O Brasil de 2012 tem sido pródigo em gerar números que contradizem o que o minguado crescimento econômico deveria revelar. As projeções preliminares para o avanço do PIB do ano passado indicam um magro ponto percentual. Em qualquer lugar do mundo essa cifra seria sinônimo de uma economia em marcha-à-ré, mas, por aqui, ela não retrata a realidade vivida pelas famílias brasileiras. Prova disso é o aumento de consumo de energia em 2012 nas residências, que registrou uma alta de 5%, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao Ministério das Minas e Energia. Enquanto isso, a conta de luz do setor industrial teve crescimento zero, em comparação a 2011, depois de andar de lado com a crise mundial, que afetou as exportações. 

 

110.jpg

 

O aumento da renda explica esse fenômeno. Com mais dinheiro no bolso e crédito farto, os brasileiros compraram tablets, celulares, televisões, geladeiras e videogames, entre outros aparelhos eletrônicos. Isso vem aumentando, ano a ano, o consumo de eletricidade per capita. Segundo a EPE, em 2007 o consumo por habitante era de 2.105 kilowatt/hora (kwh). Em 2011, esse número já chegava a 2.482 kwh por pessoa. Outra estatística da EPE revela como o mercado residencial brasileiro tem crescido com mais vigor que a indústria. Entre 1995 e 2012, o gasto de energia das famílias cresceu 85%. 

 

No mesmo período, a indústria registrou uma alta de 64,4%. “A taxa de penetração de computadores, incluindo tablets e notebooks, já é quase de uma máquina por pessoa no Brasil”, diz o professor Fernando Meirelles, do Centro de Tecnologia Aplicada, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. “É a mesma proporção dos Estados Unidos, o que é uma surpresa.” Outro estudo do IBGE, a Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar (Pnad), mostra a evolução de eletrodomésticos por residência. O número de casas com máquina de lavar, por exemplo, dobrou entre 1995 e 2011, alcançando 51% das residências. Esse número revela, também, a demanda reprimida desse tipo de equipamento. 

 

111.jpg

Inclusão elétrica: o aumento de renda da nova classe média elevou a compra de eletroeletrônicos,

com impacto direto no consumo e na conta de luz

 

Em outras palavras, à medida que a renda aumenta, crescem as vendas de máquinas de lavar, elevando, ainda mais, o consumo residencial de energia. “Hoje consumimos muito mais energia do que há dez anos, porém, muito menos do que daqui a uma década”, afirma Fernando Meirelles da FGV. Responsável pela Pesquisa Anual de Uso de Tecnologia, Meirelles lembra que o uso de computadores no Brasil cresce na casa de dois dígitos. “Só no ano passado, a compra de computadores, incluindo notebooks e tablets, cresceu mais de 10%”, diz ele, que calcula em 110 milhões o número de computadores no País atualmente. 

 

Esse cenário, acredita o professor, que foi um dos responsáveis pelas projeções de demanda da Eletrobras nos anos 1980, exige um planejamento cada vez mais sofisticado por parte do governo, para que não haja um descasamento entre oferta e demanda no Brasil. O planejamento do setor elétrico, atualmente, é feito pela EPE, sempre com um horizonte de dez anos. Porém, o professor da USP e presidente do Conselho de Estudos Ambientais da Fecomercio-SP, José Goldenberg, acredita que as projeções estão muito ancoradas nas chuvas abundantes. 

 

“O governo tem construído hidrelétricas sem reservatórios, que não permitem o armazenamento da água para os períodos de estiagem”, afirma Goldenberg. “É preciso negociar com os ambientalistas para voltar a construir usinas com reservatórios.” O professor da USP diz que, além de apostar em termoelétricas movidas a gás e carvão, o governo deveria incentivar a geração de energia a partir do bagaço da cana-de-açúcar. “Há cálculos que mostram que o Estado de São Paulo teria condições de produzir energia a partir do bagaço de cana equivalente a uma Itaipu”, diz Goldenberg. É a garantia, segundo ele, de que não faltará eletricidade para os produtos eletrônicos das famílias.

 

112.jpg