Nas primeiras horas da quarta-feira 25, o clima em Brasília estava pegando fogo, com o anúncio da prisão do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) e do banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, ambos suspeitos de envolvimento na Operação Lava-Jato. Os reflexos na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) foram imediatos, com quedas das ações. Curiosamente, na sede da BM&FBovespa, no centro de São Paulo, havia um grupo de investidores que celebravam euforicamente o que seria a única boa notícia para o governo naquele dia.

Tratava-se do leilão de 29 usinas hidrelétricas, promovido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que arrecadou cerca de R$ 17 bilhões. Conforme a DINHEIRO havia antecipado há um mês, o grupo China Three Gorges (CTG) roubou a cena ao levar as joias da rodada, as usinas de Jupiá e Ilha Solteira, por R$ 2,38 bilhões, e se consagrou como a segunda maior geradora de energia elétrica do Brasil. Para o governo, o êxito do leilão representa um pequeno alívio ao orçamento administrado pela equipe do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

Com todas as usinas vendidas, o bônus arrecadado na primeira parcela de outorgas será de R$ 11 bilhões. Segundo o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, embora o montante tenha sido planejado para entrar nas contas da União ainda neste ano, espera-se que todos os trâmites burocráticos das concessões sejam liberados apenas após o dia 30 de dezembro, o que adiaria o processo de arrecadação para o início de 2016. “Estamos convencidos de que não haverá condições de termos todas as documentações para que a Aneel assine os contratos no final deste ano”, disse o ministro à imprensa, após o leilão.

Com pouca concorrência, deságio médio a 0,32% e preço-médio de R$ 124,88 do megawatt-hora, ficou fácil para o grupo CTG, dono de um faturamento global de US$ 9 bilhões por ano, arrematar as principais usinas do leilão. Em meio à crise econômica brasileira e empresas nacionais do setor elétrico com seus orçamentos cada vez mais apertados, o valor teto de R$ 2,38 bilhões não cabia nas finanças de qualquer companhia. Situadas no rio Paraná, entre a divisa dos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, as hidrelétricas de Jupiá e Ilha Solteira que, juntas, somam 5 mil megawatts de potência instalada, foram controladas pela Companhia Energética de São Paulo (Cesp) por quase 30 anos.

O alto valor estabelecido pela Aneel no leilão, no entanto, inviabilizou a estatal paulista de manter o controle das hidrelétricas. “As empresas tradicionais estão sem recursos, algumas, inclusive, muito endividadas”, diz Nivalde de Castro, do Grupo de Estudos de Energia Elétrica (Gesel), da UFRJ. “Foi o prato cheio para que a chinesa concretizasse o plano de aumentar a participação no setor brasileiro.”

O interesse do grupo chinês CTG no Brasil não é de hoje. Liderado pelo empresário Li Yinsheng, o conglomerado enxerga no setor elétrico brasileiro um grande potencial de investimento. Fontes ouvidas pela DINHEIRO afirmam que, por considerar que há regras consistentes e um marco regulatório bem estruturado, os chineses se sentem atraídos e mais seguros para realizar investimentos.

Nessa rodada, em específico, a situação foi ainda mais confortável pelo fato de as usinas já estarem operando. “Muitas vezes, a grande preocupação de players internacionais é com questões ambientais, que podem inviabilizar construções”, disse uma fonte do setor que pede para não ser identificada. Com a aquisição das duas hidrelétricas, a CTG Brasil se consagrará como a segunda maior geradora privada do País, com capacidade de geração de 6 mil megawatts.

A empresa ficará atrás apenas da Tractebel, controlada pela franco-belga Engie, que opera com 7,3 mil megawatts. De acordo com a companhia, a compra das hidrelétricas está alinhada com a estratégia de intensificar sua presença no Brasil. Recentemente, a CTG adquiriu três ativos da Triunfo Participações e Investimentos: as usinas de Rio Canoas, em Santa Catarina, a Rio Verde, em Goiás, e a empresa de comercialização de energia Triunfo Negócios de Energia (TNE), no Paraná. “Essas aquisições são uma demonstração clara e tangível de nossa intenção de investir e crescer no Brasil”, disse Li Yinsheng, em nota.