo”, afirma Daniel Gewehr, analista do banco Santander. “Principalmente, em setores em que o governo tem feito intervenções positivas.” Foi assim com a Kroton e com a carioca Estácio, outra rede de ensino que apresentou bom desempenho na bolsa, com uma alta de 113% no valor de seus papéis. Elas se beneficiaram do financiamento governamental para a entrada de jovens no ensino superior, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). A Kroton, por exemplo, tem 43% de seus alunos financiados pelo projeto do governo federal.
Há um ano, era metade disso. Outras razões ajudam a explicar o desempenho da Kroton, em 2012. Desde que assumiu o comando da rede mineira de ensino, Galindo – formado em direito, com mestrado em educação –implantou um rígido sistema de controle de custos. Um dos primeiros passos foi unificar operações, reduzindo o número de centros administrativos e áreas como RH, tecnologia e finanças. O processo de formação de turmas também foi revisto: passou de trimestral para semestral. Só são abertas, agora, aquelas que garantam uma rentabilidade de 43% durante o curso. Apesar dessa rigidez no controle de custos e nos parâmetros de lucratividade, Galindo não economizou nas aquisições.
A Kroton fez, nos últimos 12 meses, as duas maiores compras do setor. Em dezembro de 2011, levou a Unopar por R$ 1,3 bilhão. Em maio deste ano, foi a vez da Uniasselvi, por R$ 510 milhões. Ambas são fortes na área de ensino a distância, a que mais cresce no País – 70% ao ano, em média, contra 31% do ensino presencial. Resultado: a margem líquida da companhia passou de 12,1% nos primeiros nove meses de 2011 para 21,3% neste ano. O salto na rentabilidade é um sinal de que o mercado sabe recompensar as empresas que entregam resultados. Esse é o caso da Duratex, fabricante de pisos de madeira e louças sanitárias, cujas ações já se valorizaram 65% neste ano.
A empresa, comandada por Henri Penchas, foi beneficiada pela redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para móveis e insumos para reformas e construção. Controlada pela Itaúsa, holding que tem sob seu guarda-chuva o Itaú Unibanco, maior banco privado brasileiro, e pelo grupo Ligna, a Duratex foi considerada a de melhor desempenho do setor, em relatório do banco americano JP Morgan. O motivo principal está no fato de ter crescido acima do esperado, ganhando participação de mercado e rentabilidade. Segundo Flavio Donatelli, diretor-financeiro e de relações com investidores da Duratex, a empresa deve ampliar o seu faturamento em 12% neste ano, acima das estimativas projetadas para os seus dois nichos de atuação.
Para o mercado de marcenaria, a expectativa é de expansão de 9%. Já o de metais e louças sanitárias – no qual a Duratex atua por meio da marca Deca – é de apenas 2%. O aquecimento do consumo interno espraiou seus benefícios a praticamente todos os ramos de atividade entre os integrantes do Novo Mercado. Competindo com empresas muito maiores, como JBS e Marfrig, baseada em recursos próprios e sem contar com aportes do BNDES, como o caso dos dois gigantes, o frigorífico Minerva Foods, com sede em Barretos, interior de São Paulo, viu o valor de suas ações aumentar 117% neste ano. A empresa vem se aproveitando do momento favorável para os produtores nacionais de alimentos.
“O Brasil está ocupando mais espaço no mercado mundial, enquanto o Hemisfério Norte perde competitividade”, disse Fernando Galletti de Queiroz, herdeiro e presidente do Minerva, em conferência com os analistas para a divulgação dos resultados do terceiro trimestre. O motivo principal disso é que o preço da carne nos Estados Unidos e na Europa vem sofrendo forte impacto do aumento dos custos dos grãos. Ao mesmo tempo, a companhia ganhou a confiança dos investidores por apresentar um nível de endividamento mais baixo do que o do Marfrig e no mesmo patamar do JBS. Na visão dos investidores, o caixa de R$ 920 milhões, registrado no fim do terceiro trimestre deste ano, mostrou que o Minerva é capaz de honrar os pagamentos até 2017.
Para a varejista paulistana Marisa, cujas ações tiveram alta de 88% neste ano, a aposta no consumidor da classe média emergente, aliada a uma mudança no tamanho das lojas e no sortimento dos produtos, com maior enfoque em sapatos, é o que vem garantindo o bom desempenho. “Fomos beneficiados pela transferência dos gastos dos consumidores da classe C com bens duráveis para o segmento de vestuário”, afirmou Marcio Goldfarb, presidente e controlador da companhia, em recente teleconferência com analistas. A aposta em calçados fez o tíquete médio da empresa crescer 12%. Ao mesmo tempo, concorrentes como a Hering perderam rentabilidade.
Segundo relatório do banco Barclays, as medidas adotadas, aliadas à execução de um plano de eficiência, devem garantir à Marisa um bom crescimento pelos próximos cinco anos. Estar em um mercado com perspectiva de crescimento e manter uma posição de liderança são fatores fundamentais para atrair a atenção dos investidores. Veja o exemplo da Amil, líder no setor de planos de saúde do Brasil, cujos papéis tiveram uma valorização de 89% neste ano. Parte considerável desse desempenho deveu-se à compra de 60% do seu controle pelos americanos da UnitedHealth, maior empresa do mundo nesse setor. A companhia brasileira era controlada por seus fundadores, Edson de Godoy Bueno e sua ex-esposa, Dulce Pugliese, que embolsaram, com a transação, mais de R$ 6 bilhões.
Para entrar no mercado brasileiro, a UnitedHealth pagou caro. Segundo estudo do banco Santander, para recuperar o investimento, os americanos precisam ampliar as margens de rentabilidade da Amil dos atuais 9% para 12%. O potencial do setor de saúde explica o apetite dos americanos. Apenas 25% da população brasileira possui planos de saúde. Nos EUA, o percentual é de 78%. “Com a UnitedHealth, passaremos a ter acesso às melhores tecnologias, mas também às melhores práticas de gestão do setor”, diz Bueno. É certo que, das 127 empresas que fazem parte do Novo Mercado, nem todas estão apresentando desempenhos tão bons. Adotar regras de transparência com os investidores, embora seja uma condição necessária, não é suficiente, e tampouco é garantia de resultados excepcionais.
No final do dia, o que conta são as boas práticas de gestão e a capacidade de entregar resultados. O setor de construção ilustra à perfeição essa lógica. Empresas como Helbor, Eztec, JHSF, Even e Direcional estão tendo desempenho excelente neste ano. Em contrapartida, a PDG, que já chegou a ser a maior incorporadora brasileira, está entre as maiores baixas da Bovespa em 2012. Suas ações amargam queda de 44,4%. “A transparência e a governança corporativa valorizam as empresas no longo prazo”, afirma Gewehr, do Santander. “Mas, neste ano, o que contou mais foi a aposta no mercado interno.”
Colaborou: Fernando Teixeira