No fim do ano passado, várias operações contábeis envolvendo empréstimos do Tesouro, adiantamentos de dividendos de estatais e um saque do Fundo Soberano fizeram com que o superávit primário (a economia para pagar os juros da dívida pública) ficasse exatamente nos 3,1% do PIB prometidos pelo governo Dilma. Essas ações, batizadas por analistas do mercado de “contabilidade criativa”, deixaram a impressão de falta de transparência na divulgação das finanças públicas. Seria muito mais honesto – defenderam economistas de fora e até de dentro do governo –, reduzir a meta e informar com clareza que o País preferia pagar menos juros e usar esses recursos para estimular a economia. 

 

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Guido Mantega, ministro da fazenda: ”O superávit (no Brasil) é maior do que em outros países”

 

Agora, ainda de maneira dissimulada, mas com um pouco mais de clareza, o governo informa que a meta de 3,1% novamente será apenas retórica. Na semana passada, os ministros da área econômica confirmaram que vão descontar do superávit primário os R$ 45 bilhões usados em forma de desonerações tributárias a empresas e em investimentos oficiais. A meta para o indicador continua fixada em 3,1% do PIB, mas, com os descontos, ficará em torno de 2,3%. Faz sentido admitir um número menor, especialmente num mundo em que diversos países em crise na Europa, e até o Fundo Monetário Internacional, percebem que o excesso de austeridade do setor público não incentiva a retomada do crescimento. 

 

“O superávit é maior do que em outros países”, afirmou o ministro da Fazenda, Guido Mantega na quarta 22,em entrevista na sede do Ministério do Planejamento junto com a titular da pasta, Miriam Belchior. Para adequar os gastos à expectativa menor de receitas neste ano – entre janeiro e abril, a arrecadação federal cresceu apenas 0,34% em comparação com o mesmo período do ano passado –, o governo bloqueou R$ 28 bilhões do orçamento. Desse total, R$ 5 bilhões são despesas obrigatórias e R$ 23 bilhões são discricionárias. Os ministérios que mais perderam foram os das Cidades (R$ 5 bilhões) e da Defesa (R$ 3,6 bilhões). Apenas quatro pastas tiveram seus orçamentos inteiramente preservados: Educação, Saúde, Ciência e Tecnologia e Desenvolvimento Social. 

 

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Porto de Santos: a grande expectativa é o aumento dos gastos do setor privado em infraestrutura,

com os leilões de concessão para rodovias, ferrovias, aeroportos e portos

 

Também foram mantidos os gastos relacionados à Copa do Mundo e à Olimpíada, ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e ao Minha Casa Minha Vida, esse último com um orçamento de R$ 12,5 bilhões. “Estamos dando prioridade absoluta para o investimento”, disse Miriam Belchior. A previsão da Fazenda é uma expansão de 6% na formação bruta de capital fixo, praticamente o dobro do crescimento do PIB. Os investimentos do governo federal devem chegar a R$ 68,4 bilhões. A grande expectativa para os próximos meses é o aumento dos gastos do setor privado em infraestrutura, com os leilões de concessão para rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Entre os analistas, a percepção geral é de que o corte não será suficiente para conter o aumento de gastos públicos, mas a maior transparência das contas foi elogiada. 

 

“Pelo menos o governo mostrou que continua tendo uma meta e que está fazendo um esforço para melhorar o resultado fiscal”, diz o economista Roberto Padovani, economista-chefe da Votorantim Corretora. Para Felipe Salto, da consultoria Tendências, a medida será inócua para mudar a trajetória de gastos maiores do que a receita. “Foi um corte de vento”, afirmou. O economista Christopher Garman, diretor da área de Mercados Emergentes e América Latina da consultoria da Eurasia Group, diz que a maior transparência da meta é um bom sinal, mas não acredita que o número será cumprido – nem com os descontos. “Vai depender do crescimento da arrecadação”, afirma.

 

Os próximos meses serão cruciais para saber quem tem razão. A dúvida é se receitas e despesas irão evoluir neste ano da maneira como foram apresentadas pelo governo. Os parâmetros utilizados nas contas são de uma expansão de 3,5% no PIB e taxa de inflação de 5,2%. O mercado, conforme o boletim Focus, do Banco Central, prevê um crescimento de 2,98% e um IPCA de 5,8%, em média. Mantega diz que esses parâmetros serão revistos em dois meses e atualizados com os dados do PIB do primeiro trimestre, que serão divulgados nesta quarta 29. Aí, sim, o País poderá saber a real velocidade da economia neste ano.

 

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